Por que mulheres só chegam ao poder à sombra de uma figura masculina?

04 de novembro, 2016

Hillary Clinton pode se tornar presidente dos EUA mas ainda é vinculada ao passado do marido

(R7, 04/11/2016 – acesse no site de origem)

Em julho deste ano, a UIP (União Interparlamentar Internacional) divulgou o ranking da representatividade feminina na política mundial. Surpreendentemente, o Brasil ocupa a 155ª posição na lista, com um número pífio de 12% das cadeiras parlamentares ocupadas por mulheres. Mundialmente, o número não é muito diferente: em 2015, apenas 19 países eram governados por mulheres — número que caiu após o impeachment de Dilma Rousseff e o fim do mandato de Cristina Kirchner na Argentina.

Segundo a doutora em relações internacionais Manuela Miklos, as poucas mulheres que conseguiram um papel de poder foram ressaltadas por figuras masculinas muito fortes na política. Foi assim com Cristina Kirchner, esposa do ex-presidente da Argentina, o falecido Nestor Kirchner; é o caso, ainda, da presidente do Chile, Michelle Bachelet, que era filha do brigadeiro-general da Força Aérea do Chile e membro da coalizão partidária Unidade Popular, Alberto Bachelet. A candidata à presidência dos Estados Unidos Hillary Clinton também foi evidenciada pelo marido e ex-presidente do país, Bill Clinton; e, no Brasil, o exemplo é concretizado pela ex-presidente Dilma Rousseff que chegou ao poder devido ao total apoio do popular ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— Na maior parte dos casos, as mulheres que tentam ingressar na política sofrem com obstáculos tão insuperáveis que acabam desistindo. A Justiça Eleitoral no Brasil formalizou o acesso, temos cotas para as mulheres nas cadeiras legislativas, mas, na prática, elas não têm oportunidade de ascender como os políticos homens.

De acordo com a doutora em Administração Pública e Governo Lorena Barberia, apesar de não terem aumentado significativamente o número de mulheres em cargos políticos, as cotas ainda são essenciais para que elas consigam ser eleitas:

— Sistemas em que a seleção é burocrática e que apresentam regras para garantir a representação de mulheres são mais favoráveis à candidatura de mulheres. Por outro lado, sistemas cujas regras não são claras oferecem barreiras às mulheres, pois é mais difícil para elas conseguirem entrar no círculo interno de poder nos partidos.

Fatores 

O presidente do departamento de psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, Sérgio Tamai, afirmou que essa falta de espaço se dá à afetuosidade típica do comportamento feminino:

— Para a sociedade, a personalidade afetuosa e maternal na mulher é mais valorizada no ambiente privado do que no ambiente público propriamente dito. Isso porque para questões políticas, é necessário um representante mais racional.

No entanto, Manuela explicou que essa ideia é um retrato do papel que a sociedade brasileira quer dar à mulher, e que, em aldeias indígenas, por exemplo, são as mulheres as líderes das tribos. Uma vez dadas a elas espaço para liderarem, fazem isso com extrema competência, e até mesmo promovem um universo mais pacífico dentro das aldeias. Desta forma, não é a personalidade da mulher que a impede de ser política, mas o ínfimo espaço que recebem para exercer funções públicas.

— Vivemos em um mundo machista e sexista, e essa divisão de papeis ocorre desde a infância. O homem é socialmente talhado para a vida pública, para a política, enquanto a mulher cresce aprendendo a controlar a vida privada. Isso faz com que um papel feminino exercendo política não pareça natural. Quando mulheres ocupam um cargo de liderança são consideradas autoritárias pela sociedade, enquanto os homens são retratados como autoridade ponderada.

No artigo Por que elas são poucas, Lorena ainda afirma que as mulheres têm mais chances de ingressarem na política em partidos grandes e de esquerda: “Estudos apresentam evidências de que as mulheres têm mais chances de serem eleitas em partidos de grande porte e de esquerda. Isso porque partidos de esquerda investem mais nas candidatas, enquanto os partidos menores dão mais oportunidade a elas. Porém, os partidos de grande porte oferecem mais recursos e, portanto, elegem mais mulheres”.

Influência da mídia

A forma como a mídia apresenta políticas mulheres é um dos fatores que estimula essa visão estereotipada. Segundo a doutora em História Flávia Biroli, mulheres em altos cargos políticos são representadas sempre por aspectos comportamentais ou físicos. Flávia ressalta que são constantes as reportagens que não apenas analisam as vestimentas das mulheres políticas como também relacionam seus comportamentos ao período menstrual. Manuela explica:

— Um jornal ou um site de notícias não publica uma matéria criticando a vestimenta de um político homem. Serve também para comportamento. Durante 2015, quantas reportagens sobre a dieta da ex-presidente Dilma não foram publicadas?

De acordo com Manuela, no mundo corporativo, a desigualdade ainda é uma realidade: além de o salário das mulheres ser menor que o dos homens, elas precisam se adaptar diariamente a um ambiente essencialmente machista.

— Normalmente, as mulheres se veem sozinhas sempre que precisam superar obstáculos em um ambiente onde não têm espaço. Essa situação de opressão atinge a todas, mesmo indiretamente. Por exemplo, a licença à maternidade é muito maior do que a licença à paternidade na maioria das empresas. A desigualdade está nesses detalhes.

Manuela explica que a única forma de as mulheres mudarem isso, tanto no ambiente público como no privado, é entendendo que é uma batalha coletiva. Nas empresas, devem lutar para mudar a disparidade salarial e as licenças. Na política, precisam começar atuando em políticas públicas.

Os especialistas concordam que a maior parte de cargos designados a mulheres na política são secretarias ou ministérios voltados a questões sociais e ambientais. E isso se dá devido à ideia implícita de que a mulher não está apta a falar de assuntos densos como economia e segurança pública. Para Manuela, não existem políticas públicas femininas, mas sim políticas que valorizam os direitos de todos:

— A mulher tem grande capacidade de enfrentar desigualdades e garantir direitos em qualquer frente. Se a elas fosse concedido um espaço em questões de mobilidade urbana ou segurança pública — o que não existe — teriam uma visão ampla a ponto de identificar problemas e trazer soluções. Como nas tribos indígenas.

Talyta Vespa

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