Protagonismo de mulheres levanta questão sobre ‘jeito feminino’ de fazer política

11 de abril, 2019

Para cientista política, ideia é “estigmatizante” e “age contra as mulheres”. “É ‘sexismo benevolente’.”

(HuffPost Brasil, 11/04/2019 – acesse no site de origem)

Nos últimos meses, o protagonismo de mulheres na política, seja quebrando tradições como na eleição da primeira presidente da Eslováquia – Zuzana Caputová foi eleita em 31 de março -, ou liderando seus países em momentos de crise, como Theresa May, no Reino Unido, e Jacinda Ardern, na Nova Zelândia, atraíram os holofotes de todo o mundo.

A ideia de que seria possível identificar um “jeito feminino” de fazer política, no entanto, está longe de ser uma unanimidade.

“Eu acho que esse movimento [de mulheres na política] é sempre crescente. Mas eu detesto a acepção de que existe um ‘jeito feminino’ de fazer política”, disse Débora Thomé, cientista política e uma das autoras do livro Mulheres e poder – Histórias, ideias e indicadores, ao HuffPost Brasil.

Segundo Thomé, algumas pesquisas essencializam o fato de que, se uma mulher está à frente, há a necessidade de fazer uma política mais “feminina”. Desta forma, quando eleitas, as mulheres fariam o campo da política mais idôneo e ético e teriam, portanto, mais “pureza” para “limpar o jogo sujo” feito pelos homens.

“Política é uma coisa muito mais complexa. Existem mil jeitos de governar. Uma mulher agindo só com base nisso também pode ser vista como fraca. O ponto é: não há evidências de que países que elegem mais mulheres têm menos corrupção. Mas também não há evidências para afirmarmos o oposto.”

Além de Ardern, que teve de responder de forma firme a um recente massacre em mesquitas na Nova Zelândia; e May, que enfrenta um dos momentos recentes mais complicados da política britânica, com o impasse sobre o Brexit;  Angela Merkel é exemplo de uma liderança forte na Alemanha, que já se estende por 13 anos. Na África, a Etiópia elegeu Sahle-Work Zewde, sua primeira presidente, no fim de 2018.

Jacinda Ardern, primeira ministra da Nova Zelândia, em visita recente à

Jacinda Ardern, primeira ministra da Nova Zelândia, em visita recente à China. (Foto: Jackson Lee/Reuters)

Nos Estados Unidos, apesar de o protagonismo não ter chegado ainda à Casa Branca nas últimas eleições, as mulheres têm se destacado nos embates no Congresso, como é o caso das democratas Nancy Pelosi e Alexandria Ocasio-Cortez. Recentemente, a cidade de Chicago elegeu Lori Lightfoot, sua 1ª prefeita mulher, lésbica e negra.

No Brasil, as eleições trouxeram o maior número de deputadas mulheres para o Congresso Nacional. Foram eleitas 77 parlamentares do total de 513, de acordo com dados finais da Justiça Eleitoral. Em 2014, eram 51. O número da última eleição representa crescimento de mais de 50% em relação à anterior.

Já no Senado, 7 representantes femininas tiveram vitória nas urnas. É o mesmo número de eleitas em 2010, última eleição para duas vagas na Casa. Em 2014, onde cada estado tinha uma vaga na disputa, outras 5 ganharam o pleito.

Eu acho que a gente não tem evidências para dizer que existe um ‘estilo feminino’ de governar.

Débora Thomé, cientista política

A cientista política Débora Thomé diz não acreditar no que chama de “generificação do poder” e que isso é uma forma de estigmatização que age contra as mulheres. Por outro lado, acredita que elas podem estar mais atentas a outros temas que homens não estão, justamente “pela forma como são socializadas”.

“Eu não acredito nessa ‘generificação’ do poder. Eu acho que é uma forma estigmatizante e que essa ideia age contra as mulheres. Isso é ‘sexismo benevolente’”, diz.

O “sexismo benevolente” ao qual Thomé se refere, é um termo criado pelos psicólogos norte-americanos Peter Glick e Susan Fiske em um estudo publicado em 1996, que explica as consequências que “uma atitude paternalista em relação às mulheres que as idealiza afetivamente” pode ter.

“Eu acho que a gente não tem evidências para dizer que existe um ‘estilo feminino’ de governar. Eu acho que a gente tem barreiras que impedem as mulheres de chegar aos cargos de poder. Não apareceram Tabatas e Ocasios-Cortez antes porque não havia esse espaço. Agora há. E existem pautas que são caras às mulheres. Como, por exemplo, a pauta da creche.”

Para explicar, a pesquisadora cita o estudo publicado em 2017 pela London School of Economics (LSE) “Cotas de gênero e a crise do homem medíocre: teoria e evidência”, que afirma que a presença de mais mulheres na política aumenta a representação não só por causa das mulheres – mas porque a formação de novos grupos competitivos mexe com a estrutura política e, de certa forma, fortalece a democracia.

Nesse contexto, Thomé acredita que o “o ideal é ter mais mulheres dentro do governo”, por que isso trará “novas características” para a política que é feita.

“Elas estão conseguindo chegar lá de alguma forma. São pessoas que estão alijadas do poder ainda que tenham condições de estar lá. É mais sobre pensar como aumentar essa representatividade, do que se existe ‘jeito feminino’.”

Ter mais ‘representação’ faz diferença para as mulheres?

Um dos efeitos de ter um número significativo de mulheres tanto em altos cargos de comando político ou no parlamento ― tanto no Brasil quanto em outros países ― é “incentivar outras mulheres” a participarem de processos decisórios e também refutar a tradicional ideia de que “mulheres ainda são ‘inapropriadas’ ou ‘incapazes’” para pertencerem à política.

Esta é a análise da cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, diretora da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política) e professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos).

“No Brasil a gente tem 15% das cadeiras da Câmara representadas por mulheres. Esse número é alto se comparado a outros países emergentes, mas ainda é muito baixo para o Brasil. Temos que buscar quais são as razões disso”, aponta. “Quanto maior a desigualdade, menor é a possibilidade de ter mais mulheres em ambientes de decisão política.”

Atualmente, o Brasil fica atrás de dezenas de países quanto à presença de mulheres na política. Está na 115ª posição no ranking mundial de representatividade feminina no Parlamento dentre os 138 países analisados pelo Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), com base no banco de dados do Banco Mundial (Bird) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Quanto maior a desigualdade, menor é a possibilidade de a gente colocar mais mulheres em ambientes de decisão política.

Maria do Socorro Sousa Braga, diretora da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política) e professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos)

“Quando existem mulheres eleitas em governos parlamentaristas ou até presidencialistas, você está dizendo que mulheres são tão capazes quanto homens. Não existem cargos políticos ‘masculinos’”, afirma. “Isso também mostra para a sociedade que ideias tradicionalistas que colocam mulheres como ‘inapropriadas’ ou ‘incapazes’ são equivocados.”

Para a especialista, o resultado da eleição que elevou a representação das mulheres no Congresso também é fruto de um movimento que “extrapolou a arena político-partidária”.

“As mulheres vêm em uma crescente, se tornando atores fundamentais no processo de ampliação e democratização de espaços de poder, seja ele qual for, desde empresas até movimentos sociais. Essa crescente é algo que pode mudar a mentalidade de lideranças, que hoje ainda são muito machistas.”

O caminho para um parlamento equânime

Denilde Holzhacker, doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), aponta que, como no Brasil as mulheres ainda estão entrando na política de forma gradual, o “sexismo benevolente” se faz presente de forma geral.

“De fato, em países como Índia e Brasil, as mulheres ainda precisam lembrar seus colegas de parlamento todos os dias que, sim, elas têm tanta capacidade quanto eles de estarem lá. E isso reforça essa ideia de ‘benevolência’”, afirma. “Agora existe um ambiente com mais mulheres. E isso é bom porque significa que elas podem ser donas da própria história e das próprias opiniões.”

A especialista aponta que, além deste “lembrete”, é importante ressaltar que hoje, especificamente no Brasil, existe uma “nova geração de mulheres na política trazendo bandeiras diferentes do que havia antes”.

“Hoje a gente tem uma nova visão do que é política e que algumas mulheres conseguem expressar de forma clara, trazendo outras bandeiras. Mas também existe um erro em achar que todas trazem pautas feministas. Não é assim.”

Holzhacker destaca que um debate que pode colocar em risco hoje a inserção de mais mulheres na política são as chamadas “candidaturas-laranja”.

Após denúncias sobre partidos terem usado, na eleição de 2018, “candidaturas-fantasmas” de mulheres para atingir o percentual mínimo de candidatas, dois projetos foram apresentados na Câmara com a intenção de acabar com a cota de 30% do Fundo Eleitoral para essas candidaturas.

“A gente precisa ter um outro debate sobre essas mulheres e a participação delas. É extremamente equivocado apresentar projetos para acabar com os 30%. É preciso discutir isso de outra forma. Por que, ao invés de se debater como aperfeiçoar esse instrumento, pretende-se acabar com ele?”

Andréa Martinelli

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