14/10/2013 – Pesquisadora debate importância da reforma política para a equidade de gênero

14 de outubro, 2013

(Agência Patrícia Galvão) A Agencia Patrícia Galvão disponibiliza artigo exclusivo da socióloga Clara Araújo sobre a importância de uma reforma do sistema eleitoral brasileiro mais profunda do que a “minirreforma” em debate no Congresso Nacional para assegurar a maior participação das mulheres na política.

A pesquisadora debate ainda como os condicionantes institucionais reproduzem e perpetuam ou não as desigualdades de gênero; os sistemas políticos e eleitorais e o acesso das mulheres a vagas nos postos eletivos; os tipos de Sistemas de Representação Política e quais deles são mais ou menos “amigáveis” às mulheres; os problemas relacionados ao instituto da reeleição, às formas de financiamento de campanha e composição das listas partidárias.

No texto, Clara demonstra ainda, por meio da exposição de dados de várias pesquisas e estudos, que a democratização efetiva dos processos eleitorais favorece a participação feminina e como o modelo eleitoral brasileiro é excludente e machista. De acordo com levantamento da União Inter-Parlamentar (IPU), o Brasil ocupava em julho deste ano o 120º lugar entre 189 países na proporção de mulheres membros de parlamentos. Em 1º de setembro, o Instituto apontava que o país tinha caído uma posição.

Pesquisa – Em abril deste ano, o Ibope, em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, realizou uma pesquisa que evidenciou demanda contundente na sociedade por um aumento na participação das mulheres nos espaços decisórios nacionais. A pesquisa pode ser lida aqui.

Leia abaixo a íntegra do artigo.

Por que uma Reforma Eleitoral mais ampla é importante para as mulheres?

clararaujo
Clara Araújo*

O debate sobre a Reforma Política e Eleitoral se estende há alguns anos país, sem acordos entre partidos e políticos em geral. E adquiriu atenção inédita da população no período recente, com as grandes manifestações sociais que tomaram conta das ruas em junho de 2013. A proposta de minirreforma eleitoral aprovada no Senado e que está em debate na Câmara dos Deputados tem entre seus principais tópicos: i) a diminuição do prazo para os partidos trocarem de candidatos numa antes da eleição; ii) a limitação dos pronunciamentos presidenciais em mídia nacional no período eleitoral; e iii) a regulação da “boca-de-urna”. Outros aspectos “menores” também são tratados.
Com base no que foi apresentado até o momento, pode-se dizer que mesmo o termo minirreforma parece demasiado ambicioso para o (tímido) escopo das propostas. Tratam-se, de fato, de itens pontuais que tangenciam aspectos candentes há muito na agenda. Um dos problemas aventados é a dificuldade para discutir e aprovar outras questões substanciais e com lógicas próprias, com a merecida atenção e em tempo hábil para serem adotadas nas eleições de 2014.
É fato a necessidade de informar e chamar a população a participar, para em seguida, o parlamento poder votar ou, como foi proposto, o eleitor se posicionar via plebiscito. Um exemplo claro da necessidade de mais informação pode ser encontrado no próprio Congresso Nacional. Em chamada para divulgar pesquisa recente com cidadãos brasileiros sobre a Reforma Eleitoral, o Portal de Notícias do Senado apresenta conclusões e resultados que podem ser considerados, no mínimo, como precipitados do ponto de vista dos dados. A iniciativa do Senado foi louvável e importante. Mas sua dubiedade, expressa em perguntas pouco claras e possibilidade de alternativas não colocadas, não permite as conclusões apresentadas no Portal sobre o teor das respostas relacionadas com: preferência por voto distrital, tipo de lista de votação (aberta) e financiamento privado. A pergunta sobre “reservas de vagas” para mulheres no parlamento, entre outras, não deixa clara a distinção entre cotas para listas eleitorais (as existentes atualmente) e as cotas como reservas de assentos parlamentares (PDS 150/2013 em andamento no Senado), nem mesmo para uma eleitora ou um eleitor mais informada (o)1.

Na mesma pesquisa do senado, 81,4% dos entrevistados consideraram que uma Reforma Política trará vantagens para o país. Em síntese, de uma forma ou de outra, com distorções ou não, este tema foi colocado na agenda e vinculado ao problema do envolvimento cívico, da participação cidadã e do controle democrático. Por isso mesmo, assim como requer tempo para debates mais amplos com a população, não é aceitável apenas acomodar o projeto aos arranjos já propostos e postergar novamente o debate para daqui a 3 ou 4 anos, quando estivermos próximos de novas eleições. Talvez o ideal fosse incorporá-lo à agenda eleitoral vindoura. Por serem as eleições de 2014 de âmbito nacional e federal, é momento mais que apropriado para discutir a relação entre Democracia Representativa, formas de eleição e maior proximidade entre eleitores, partidos e representantes.

A Reforma Política e as Mulheres

E aqui cabe perguntar qual ou quais as razões que justificam abordar especificamente a Reforma Política sob a perspectiva de gênero ou sob o ângulo da situação das mulheres? Algumas delas vêm sendo discutidas pelos movimentos sociais e militantes partidárias, outras pouco são tocadas. Perguntas básicas: será que mais mulheres mudam o parlamento? Parece temeroso dizer que há qualidades diferenciadas por sexo que melhoram ou pioram a democracia. Ou será que mulheres irão defender os interesses das mulheres? E esses interesses têm o mesmo significado ou sentido para todas as que forem eleitas? Por alguns dos debates atuais no Congresso Nacional podemos responder que não.

Ou ainda, será que uma presença mais equilibrada constitui apenas uma reparação para sua exclusão involuntária, reproduzida inclusive por mecanismos eleitorais inibidores? Mais do que respostas, temos desafios a essas perguntas, não possíveis de maior tratamento aqui. É suficiente dizer que diante de números que nos confrontam com a realidade de participação política desigual, pouco compreensível e discrepante, a resposta é indubitavelmente sim. Por várias razões se justificaria uma abordagem de gênero. Como “simples” cidadãs ou como pessoas do “mundo político”, mulheres são recorrentemente confrontadas pela sua condição de gênero. Por isto, há algo a dizer sobre seu acesso à política e os impactos diferenciados de acordo com aspectos dos sistemas políticos e eleitorais, segundo o sexo.

É sabido que esse diferencial não é um dado especificamente brasileiro. Há disseminada base histórica para tal ocorrência, sobretudo a exclusão formal das mulheres no nascimento das modernas Democracias Representativas e de suas duas bases: cidadãos e representantes. Apesar de direitos conquistados, outras formas de desigualdades permanecem como obstáculos e interferem nas suas chances eleitorais, inclusive e talvez, sobretudo obstáculos familiares. A simples ideia de mulheres deixarem “suas prioridades domésticas” para se envolverem com a política ainda é elemento de conflito entre casais e famílias2. O mito da “natural apatia feminina na política” já foi derrubado, mas as condições que o reproduzem e o déficit de gênero nas instituições de poder permanecem fortes.

A distribuição da participação por sexo nos legislativos nacionais serve de referência internacional para aferir o acesso das mulheres aos espaços da Representação Política. E o crescimento médio dos últimos 15 anos é significativo. Dados da União Inter-Parlamentar/IPU3 mostram que o percentual de participação feminina em 1998 alcançava 12,8% nos Congressos Nacionais e 14,8% nas Câmaras Baixas ou Câmaras dos Deputados. Em agosto de 2013 a proporção passou para respectivamente 20,9% e 21,3%. Notadamente em países em processos recentes de democratização, redemocratização ou remodelagens institucionais, parte do crescimento apontado se deveu à adoção de cotas para candidaturas eleitorais, uma espécie de “caminho curto” para romper com as barreiras encontradas na história das Democracias Representativas modernas. Não obstante, o crescimento indicado, isto representa, em média, 1/5 do total de parlamentares no mundo.

No Brasil os números dos diferentes níveis legislativos, em especial da Câmara dos Deputados, são reveladores da persistência de dificuldades de acesso político, sobretudo nas eleições. Isto ocorre mesmo com a adoção de cotas eleitorais de um mínimo de 30% de candidaturas por sexo, e após novos itens serem incorporados na Lei de 2009. Os resultados eleitorais de 2010 e 2012 indicaram que tal revisão não surtiu efeitos e os ingressos se mantêm fracos. Em 2010 cerca de 70% dos votos nas eleições presidenciais foram dados às candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva. Dilma foi eleita a primeira Presidenta da República. Apesar disto, naquela mesma eleição a presença feminina na Câmara dos Deputados permaneceu estagnada em apenas 8,6%. Nada menos do que 91,4% dos eleitos no Brasil em 2010 foram homens. Em julho deste ano, o Brasil ocupava o 120º lugar no ranking de 189 países elaborado pela IPU.

Diversos fatores influenciam e estão, comprovadamente, associados às chances das mulheres se elegerem, formando certo padrão de desigualdade de gênero na política. São de diversas ordens: cultural, socioeconômicos, políticos e contextuais. Apenas estes e seria de esperar que países com históricos econômicos ou políticos parecidos também se assemelhassem nesses padrões de eleições segundo o sexo. Assim como variassem pouco entre si. Isto não acontece de fato. O que se percebe, em números, é grande variação no grupo de nações consideradas como democracias consolidadas, estáveis e com níveis de desenvolvimento semelhantes. Grande variação no grupo de países definidos como em desenvolvimento, ou ainda entre aqueles com históricos mais recentes de práticas institucionais democráticas. E isto inclui o Brasil e os seus vizinhos latino- americanos, inclusive entre os países que possuem Leis de Cotas para as eleições.

Os Sistemas Políticos e Eleitorais e o acesso de mulheres ao poder

Nas últimas duas décadas estudos comparados internacionais, baseados em estatísticas e em análises das “famílias” dos sistemas eleitorais forneceram sólidas evidências de que, ao lado dos aspectos mencionados acima, os Sistemas Políticos e Eleitorais interferem e têm bastante influência no acesso de mulheres aos poderes eleitoralmente constituídos. Mostram ainda que mesmo o sucesso ou insucesso das cotas depende, em parte, de características dos sistemas eleitorais. E se é certo que não determinam os resultados, ajudam a explicar as distâncias e a compor os cenários numéricos encontrados na participação política segundo o sexo.

Ainda assim, cada contexto tem sua história própria. E um dos complicadores é que não existem “fórmulas de bolo” que definam um sistema perfeito. Fatores contextuais, socioeconômicos e culturais e características dos sistemas eleitorais é que compõem essas “receitas” cujo fermento e resultados podem variar bastante. Nosso próprio caso, Brasil, é emblemático dessa ausência de relação causal. Por isto, nos deparamos com grandes variações tanto entre as democracias consolidadas como entre aquelas em consolidação, entre países mais ricos ou mais pobres e entre culturas mais ou menos liberais. Levando isto em consideração, serão brevemente destacados a seguir quatro itens relacionados com sistemas eleitorais e ampliação de presença das mulheres e que tocam a uma reforma política. São eles: o tipo de sistema de representação política, a forma da escolha do candidato e do voto pelo cidadão, os tipos de financiamentos de campanha e a possibilidade, ou não, de reeleição de parlamentares e de quantas vezes isto pode ocorrer. Ressalte-se, porém, que nos debates e processos políticos efetivos tais aspectos estão conectados e possuem lógicas que formam modelos mais definidos.

Os tipos de Sistemas de Representação política

Comecemos pelo tema mais geral, o dos tipos de Sistemas de Representação política. Há três tipos básicos ou três grandes “famílias” de sistemas eleitorais, definidos, sobretudo, pela forma de representação adotada para as chamadas Câmaras Baixas, o equivalente aqui à Câmara dos Deputados.

A primeira família é a dos Sistemas Majoritários que no Brasil é conhecido como Sistema Distrital Puro. Não obstante variações internas, não possíveis de serem expostas aqui, esse sistema em geral é caracterizado pela organização de distritos eleitorais pequenos com 1 (um) único representante (circunscrições ou regiões que não necessariamente são os estados geográficos e administrativos, como no caso atual do Brasil). Cada partido só pode lançar um candidato (em alguns casos mais de um com um segundo turno); e só um candidato de um único partido, o mais votado, é o eleito para representar aquele distrito/localidade/região na Câmara dos Deputados.

Entre as chamadas “democracias consolidadas” são exemplos de sistemas majoritários ou distritais puros, a França, a Austrália e os Estados Unidos (embora este último tenha alguma singularidade). Os atuais percentuais de participação de mulheres nas Câmaras Baixas (Câmaras de Deputados) desses três países são, respectivamente, 26,9%, 24,9%, 17,7% . Entre aquelas democracias em processo de consolidação podem ser citados a República da Tanzânia e a República Checa, com respectivamente 36% e 17,3% de representantes mulheres.

O segundo tipo de “família” é a dos Sistemas de Representação Proporcional. Neste, como o nome diz, a natureza da representação é a proporcionalidade. O que conta para definir a distribuição do número de eleitos é a proporção de votos obtidos. Cada partido lança listas com vários candidatos para cada distrito/região/estado, ou ainda uma única lista nacional, como no caso do Uruguai. O Brasil está inserido nesta “família” dos proporcionais e seus distritos eleitorais são os próprios estados administrativos. O número de representantes varia de 70 em São Paulo a 8 em estados menos populosos como Acre e Rondônia, por exemplo, para corresponder à população de cada estado, e assim compor a representação da Nação. A quantidade de representantes e de eleitos varia de acordo com o tamanho da população do local definido.

Mas as listas podem ser fechadas, abertas ou flexíveis. Exemplos de sistemas proporcionais em países com “democracias mais consolidadas” são a Suécia, a Holanda, a Itália, a Argentina e o próprio Brasil, com, respectivamente, 44,7%, 38,7% 31,4% 39,7% e 8,6% de mulheres nas Câmaras de Deputados. Entre países a caminho de democracias mais estáveis estão Polônia, Moçambique e República Dominicana, com respectivamente, 23,7% 39,2%, e 20,8% de deputadas.

O terceiro tipo de “família” é a dos Sistemas Mistos, ou Distrital Misto, conforme designação no Brasil. Com um espectro de variações internas não possíveis de detalhamento aqui, pode-se resumidamente dizer que ele combina características do Sistema Majoritário com as do Sistema Proporcional. No Sistema Distrital Misto, os distritos ou circunscrições eleitorais são divididos ou sobrepostos em duas partes. Uma parte majoritária na qual cada partido lança só um candidato em cada distrito e só um candidato, o mais votado, entre todos os partidos é eleito. E há a outra parte proporcional, na qual os partidos podem lançar mais candidatos, o número de eleitos é maior do que um e há regras de distribuição dos votos entre partidos/candidatos mais votados. Em geral o eleitor vota duas vezes, uma na circunscrição majoritária e outro na lista de cada partido. São exemplos atuais de sistemas mistos, entre as chamadas democracias consolidadas: a Alemanha, a Espanha e o Japão, com respectivamente, 32,9%, 36% e 8,1% de presença de mulheres. Entre países considerados em processo de consolidação, podem ser citados a Bolívia e a Armênia, com respectivamente 25,4% e 10,7%.

Sistemas mais ou menos “amigáveis às mulheres”

Em se tratando da participação segundo o sexo, existem várias indicações consistentes que apontam para aquilo que Wilma Rule, uma das pioneiras em estudos comparativos sobre democracia, sistemas eleitorais e representação política feminina identificou, em 1997, como um contínuo de sistemas mais ou menos “amigáveis às mulheres”. O termo designa sistemas onde elas têm maiores ou menores chances de eleição e acesso ao poder.

Comparando 70 países de democracias consolidadas e em processos de consolidação, a autora concluiu o seguinte: os sistemas de Representação Proporcional são os mais “amigáveis” às mulheres, ou seja, são aqueles nos quais estas têm mais chances de serem eleitas. Em seguida encontram-se os Sistemas Mistos, ou Distritais Mistos e, por último, como menos amigáveis, os sistemas Majoritários ou Distritais Puros. Em outras palavras, quanto mais proporcional o sistema maiores as chances, tanto das mulheres como dos chamados grupos outsiders, ou seja, aqueles tradicionalmente excluídos da elite política. Vale dizer que nos sistemas distritais mistos, a parte mais “amigável” é a da eleição proporcional.

Uma das explicações estaria no que a profª Pippa Norris4, da Universidade Havard/EUA, definiu como a “tendência inercial das competições eleitorais”, própria da natureza das disputas de poder nas instituições, sobretudo nas eleições. Assim, quando determinado partido possui nomes já comprovados eleitoralmente e estabelecidos em determinados distritos, e só pode lançar um candidato ou muito poucos nomes para a competição eleitoral, a tendência é que não arrisque os espaços conquistados com nomes novos e ainda não testados. Os mais antigos e já eleitos seriam privilegiados.

Segundo Norris não só as mulheres, mas todos os indivíduos pertencentes a grupos tradicionalmente outsiders do sistema político tenderiam a encontrar mais dificuldades para ser indicados em contextos com direito a apenas um ou poucos competidores. Isto porque, menor número de candidatos lançados, menor chance de que a diversidade da sociedade seja considerada nas candidaturas cujas chances necessitam ser bem consistentes. Exceções seriam quando tais nomes surgem decorrentes de algum fenômeno ou processo político e adquirem rápida visibilidade. Os sistemas de representação proporcional tenderiam a ser mais abertos porque em todos os distritos/estados os partidos são mais compelidos a compor listas mais diversas, com nomes que representem a diversidade social e cultural de um determinado distrito eleitoral, inclusive para atrair eleitores de diferentes estratos e agrupamentos.

Dados recentes publicados pela União Inter-Parlamentar/IPU5 reforçam essa evidência. Foram comparados resultados obtidos em países que tiveram eleições no ano de 2012. Mostrou-se que nos países com Sistemas Majoritários as mulheres obtiveram uma média de 14% das vagas parlamentares contra 25% nos Sistemas Proporcionais. O estudo concluiu que o Sistema Proporcional possibilita maior “[…] incentivo para que os partidos ampliem seu poder de atração mediante a inclusão de mulheres em suas listas”. Outro dado interessante nesses levantamentos citados é que nos Sistemas Distritais Mistos os resultados mais favoráveis às mulheres são obtidos, sistematicamente, através da parte proporcional das eleições, fato constatado antes. Isto é claro, também, no ranking geral da IPU. Os 21 primeiros países com maior presença de mulheres nos nas Câmaras Baixas ou Câmara de Deputados, entre os 189 listados, distribuem-se da seguinte forma: 15 Sistemas Proporcionais, 5 Sistemas Mistos e apenas 1 tem Sistema Majoritário.

As mulheres e o financiamento de campanhas

O segundo tema de uma Reforma Eleitoral é dinheiro, ou quem financia as campanhas. A elevada correlação entre sucesso eleitoral e financiamento de campanha, para homens e mulheres, é comprovada. Então, o primeiro item a discutir é como tornar mais democrática uma competição na qual o dinheiro importa cada vez mais e as formas de consegui-lo vinculam interesses de doadores a representantes eleitos.
No caso em foco, isto é mais importante pois é sabido que, em média, homens e mulheres possuem rendimentos, bens materiais e capitais eleitorais desiguais e têm acessos desiguais aos recursos de campanha.

Recentemente tem sido comprovado por vários estudos que homens arrecadam dinheiro de forma mais concentrada e de pessoas jurídicas, ao passo que fundos arrecadados pelas mulheres são mais fragmentados e advêm, majoritariamente, de pessoas físicas, conforme mostraram Teresa Sacchet e Bruno Speck em pesquisa do Consórcio Bertha Lutz em 2010. Se isto é fato, torna-se mais complicado competir num contexto sem muito controle democrático sobre os tipos de financiamentos aceitáveis. Isto é facilitado porque, em geral, homens dispõem de mais tempo, inclusive para a política, possuem redes partidárias e políticas mais estruturadas e tendem a ser mais conhecidos. Assim, se simplesmente aplicado o critério da “neutralidade” de gênero, mulheres tenderão a ser prejudicadas por suas trajetórias e condição. O debate sobre formas de apoio financeiros eticamente aceitáveis não é, portanto, neutro quanto ao gênero.

O sistema de votação em listas

O terceiro item é o sistema de votação em listas. E este, de fato, não é problema de detalhes técnico ou pontual. Uma pergunta básica do “cardápio” desse debate democrático é: como resolver a relação entre autonomia do eleitor/cidadão e a sua escolha de voto naquele que será seu Representante? Está em foco a forma mais razoável, no sentido de democrática, de viabilizar a triangulação necessária entre candidatos, partidos e eleitores e o representante político. Em outras palavras, se trata das formas como eleitores exercem a sua autonomia na escolha dos representantes. E, ao mesmo tempo, como se viabilizam os compromissos desses representantes – os eleitos – e de suas organizações de pertencimento, os partidos, para com esses eleitores, as cidadãs e os cidadãos.

As três formas de listas partidárias e suas variantes

Basicamente há três formas gerais de listas partidárias, com muitas variações internas: a lista “aberta” com o voto dado ao candidato podendo ser também mas não necessariamente dado à legenda do partido; a lista “fechada e bloqueada” na qual o partido ordena um ranking de prioridade de nomes que não pode ser mudada e o voto é no partido; e a lista “flexível”, quando se vota no partido mas há, em geral, duas alternativas possíveis que permitem algum reordenamento na ordem de prioridades: votar na lista e indicar o nome preferido ou dar dois votos, um para a lista e outro para um segundo nome. A complexidade do problema é mais evidente, no entanto, como demonstra um levantamento de 2007 do Instituto IDEA6, identificou 12 diferentes tipos de combinações de listas que formam um Sistema Eleitoral, ou a maneira como o voto se traduz em Representação.
No caso das chances das mulheres, atualmente se relaciona muito os tipos de listas com o funcionamento das cotas. É comprovado que as cotas eleitorais por sexo funcionam mais quando as listas são fechadas e pré-ordenadas, como nos casos da Argentina e da Costa Rica. As condições atuais de competição, com voto individual e, sobretudo, baseado nos recursos do próprio candidato, exacerbam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Mas isto depende, também, de alguns fatores de transparência partidária, bem como da organização política das mulheres, fora e no interior dos Partidos. As indicações para candidaturas dependem dos grupos detentores de força na estrutura partidária e podem simplesmente reproduzir uma lógica oligárquica e tradicional, ainda que com mais mulheres. E quando certas condições político-partidárias são mais favoráveis, os resultados de cotas em lista abertas também podem ser positivos, a exemplo do Peru.

Há ainda um problema que não é menor: a contraposição posta apenas entre Lista Fechada ou voto na ordem de nomes pré-definida pelo partido e Lista Aberta ou Voto Único Individual, simplifica ou desconhece outras possíveis combinações efetivamente existentes. Faz-se necessário então colocar para debate a alternativa de listas flexíveis que também propiciam a articulação entre a necessidade de partidos mais orgânicos e fortes – votar nas legendas-, com a autonomia do eleitor, ou seja, o direito de escolher quem quer ver representado – através da possibilidade de reordenamento dos nomes ou votar em mais um nome, e sem prejuízo de uma pré-indicação de alternância com base nas cotas. A Noruega, a Holanda e Moçambique são exemplos de países com listas flexíveis e que estão entre os 20 primeiros colocados em presença de mulheres no parlamento segundo o ranking da IPU. Como já foi mostrado em várias pesquisas, não é porque existe resistência do eleitorado que mulheres não são eleitas. Listas flexíveis deveriam entrar no debate como uma alternativa possível para essa tensão entre partido, eleitor e candidato, combinando a referência ao partido e, ao mesmo tempo, a escolha do eleitor, sem prejuízo das cotas. Estas viriam obrigatoriamente no ordenamento apresentado pelo partido.

Reforma Política e Eleitoral e a reeleição

Por fim, como o 4º. ponto de um debate mais amplo sobre Reforma Política e Eleitoral, está o problema da reeleição. E ainda, no caso desta reeleição ser aceita, se ela pode ser indefinida ou há algum limite ao número de mandatos em que isto pode ocorrer. Também aqui a algo a dizer sobre ser este um procedimento neutro sob o ângulo do gênero ou não. Há países onde a reeleição só é permitida uma vez. E em alguns o parlamentar só pode se candidatar após um período sem mandato.

Comparações entre essas diversas situações mostram que onde se estimula mais a renovação de mandatos, permitindo apenas uma reeleição ou alternâncias, mulheres, assim como outros grupos sociais menos privilegiados tendem a ter mais chances de eleição e acesso ao poder. Por várias razões, parte dos candidatos sempre se beneficia da reeleição, sejam estes homens ou mulheres. Mas se constata que outras condições sendo iguais, os homens tendem a ter bem mais chances de serem reeleitos do que as mulheres. Levantamentos de Clara Araújo e José Eustáquio Alves nas eleições federais de 2006 mostraram que candidatos do sexo masculino tentando reeleição tinham 25 vezes mais chances de serem eleitos do que candidatos que não eram deputados; enquanto para candidatas à reeleição essa chance de se eleger era 16 vezes maior do que mulheres que não eram deputadas. Estudo repetido em 2010 confirmou essa tendência. Fernanda Barollo (Universidade de Alicante) e Ugo Troiano (Universidade Harvard) demonstraram que isto ocorre, também, com candidatos de ambos os sexos que concorrem à reeleição para prefeituras no Brasil. Ou seja, em geral as chances eleitorais dos candidatos com mandatos eram bem maiores do que as daqueles que não tinham o mandato. E neste universo, e as chances dos homens são ainda maiores do que as chances das mulheres.

Em suma, parece pouco plausível pensar que atualmente seja possível prescindir dos partidos políticos para viabilizar a própria democracia representativa. Mas então como reaproximar cidadã/cidadão dessa organização tão chave? E como resolver a relação entre a autonomia do eleitor e da eleitora, na sua escolha de voto no/na Representante Político/a? Algumas perguntas e questões emblemáticas da natureza da Representação Política não serão respondidas aqui, mas ficam como contribuição para debates posteriores.

*Clara Araújo é socióloga, professora do PPCISUERJ e coordenadora do NUDERG (Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero daquela Universidade).

NOTAS

1. As tabelas com as perguntas atinentes aos comentários se encontram nas páginas 19, 20, 22 e 23do trabalho mencionado (www.senado.gov.br/pesquisas/2013, DataSenado, acessado em 19/09/2013).

2. Ver sobre isto pesquisa do Consórcio Bertha Lutz, Mulheres nas Eleições 2010.

3. Acessados em 25/08/2013 em www.ipu.org.

4. Ver sítio www.pippanorris.com.

5. www.ipu.orgcronicadas eleiçõespdf2013.

6. Institute for Democracy and Electoral Assistance (www.idea.org).

 

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