A mídia trata de forma desigual homens e mulheres na cobertura das eleições. Candidaturas femininas aparecem no cenário político apenas para cumprir a cota mínima de 30%. As chamadas candidaturas “laranjas” – registradas apenas para aumentar o número de votos de uma coligação ou partido – não são recorrentes apenas entre as mulheres.
Esses e muitos outros assuntos foram debatidos na mesa Mídia e Eleições Estaduais: A cobertura das Candidaturas de Mulheres, que reuniu editores de política de três estados para falar de suas experiências na cobertura das eleições 2010.
Expositores/as
Leonardo Cavalcanti – editor de política do Correio Braziliense (Brasília/DF)
Lázaro Moraes – editor de política de O Liberal (Belém/PA)
Rosane de Oliveira – editora de política e colunista do Zero Hora (Porto Alegre/RS)
Debatedor: José Moroni – filósofo, diretor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
Coordenação: Isabel Clavelin – jornalista, assessora de comunicação do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem)
Mídia desvaloriza as candidatas
por Ismália Afonso*
A maioria das mulheres que concorrem às eleições é filha ou esposa de políticos. Boa parte das candidaturas femininas existe apenas para cumprir a cota mínima de 30% de mulheres entre candidatos inscritos. É com afirmações como essas que a imprensa costuma cobrir a participação de mulheres na disputa de cargos públicos. O que parece um simples recorte da realidade indica, na verdade, que a mídia trata de forma desigual homens e mulheres na cobertura das eleições.
Leonardo Cavalcanti, editor de política do Correio Braziliense, levou ao debate a reportagem “Elas entram para cumprir tabela”, editada por ele e publicada em 25 de julho. Segundo apuraram os repórteres Izabelle Torres e Diego Abreu, os partidos montam estratégias para convocar mulheres na tentativa de cumprir a legislação eleitoral dos 30%. Os dirigentes convidam amigas e parentes do sexo feminino para entrar na disputa eleitoral, mesmo que elas nem pensem em fazer campanhas.
Ao longo da matéria, foram apresentadas nove histórias de mulheres que cumprem o perfil desenhado ao longo do texto. Uma delas, Núbia Lima, bombeira militar, afirmou que foi convencida por amigos do PSL a encarar a disputa à Câmara Legislativa do Distrito Federal, mesmo sem nunca ter pensado em iniciar carreira política. Marineusa Galindo, outra entrevistada, declara que se candidatou para tentar dar força ao índice do partido dirigido por amigos. Depois do registro na justiça eleitoral, decidiu que não vai fazer campanha porque a política atrapalha a vida pessoal.
Só existem “laranjas” femininas?
Presente no evento Mídia e Mulheres na Política, Céli Pinto, professora de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, destacou que as chamadas candidaturas “laranjas” – registradas apenas para aumentar o número de votos de uma coligação ou partido – não são recorrentes apenas entre as mulheres. “A reportagem do Correio Braziliense, o jornal de maior tiragem da capital do país, não ouviu nenhuma fonte ou apresentou dados que tratassem dessa realidade também entre os candidatos do sexo masculino”, disparou. Se no caso das mulheres as candidaturas “laranjas” surgem para cumprir prioritariamente a cota dos 30%, entre os homens a ampliação artificial de candidaturas se dá com o objetivo de alcançar o coeficiente eleitoral.
Entrevistada na matéria do Correio Braziliense e presente ao seminário Mídia e Mulheres na Política, Fernanda Feitosa, consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), acredita que a forma com que a imprensa trata a candidatura das mulheres reforça a ideia da cultura patriarcal, de que o espaço público não é um espaço legítimo das mulheres.
A entrada das mulheres na cena política brasileira é recente. O voto feminino foi conquistado há menos de cem anos, em 24 de fevereiro de 1932. Até 1974, apenas uma ou duas mulheres se revezavam na Câmara dos Deputados. Somente em 1990, elegeu-se a primeira senadora, e, em 1994, a primeira governadora.
A percepção sobre a qual Fernanda Feitosa fala também se expressa na cobertura das administrações femininas. Editores de política dos jornais O Liberal e Zero Hora, Lázaro Moraes e Rosane Oliveira acompanharam de perto os mandatos de Ana Júlia Carepa, no Pará, e Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul. Ana Júlia Carepa registra 38% de avaliação ruim ou péssima de sua gestão, conforme o Ibope, em 28 de maio. Enquanto Yeda Crusius chega ao final dos quatro anos de administração com 36% de reprovação ao governo, segundo pesquisa do Datafolha, de 27 de julho.
“Quando um governo de uma mulher é ruim, ele é considerado pior do que se fosse o governo de um homem”, afirmou Lázaro Moraes. Para ele, depois de episódios de grande desgaste político para a atual governadora paraense, como o caso da menina presa numa cela com homens em Abaetetuba (PA), a impressão é a de que a mulher acaba por ser cooptada pelo sistema. E isso – diz ele – é explorado pelos adversários com o argumento de que uma administração feminina ruim apontaria para que todas as gestões de mulheres fossem negativas.
“Não há mal em ser de família de políticos; o importante é fazer por merecer”
“A mulher é alvo de preconceito machista que, muitas vezes, mascara a cobertura da imprensa. Isso ocorre especialmente onde há oligarquias comandadas por homens”, revelou, ao mencionar que muitas mulheres na disputa política na Região Norte foram trazidas para a carreira pelas mãos de maridos e pais, como é o caso de Roseana Sarney e Elcione Barbalho. Durante o debate, foi ressaltado que haver vários políticos em uma mesma família é uma tendência do país e que isso ocorre entre os candidatos homens com frequência.
A colunista do Zero Hora, Rosane de Oliveira, destacou algumas candidaturas femininas gaúchas, como Manuela D’ávlia, Maria do Rosário e Luciana Genro, que trilham carreiras sem vínculo familiar ou independente e em outro partido, como no caso da família Genro. “Eu não tenho nenhum preconceito em relação às origens da vida política das mulheres, se foi trazida pelo pai ou pelo marido. O importante é que, ao ocuparem um cargo público, elas também façam por merecê-lo”, afirmou. Sobre isso Rosane de Oliveira lembrou uma das campeãs de popularidade, a prefeita de Florianópolis, Ângela Amin. Curiosa sobre os índices alcançados por Amin na capital de Santa Catarina, Rosane levantou alguns depoimentos e detectou que a preocupação com os chamados “temas femininos”, como saúde das crianças e cuidado com a cidade, fazia a diferença. “Ela cuidava das coisas da vida prática”, mencionou.
Política é espaço de dois gêneros
Responsável por comentar as apresentações, o filósofo José Moroni apontou alternativas para a cobertura das mulheres na política. Ele reconheceu que é preciso continuar a discussão sobre as cotas de candidaturas, pois essa é uma forma de questionar a naturalização da política como espaço masculino. Moroni ressaltou também a necessidade de se avançar o olhar sobre a pauta dos mandatos das mulheres. Essa mudança – lembrou – é o cerne da luta feminista e um nó que precisa ser desatado para o processo de democratização brasileiro.
* Ismália Afonso é jornalista de Brasília/DF.
Realização: Instituto Patrícia Galvão
Parcerias: Andi, Fundação Carlos Chagas e TV Cultura
Apoio: Secretaria de Políticas para as Mulheres
Local: São Paulo/SP
Acesse a cobertura sobre as outras mesas do evento:
9h Abertura – Eleições 2010: A Presença das Mulheres
Expositores/as
Albertina de Oliveira Costa – socióloga, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e diretora do Instituto Patrícia Galvão
José Eustáquio Diniz Alves – demógrafo, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE / IBGE
Maria Betânia Ávila – socióloga, coordenadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
10h30 Mesa 1 – O Poder de Voto das Mulheres
Expositores/as
Fátima Pacheco Jordão – socióloga, especialista em pesquisa de opinião, assessora de pesquisa da TV Cultura e diretora do Instituto Patrícia Galvão
Gustavo Venturi – cientista político, professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Cristiana Lôbo – jornalista, comentarista política da Globo News
Debatedora: Taís Ladeira – jornalista, Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
Coordenação: Nilza Iraci – comunicadora social, Geledés – Instituto da Mulher Negra
11h30 debates
15h30 Mesa 3 – Mídia e Eleição Presidencial
Expositores/as
Claudia Belfort – editora-chefe, Jornal da Tarde (São Paulo)
Luiz Rila – jornalista e coordenador da cobertura política de eleições, O Estado de S. Paulo
Eliane Cantanhêde – colunista, Folha de S. Paulo
Debatedora: Céli Regina Jardim Pinto – cientista política, professora da UFRGS
Coordenação: Maria de Lourdes Rodrigues – socióloga, Instituto Patrícia Galvão
16h30 debates