Rubby da Silva Rodrigues, de 30 anos, foi empossada como servidora do Ministério Público do Acre (MP-AC). Procurador diz que ato faz parte de uma ‘transformação social’.
(G1, 05/08/2017 – acesse no site de origem)
O preconceito nunca foi um fator que fez com que Rubby da Silva Rodrigues se intimidasse. Aos 30 anos, o nome que antes usava como social, passa a constar nos documentos pessoais e também no quadro de servidores do Ministério Público do Acre (MP-AC) desde o dia 26 de julho, quando foi empossada a primeira servidora transexual do órgão.
Surpreendida com o convite, Rubby prefere chamar o ato como uma revolução, transformação dentro da sociedade e, claro, uma luta contra o preconceito. “É uma forma de mostrar que a gente estará lá para acolher. Por isso que essa atitude, que foi inesperada, se torna um grande protagonismo do MP-AC, uma novidade na história. É uma revolução”, diz.
Acolhimento tem tudo a ver com o que Rubby vai desenvolver dentro do Centro de Atendimento à Vítima (CAV), que atende pessoas maiores de 18 anos, vítimas de crimes sexuais, homofóbicos, violência doméstica e familiar.
Foi nesse mesmo centro que há quase um ano Rubby foi acolhida após ser agredida pelo ex-namorado. Ela chegou a levar oito pontos na cabeça e levantou a importância do uso do nome social em setores públicos após ter passado constrangimento durante atendimento na unidade de saúde.
“O nome social é uma necessidade, porque quando você traz dignidade para uma pessoa, você está abrindo uma porta, uma nova possibilidade. É por isso que sugeri que não haja somente a assinatura de decretos, defendo uma capacitação, porque vai partir da sensibilidade do servidor olhar para mim, me ver como mulher e me perguntar qual o nome que quero ser chamada”, explica.
A servidora se refere aos decretos publicados pela Prefeitura de Rio Branco e também governo do Acre, que determinaram a permissão do uso do nome social a pessoas trans e travestis no âmbito da administração estadual e municipal. A medida foi incentivada após o próprio MP-AC, no dia 12 de julho, determinar que todas as pessoas que não tenham identidade de gênero reconhecida sejam identificadas pelo nome social.
Rubby destaca que essa é uma forma de combater o preconceito e mostrar que a capacidade profissional é indiferente a credo, gênero e raça. Pois, segundo ela, as mulheres trans e travestis não possuem espaço sequer dentro do mercado de capacitação.
“Existe discriminação na escola e dentro da família. Nunca tive problema com a minha família, que sempre me deu apoio, mas outras famílias expulsam, batem, oprimem e a sociedade não entende o porquê de muitas travestis e trans acabarem nas ruas. Mas todo dia é uma batalha, pois na rua elas encontram o vício das drogas e a marginalização”, pontua.
A contratação da primeira mulher transexual no MP-AC quebra tabus e mostra que outras mulheres trans e travestis podem ser reconhecidas pela sua capacidade funcional dentro de qualquer segmento do mercado de trabalho.
Filha de uma família humilde e sem condições de pagar um ensino superior particular, Rubby conta que ainda muito nova recebeu muitos “nãos” ao tentar conseguir um emprego. Atualmente, ela está cursando Gestão de Recursos Humanos em uma faculdade particular.
“Todas as lojas de departamento jamais aceitariam uma mulher transexual, nem mesmo para um cargo de vendedora, que não exige experiência. A pessoa não tem coragem de colocar uma trans para trabalhar, porque acha que vai sujar a imagem da sua empresa”, relata.
Rio Branco comemora nesta semana a XI Semana Acreana da Diversidade com o slogan “Não é festa, é revolução”, que vai ser finalizada neste domingo (6) com a Parada do Orgulho LGBT. Rubby diz que o ato do MP é uma revolução e um marco na história. Segundo o órgão, a decisão é inédita em todas as unidades do Brasil.
“Estou sendo um instrumento para outras vidas que podem ser resgatadas. A pessoa pode ser o que quiser, mas, a partir do momento em que aparece outro caminho para seguir, vamos ter escolha. O caminho para as trans e travestis antes era um só: da prostituição, drogas e vida fácil. A pessoa não tem um apoio dentro de casa e vai procurar na rua”, destaca.
‘Minha mãe segurou minha mão’
Rubby sempre teve o apoio da família. Aos 18 anos começou a tomar hormônio e se identificou como mulher após passar por um período de confusão, até entender a questão de gênero. Além disso, ela foi destaque por 12 anos dentro de uma empresa de cosméticos que a aceitou com o nome social e apostou na sua capacidade de liderança.
“A base principal é o apoio familiar. Minha mãe sempre cuidou muito de mim, sempre teve sensibilidade, se preocupava com o que eu fazia e deixava de fazer. Quando procurei o mercado de trabalho, ele se fechou para mim. A venda autônoma foi uma forma que consegui para me destacar. A Natura me contratou e assumiu minha identidade de gênero, de forma pioneira dentro da empresa, tanto que desenvolvi um trabalho de liderança lá dentro”, relembra.
Após 12 anos no ramo de cosméticos, Rubby se prepara para um novo desafio de acolher da mesma forma que foi acolhida. Ela vai lidar com vítimas de violência e agressão e deve usar sua experiência para mudar a vida de outras pessoas.
“Deus me mostrou um caminho novo que eu preciso trilhar, tanto que, quando aconteceu, foi surpreendente. Foi uma reviravolta”, complementa.
‘Transformação social’, diz procurador do MP-AC
O procurador-geral de Justiça, Oswaldo D’Albuquerque, destacou que essa mudança na sociedade devia partir do MP-AC, já que é o responsável por garantir a igualdade, respeito e que todos sejam tratados igualmente perante a lei independentemente de credo e sexo.
“A contratação da Rubby é um ato simbólico, mas atende também evidentemente ao seu currículo de trabalho. Aliamos a competência profissional dela com a defesa que estamos fazendo do respeito à igualdade e dignidade. Me sinto contente de fazer parte dessa verdadeira transformação social. Vivemos em um mundo de total intolerância à diversidade, falta de respeito à opinião contrária. O que estamos pregando é a tolerância, respeito, dignidade e igualdade”, enfatiza.
Ele destaca ainda que a medida não é uma forma de privilégio, mas sim de mostrar que qualquer pessoa, independente de sua crença, cor e gênero, é igual e pode desenvolver trabalhos, ocupando cargos de relevância para a sociedade.
“Sendo o MP a instituição que tem por missão primordial constitucional a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses individuais e sociais disponíveis, seria ela a instituição a primeira a dar um exemplo concreto de respeito e igualdade. E esse foi um ato concreto com a contratação da Rubby”, destaca.
D’Albuquerque vai além e diz que a questão do preconceito que limita o espaço para as transsexuais e travestis precisa ser repensado e, principalmente, mudado, uma vez que é necessário tolerância e respeito ao próximo.
“O que essa contratação passa é justamente o respeito à igualdade. Demonstração clara da capacidade profissional que qualquer pessoa pode ter independente de suas opções religiosas, de seu gênero ou raça. O principal é que todos podem contribuir para um mundo de paz e boas relações. Para um mundo em que verdadeiramente o amor supere o ódio”, finaliza.
Tácita Muniz