(O Globo, 18/08/2016) Entre os candidatos predominam os homens, brancos, casados, com níveis superior e médio de escolaridade
Peço desculpas por dar um pause na festa olímpica, interromper a micareta esportiva. Não era a intenção original, mas a vida real, essa inimiga da alegria, se impôs em plena temporada dos Jogos e, sorrateiramente, pôs em campo a corrida municipal de 2016. Senhoras e senhores, não trago boas novas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou avisar que, na disputa pelas mais de cinco mil prefeituras e câmaras municipais deste país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza, teremos os candidatos de sempre. Entre os quase 500 mil postulantes aos cargos de prefeito e vereador predominam os homens, brancos, casados, com níveis superior e médio de escolaridade.
Nem as manifestações de 2013 nem o ambiente de instabilidade política que se arrasta há um par de anos foram suficientes para fazer ruir a tão monótona quanto rígida estrutura de representação que caracteriza o país. Sete em cada dez (69%) candidatos às eleições de 2016 são homens, embora mais da metade da população nacional seja formada por mulheres, também maioria (52%) do eleitorado. Do total, 53% autodeclaram-se brancos — na população, essa é a proporção dos pretos e pardos. Perto de 40% têm entre 40 e 59 anos de idade.
O perfil das candidaturas sugere que nada ou muito pouco mudará na representação política das cidades brasileiras a partir de 2017. Quatro anos atrás, o desenho final dos eleitos repetiu o esboço dos registros no TSE. Levantamento do site G1 após o primeiro turno das eleições revelou que os prefeitos vitoriosos, até então, para a gestão 2013-16 eram homens, casados, com 48 anos de idade média e formação superior. Nas câmaras municipais, segundo o Ibope, apenas 13,3% dos 7.655 vereadores eleitos eram mulheres.
Na corrida eleitoral de 2014, a Transparência Brasil publicou estudo explicando a desigualdade na representação política do Legislativo federal. O financiamento concentrado em campanhas de homens e brancos — eles ficaram com 82% das doações feitas por empresas, em detrimento de mulheres e negros — e a ligação com famílias tradicionais da política foram determinantes para a falta de diversidade entre parlamentares. Na Câmara, 80% dos deputados se autodeclaravam brancos; 72% eram homens; e 49%, filho, neto, cônjuge, irmão ou sobrinho de velhos políticos. Nas cidades, o cenário não é diferente.
Se o padrão das candidaturas não mudou, o que pode fazer diferença desta vez são o perfil e o posicionamento do eleitorado. Dos 144,088 milhões de brasileiros aptos a votar, quase 75 milhões são mulheres e 27% têm menos de 29 anos — são jovens, portanto. A participação dos dois grupos no debate pode influenciar tanto no rol de compromissos dos candidatos quanto na composição dos eleitos.
Na semana passada, em São Paulo, o Instituto Patrícia Galvão organizou o seminário “Desafios para a igualdade de gênero e raça nas eleições municipais de 2016”. Representantes de três instituições (Ibope, Datafolha e Locomotiva Pesquisa & Estratégia) apresentaram estudos sobre posições políticas das mulheres brasileiras. Todos citaram o eleitorado feminino como o mais crítico e insatisfeito com a política atual. No levantamento do Locomotiva, de Renato Meirelles, ex-Data Popular, dois terços das brasileiras acham que o país está no rumo errado; 66% avaliam como ruim ou péssima a saúde pública; 55%, os transportes; 50%, a educação. Detalhe: de 80% a 95% delas são usuárias de serviços públicos — ou seja, sabem do que falam.
Seis em cada dez acham que pagam imposto demais, mas 82% preferem serviços públicos melhores a carga tributária menor. Varia de 73% a 92% a proporção de mulheres que defendem ensino superior, remédios, creches, ensino básico e saúde integralmente pagos pelo governo. Defendem, portanto, serviço público universal e gratuito. Os dados do Locomotiva mostram ainda que 86% delas não se sentem representadas por nenhum político.
Na pesquisa Datafolha, mulheres aparecem mais pessimistas que os homens em relação a inflação (64% contra 55%), desemprego (63% a 57%) e poder de compra (55% a 50%). Também são explícitas em apontar a estrutura desigual da sociedade: 56% (contra 65% deles) acham que há igualdade de direitos no país; 48% veem oportunidades equânimes no mercado de trabalho (entre eles, a proporção vai a 57%).
Nos dados do Ibope, 67% das mulheres estão entre incrédulas e apáticas sobre o desfecho de 2016; 36% são pessimistas com o país; e 78% acreditam que o Brasil sairá do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, igual ou ainda menos honesto. Quase metade do eleitorado feminino (47%) avalia de forma negativa o desempenho do prefeito da cidade onde vivem. No topo da agenda, estão a melhora nos serviços de saúde e educação e o combate ao desemprego e à violência. Os velhos candidatos vão ter trabalho.
Acesse o PDF: Velha política, por Flávia Oliveira (O Globo, 18/08/2016)