27/01/2014 – TSE atua para coibir uso de mulheres como ‘laranjas’

27 de janeiro, 2014

(Correio Braziliense) Mesmo com o aumento de filiações de quadros femininos nos partidos entre 2012 e 2013, especialistas temem uso de candidatas apenas para preencher a cota legal. TSE lança campanha para incentivar maior participação política, mas a ação é vista com ceticismo

A quantidade de mulheres filiadas a partidos políticos cresceu de forma significativa desde as últimas eleições municipais, embora elas continuem sendo a minoria na política brasileira. Entre as 136 mil pessoas que ingressaram em alguma das mais de 30 legendas, no período de outubro de 2012 ao mesmo mês de 2013, 64% são mulheres. Os números, no entanto, estão longe de significar que o público feminino esteja disposto a se candidatar neste ano e que os partidos lançarão para valer o mínimo de 30% de mulheres no rol de seus candidatos. É comum as siglas recorrerem a manobras, como a cooptação de laranjas, para cumprir a cota.

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 MP/RJ contabiliza 1,4 mil mulheres que podem ter atuado como laranjas nas eleições de 2012 (O Globo)

Em fevereiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai divulgar uma campanha institucional para incentivar as mulheres a se lançarem candidatas nas eleições de 2014. A ação, entretanto, é vista com ceticismo por especialistas. A ideia da Corte, que exibirá as peças publicitárias, é ampliar a atuação feminina nas disputas por cargos proporcionais e majoritários e tentar afastar a figura de candidatas fantasmas.

O presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, alerta para a necessidade de um equilíbrio entre os gêneros na política brasileira. O estímulo para que a campanha seja realizada e veiculada em rede nacional no rádio e na tevê foi dado pela minirreforma eleitoral, aprovada no Congresso e sancionada em dezembro pela presidente Dilma Rousseff.

Para o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB), a propaganda institucional está longe de ser a solução para atrair um maior número de mulheres interessadas de fato em ingressar na vida política. “Isso não se dá somente com cota ou propaganda institucional, é preciso que haja uma mudança da cultura política e do pensamento da sociedade”, opinou. “A propaganda do TSE é um passo, ajuda, mas isoladamente não será suficiente para mobilizar uma maior quantidade de mulheres a se candidatarem”, acrescentou.

Presidente da Procuradoria Especial da Mulher do Senado, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) foi a autora da emenda ao texto da minirreforma que estabeleceu a realização de propagandas voltadas ao incentivo da participação de mulheres na política. No mês passado, representantes da bancada feminina do Congresso Nacional se reuniram com o presidente do TSE para cobrar uma campanha do tribunal. Depois do encontro, Marco Aurélio definiu que a Justiça Eleitoral, já nestas eleições, exibirá as propagandas voltadas à conscientização das mulheres quanto à importância de participarem da vida política.

Legislação

Apesar de a Lei Eleitoral estabelecer que os partidos ou coligações lancem um mínimo de 30% de mulheres no rol de seus candidatos, a realidade é bem diferente. A maior parte das legendas inscreve pessoas do sexo feminino que não têm pretensões políticas nem sequer fazem campanhas, mas saem candidatas apenas para que a sigla cumpra essa regra.

Os números mais recentes da Justiça Eleitoral, que mostram as mulheres como a maioria entre os recém-filiados a partidos, revelam uma situação inédita: esta é a primeira vez em que elas superaram os homens em relação à adesão a agremiações políticas. Nos últimos quatro anos, por exemplo, o percentual de filiações às siglas foi muito maior entre o público masculino (56% a 44%).

No geral, entretanto, os homens continuam a dominar as legendas – são 8,4 milhões filiados a partidos no Brasil, o que corresponde a 55% dos 15,2 milhões de pessoas que fazem parte de alguma sigla. Tal número é desproporcional à quantidade de eleitoras brasileiras, uma vez que as mulheres representam, atualmente, 51,7% do eleitorado no país.

“O gênero feminino hoje suplanta em número o gênero masculino, mas ainda há no Brasil o machismo. É hora de evoluirmos, de termos uma política mais equilibrada. Faremos uma campanha voltada à mulher para incentivar não só elas, como também para sensibilizar os caciques políticos que dominam os partidos, objetivando que observem a importância de uma maior participação feminina nas eleições”, disse ao Correio o ministro Marco Aurélio.

Atualmente, segundo dados da União Interparlamentar (IPU), o Brasil ocupa o 156º lugar em um ranking de 188 países pesquisados no quesito proporção de mulheres no Poder Legislativo. Nas eleições de 2010, entre os 513 deputados federais eleitos, apenas 44 eram mulheres. Já no Senado, que renovou 54 vagas, foram eleitas oito senadoras.

A bancada feminina do Congresso avalia que a campanha com o lema “Mulher, tome partido!”, veiculada em meios de comunicação oficiais do governo, colaboraram para que houvesse aumento no percentual de mulheres filiadas a partidos até 5 de outubro do ano passado. “A mulher não está presente (nas eleições) não porque não quer, mas porque não tem espaço. Além da discriminação que ela sofre nessa sociedade que ainda é machista, o direito dela não acompanhou o protagonismo que ela hoje exerce na sociedade”, destacou a senadora Vanessa Grazziotin.

No Rio de Janeiro, conforme reportagem do jornal O Globo, o Ministério Público concluiu que 1.429 candidatas nas eleições municipais de 2012 praticamente não tiveram voto nem gastaram durante a campanha.

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Memória: Lei é desrespeitada

Em vigor desde 2009, a regra que estabelece uma cota mínima por partido de 30% de mulheres como candidatas vem sendo descumprida a cada eleição. O Correio mostrou, em reportagem publicada em 25 de julho de 2010, que as legendas fazem um jogo intenso de cooptação de nomes para atingirem a cota. mulheres ouvidas pelo jornal à época confessaram ter sido convencidas pelas agremiações a se filiarem e lançarem candidatura, mesmo sendo pessoas que passaram toda a vida distantes da política.

A consequência da candidatura feminina apenas para “cumprir tabela” é o resultado nas urnas, que sempre mostram uma minoria de mulheres eleitas para os cargos proporcionais. Uma das candidatas ouvidas na reportagem confessou ter sido convencida por amigos do PSL a concorrer a uma vaga na Câmara Legislativa.

Mesmo recorrendo a manobras, a maior parte dos partidos não cumpriu a cota nas últimas eleições gerais, em 2010. No Distrito Federal, por exemplo, das 11 coligações ou partidos que disputaram o cargo de deputado federal, só três obedeceram a lei: PV, PCO e PSTU. Já na disputa para a Câmara Legislativa, a média de cumprimento da regra também foi baixa. Apenas seis dos 19 partidos alcançaram 30% de mulheres entre os candidatos. A realidade verificada na capital brasileira foi um retrato do resto do país. Nos três maiores colégios eleitorais, os partidos ficaram longe da meta. Em São Paulo, somente seis das 17 chapas que concorreram à Câmara dos Deputados cumpriram a norma.

 

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