(Jornal do Brasil) Há mais de uma década, o Orçamento público vem sendo monitorado pelo movimento feminista que fundamenta esse esforço na convicção de que os recursos orçamentários devem priorizar o enfrentamento de desigualdades. Buscamos identificar recursos voltados para a melhoria das condições de vida de mulheres na sua pluralidade — lésbicas, negras, quilombolas, indígenas, do campo, da cidade etc — levando em conta os compromissos governamentais com o II Plano Nacional de Política para Mulheres (PNPM). Este acompanhamento permite-nos concluir em que medida os governos federal, estaduais e municipais têm implementado políticas que promovam os direitos das mulheres.
Nossa experiência mostra que não só o valor destinado pelo governo federal a esta finalidade é insuficiente para atingir o objetivo de eliminar as desigualdades como também que a execução destes recursos é, para grande parte das ações, pífia. Em uma análise baseada nos dados divulgados até 1º de dezembro pelo Siafi/Siga Brasil (sistema financeiro da administração pública federal), constatamos que esta tem sido a tendência nos últimos três anos (análise disponível em www.cfemea.org.br).
Em 2009, as ações orçamentárias que financiavam as seis prioridades do Plano na área de enfrentamento à violência contra as mulheres chegaram ao final do ano com uma execução orçamentária acima de 80%. Já em 2010, apenas uma das prioridades alcançou esse patamar. Agora em 2011, a situação está bem pior: o volume de recursos empenhados em três prioridades, até o dia 1º de dezembro, estava abaixo de 40%. Outras duas ficaram na faixa entre 44 e 48% de empenho. E em apenas um caso o percentual de recursos empenhados chegou à marca de 95%.
Em relação à saúde das mulheres, o quadro é semelhante. Aproximadamente 1.500 mulheres, entre 15 e 49 anos de idade, morrem anualmente durante a gravidez, por aborto, no parto ou puerpério. Se houvesse um atendimento de saúde adequado, com acesso garantido em todas as portas de entrada do sistema de saúde, 92% dessas mortes seriam evitáveis, segundo a Organização Mundial de Saúde. Apesar de o Brasil ter assumido compromissos nacionais e internacionais para diminuir estes números, o problema não só persiste como se estima que possa ter piorado.
Entretanto, ao longo dos últimos três anos, a execução orçamentária das ações do Plano relacionadas ao eixo de saúde da mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos é tragicamente coincidente com essa realidade. Em 2011, temos o pior cenário: só em duas prioridades se alcançou um grau de empenho superior a 80% do Orçamento, até 1º de dezembro; outras seis ficaram entre 41% e 68%; e uma prioridade só empenhou 31% do autorizado pela Lei Orçamentária.
Também é digna de nota a redução do orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres e da Secretaria de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (Seppir). Estes dois órgãos têm por missão transversalizar os temas de raça e gênero em todo o governo federal e, para tanto, precisam estar munidos de recursos materiais e políticos. Ainda assim, o projeto de lei orçamentária para 2012 enviado pelo Poder Executivo ao Congresso, quando comparado ao Orçamento de 2011, diminuiu em 31,3% os recursos da SPM e em 67% os recursos da Seppir.
Outros fatores têm cerceado a atuação da SPM. Neste ano, 43% do orçamento autorizado para a secretaria foi contingenciado, o que justifica parcialmente o baixo desempenho até agora. No mais, a suspensão dos convênios do governo com ONGs e com vários estados (uma vez que a legislação proíbe repasses para as unidades federativas inadimplentes com a União) tem constituído entraves para o desenvolvimento de programas existentes. A falta de recursos para políticas que promovem os direitos das mulheres não pode ser explicada pela crise econômica internacional, uma vez que a arrecadação fiscal do governo não diminuiu. Tampouco houve redução do montante destinado a produzir superávit primário, que prejudica diretamente o gasto social.
Frente a este cenário, avaliamos que governo não conferiu real prioridade à implementação do PNPM, não ofereceu as condições necessárias para que a SPM e a Seppir pudessem cumprir com a missão que lhes cabe, não assegurou a estrutura e os mecanismos necessários e, no final das contas, as que estão sendo penalizadas por essa situação são as mulheres brasileiras, todas nós.
Reivindicamos uma coordenação fortalecida para a PNPM, a SPM e a Seppir, prioridade e mais recursos para enfrentar as desigualdades, compromisso real com o que foi assumido nos espaços de participação social, enfrentamento da miséria com as mulheres — não às nossas custas. É essa resposta que esperamos da primeira mulher na Presidência da República. Não menos.
* Ana Cláudia Pereira e Guacira César, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)