Iranduba leva 25.371 torcedores à Arena da Amazônia e supera público de 86 dos 100 jogos da Série A do futebol masculino em 2017
(El País, 30/06/2017 – acesse no site de origem)
Entre os principais argumentos utilizados por aqueles que tentam explicar os investimentos no futebol masculino imensamente maiores aos do feminino está a falta de interesse do público. Se a realidade ainda não passou por uma significativa mudança em todo país, ao menos no Amazonas o cenário é diferente. O Iranduba, clube da região metropolitana de Manaus, levou, nesta quinta-feira, 25.371 torcedores à Arena da Amazônia, para ver a vitória do Santos por 2 x 1, no jogo de ida das semifinais do Campeonato Brasileiro Feminino. Foi o recorde de público da história da competição.
“Já joguei em outros estados. Acredito que nós somos o único time que consegue fazer isso no país. É difícil para outras equipes colocarem 500 ou 1.000 pessoas. Imagine, então, o que o povo de Manaus tem feito”, afirmou Djenifer Becker, capitã do Iranduba, ao EL PAÍS. A marca é tão expressiva que, além de superar todos os times femininos do país, chegou a um patamar inesperado e deixou para trás 43 dos 60 clubes das séries A, B e C na temporada. Entre eles, por exemplo, Vasco (21.895), Atlético-MG (22.284), Chapecoense (19.005) e Sport (23.065). Ou seja, apenas 17 times de futebol masculino do país conseguiram um público maior que 25.371 pessoas em 2017. “É um privilégio nosso de jogar nessa equipe. Tenho certeza que até as jogadoras de outros times ficam feliz de vir para cá. É um ambiente muito diferente”, diz ela. Detalhe importante sobre a marca alcançada sobre o Incrível Hulk, como é conhecido o time alviverde, é que o recorde anterior do Brasileiro Feminino foi do próprio Iranduba, nas quartas de final desta edição do campeonato, na semana passada: 15.107 pessoas estiveram na Arena para ver o time eliminar o Flamengo e avançar às semis.
Fabrício Lima, secretário de esportes do Amazonas, pontua alguns aspectos importantes para essa evolução da modalidade na cidade. “Elas (atletas do Iranduba) resgataram a nossa autoestima no futebol. Não tínhamos um clube na elite do futebol masculino há décadas (Nacional-AM foi o último a estar na primeira divisão, em 1986), e, desde a construção da Arena, muito se falava em ser um elefante branco, em não ter uso. Nos tornamos a capital da modalidade no país. Elas ocuparam essa lacuna com brilhantismo”, explica. “Estamos apoiando o Iranduba e o futebol feminino como podemos. As rendas da Arena, por exemplo, vão todas para o clube, para apoiá-los nessa trajetória. As meninas têm bolsas de estudo para fazer faculdade por aqui. É um trabalho a longo prazo, que, se bem feito, terá bons frutos.”
Arena da Amazônia em uma noite inesquecível. Aqui tem torcida, aqui tem futebol! pic.twitter.com/u2m9mKWxpz
— Iranduba (@irandubaAM) 30 de junho de 2017
Sérgio Duarte, técnico do Iranduba, tem opinião parecida com a de Fabrício, e acredita que “o futebol feminino é o carro-chefe do futebol amazonense. Há muito tempo não vemos um time masculino com destaque no Brasil, e agora temos o Iranduba, que está indo muito bem, então é uma soma de fatores”. A capitã Djeni completa: “O povo daqui é apaixonado por esportes e futebol, e andava carente disso.” As opiniões de Djeni e Sérgio ganham sustentação com o atual patamar do futebol masculino do Amazonas, já que os clubes do estado com melhor situação estão na Série D, correspondente à quarta divisão em âmbito nacional.
A receptividade dos manauaras com o futebol feminino não se restringe ao Iranduba. Desde que Emily Lima assumiu o comando da seleção feminina, no fim do ano passado, cinco das sete partidas disputadas pela equipe canarinho foram na Arena da Amazônia: quatro em dezembro, pelo Torneio Internacional (Itália, duas vezes, Rússia e Costa Rica) de Futebol Feminino, vencido pelo Brasil, e um amistoso contra a Bolívia, em abril. A nova treinadora entende que aproximar a escrete nacional do público brasileiro terá boas consequências no futuro.
Recentemente convocada por Emily, Djeni entende que a situação da modalidade no cenário nacional ainda não está perto do ideal. “Eu queria ver esse apoio em outras cidades. Aqui, conseguimos bons públicos, mesmo cobrando pelo ingresso (a média de preço da semifinal foi de 20 reais). Na maioria dos outros estádios, a entrada é franca e o público é baixíssimo. Tem que se pensar em algo. Eu, por exemplo, adoraria que o time feminino do Corinthians abrisse as partidas do masculino. O público deles é grande, e isso podia aproximá-lo do futebol feminino também. O mesmo vale para outros grandes, como o Flamengo, o Grêmio e o Santos”, considera. Para o ex-jogador e agora técnico Sérgio, “se as pessoas em todo o país abraçassem a modalidade como fez a população de Manaus, evoluiria mais rápido. Se tivesse um mecanismo e projetos voltados para o futebol feminino alavancar de uma vez, um dos pontos principais tinha que ser motivar o torcedor.”
Assim como Sérgio Duarte, Fabrício também jogou futebol entre a década de 90 e o início dos anos 2000. A carreira como atleta possui um valor emocional imensurável para sua atual função. “Quando criança, vi alguns jogos do Nacional com estádio lotado. Esperava ser jogador e atuar para muita gente, mas, quando me profissionalizei, o time já estava nas divisões inferiores, e ninguém mais acompanhava. Coloquei como uma meta minha que faria o que pudesse para que, um dia, alguém pudesse jogar num estádio lotado dentro do Amazonas. Agora, as meninas estão conseguindo. Me emociono ao ver isso”, conta o secretário de esportes do estado, que acredita que o impacto causado pelo Iranduba gerará frutos para as próximas gerações: “Aqui, o exemplo das meninas não é Messi, Beckham ou qualquer outro jogador. O sonho delas é ser Djeni, Kamilla, Glaucia.”
Guilherme Padin