(Carta Capital, 09/03/2016) No Dia Internacional da Mulher, debate realizado na Fnac Paulista evidenciou subrepresentação das mulheres na política brasileira
Embora sejam inegáveis a força e a importância das mulheres em todos os setores da sociedade brasileira, o país ocupa uma posição vergonhosa em termos de representação feminina parlamentar.
A conclusão é compartilhada pela Diretora Executiva do Instituto Patricia Galvão, Jacira Vieira de Melo, pela professora da FGV-SP e doutora em direito Constitucional pela USP, Luciana de Oliveira Ramos, e pela militante do setorial de mulheres do Psol e ex-coordenadora da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), Luka Franca.
Elas estiveram nesta terça-feira 8, Dia Internacional das Mulheres, na unidade da Fnac na Avenida Paulista, para o debate sobre a Representatividade da Mulher na política, parte da série Diálogos Capitais nas livrarias, promovido por CartaCapital.
Em pleno século XXI, o diagnóstico sobre a quantidade de mulheres e homens nas esferas de decisões políticas é claro: há uma subrepresentação das mulheres no parlamento. Atualmente, a Câmara dos Deputados possui apenas 51 deputadas dentro das 513 cadeias, 9,9% do total. No âmbito estadual, 11,4% das cadeiras de todas as assembleias legislativas do Brasil são ocupadas por mulheres.
“Na medida em que a esfera política diminui, cresce o número de mulheres, mas esse número fica em torno dos 10%. Portanto, para cada dez representantes temos uma mulher,” explica Luciana.
Comparado a outros países, a situação só piora. Dados da União Inter-parlamentar, instituto que trimestralmente apresenta uma relação da participação da mulher na política, colocam o Brasil na posição 154 de 185, perdendo para nações muitas vezes identificadas como violadoras dos direitos das mulheres – Afeganistão e Arábia Saudita por exemplo.
“Considerando que as mulheres são mais da metade da população brasileira e do eleitorado, ter apenas 9,9% de representação feminina na política é a prova de que não vivemos uma democracia plena”, completou a professora da FGV-SP.
Para Luka Franca, há um recente processo de emancipação e empoderamento da mulher para além dos partidos políticos, com uma ressalva. “Faz dois, três anos que partidos como PT, PSOL e PCdoB começaram a ter mais mulheres nas suas direções partidárias, o que reflete nas suas campanhas.Mas isso apenas depois de muita consolidação de figuras masculinas já nos seus espaços.”
Além disso, também chamou a atenção para outro ponto essencial ao debate: a dificuldade encontrada pelas mulheres negras, visto que nas casas legislativas, nos movimentos sociais e em outras esferas, a representação predominante é de mulheres brancas.
“Quantas vezes nós do movimento ouvimos que as mulheres negras estão dividindo o movimento feminista?”, indagou.
Diante do cenário, Jacira ressalta que, devido a uma séria de restrições impostas, as poucas mulheres participantes da política partidária dificilmente permanecem atuando. “Trata-se de um espaço histórico e culturalmente ocupado pelos homens. Elas foram colocadas em um jogo onde não são recebidas como autênticas jogadoras, legítimas candidatas”. .
Na sua visão, o real papel feminino para as legendas políticas é apenas de figuração. “É interessante que mesmo cumprindo as cotas estabelecidas pelas Procuradorias Regionais Federais – exigem ao menos 30% de mulheres candidatas por partido – não há grande diferença de vereadoras eleitas”, diz. “Elas não estão ali só para cumprir cotas como uma candidata a qual foram feitas falsas promessas, mas principalmente para suprirem o coeficiente eleitoral”, completou.
A diretora ainda questionou o auditório sobre o fato de estudos apontarem o real desinteresse das mulheres na política partidária. “Nos últimos 40 anos, em todo o processo de redemocratização do país, quando você vê em um bairro ou comunidade um grupo lutando por água, luz, saneamento, 99,9% são liderados por mulheres, com certeza. Elas realizam uma política horizontal, mas não suportam mais a política hierarquizada dos partidos.”
Segundo Luka, o debate político normalmente recai sobre uma desqualificação, ao invés de uma real discussão sobre a conjuntura. “Uma coisa é você discutir como garantir efetivamente os direitos das mulheres, da população em geral. Outra coisa é você colocar um adesivo da Dilma de pernas abertas no tanque do carro. Há condições de se fazer um debate político, porque no fim isso vira uma grande rinha de galo e quem ganha são aqueles que querem manter o status quo do cenário atual,” explica. “Portanto, não haverá garantia de maior referência política das mulheres, maior espaço nosso. Manter o status quo é manter as coisas como estão.”
“A disputa do poder quer excluir quem está mais marginalizado na sociedade, que são as mulheres, negras, transexuais e LGBT. Elas não tem condição efetiva de realizar uma disputa política nos espaços cuja efetividade provoca mudanças. Digo isso na perspectiva individual, acredito que na disputa coletiva das ruas, de organização social, nós conseguimos sim modificar o processo”, afirmou.
Felipe Campos Mello
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