O app é gratuito e permite que usuárias enviem mensagem a uma rede de confiança quando se sentirem em risco; iniciativa também visa mapear áreas das cidades onde percepção de insegurança é maior
O que um aplicativo pode fazer por mulheres que se sentem inseguras ao andarem sozinhas pelas cidades? A Gênero e Número, iniciativa independente de jornalismo de dados com foco em gênero, lança hoje o aplicativo Braços Dados para oferecer às usuárias um serviço de envio de mensagem de urgência a uma rede de cinco pessoas previamente cadastradas. Ao acionar um botão, os contatos pré-selecionados recebem um alerta com a localização da usuária.
O app gratuito – disponível para sistema Android na Play Store – foi desenvolvido para atender a um amplo público que diariamente tem sua mobilidade impactada pela percepção de insegurança. Pesquisas sobre assédio e violência sexual feitas por diferentes institutos e organizações mostram que o espaço público ainda é hostil às mulheres. Em São Paulo, 35% delas já foram assediadas no transporte público, segundo levantamento do Datafolha 2015. A rua vem em seguida como espaço de assédio mais constante: 33% disseram já ter sofrido algum tipo de intimidação ou violência com conotação sexual como pedestre. Os dados não são exclusividade da maior cidade do Brasil. Em levantamento da Ong ActionAid realizado com 503 mulheres de quatro capitais brasileiras, o assédio também é percebido e faz pelo menos 86% delas mudar sua rotina de alguma forma, como alterar o caminho (55%), evitar áreas mal iluminadas (52%), solicitar a companhia de outras pessoas (44%) e até desistir de ir a lugares (18%).
A expectativa é que o Braços Dados, além de um serviço para as mulheres – que são maioria no uso de transporte público e fazem a maior parte dos seus deslocamentos a pé -, também seja um aliado para mapear espaços e situações onde elas se sentem em risco. Ao acionar a rede de segurança, a usuária registra sua localização, e depois pode precisar o tipo de situação que a levou a se sentir insegura. “Com o aplicativo, ao mesmo tempo em que as usuárias acionam uma rede para acompanhar se elas vão chegar bem ao seu destino, o registro desse momento de insegurança se torna um dado sobre a percepção da mulher no espaço público. As próprias usuárias podem dar mais detalhes da situação que as levou a recorrer à rede: atravessar uma rua erma, ir do ônibus à porta de casa em uma rua mal iluminada, estar em um vagão vazio com um desconhecido suspeito. A longo prazo, esse levantamento subsidiará ações para tornar o espaço público mais amigável às mulheres”, afirma Natália Mazotte, diretora de Dados da Gênero e Número.
Por dentro do mapeamento
Braços Dados coleta dados anonimizados e agregados das usuárias, o que significa que toda informação coletada não traz identificações pessoais. Nós coletamos informações gerais, tais como situações em que as usuárias se sentiram inseguras e regiões em que a rede de segurança foi acionada mais vezes. Esses levantamentos vão compor um banco de dados sobre a percepção de insegurança de mulheres no espaço público, cujo objetivo é promover debates mais informados e direcionar políticas públicas de planejamento urbano com recortes de gênero. Os dados não serão vendidos, transmitidos a terceiros ou utilizados para qualquer tipo de promoção comercial.
O registro no aplicativo requer nome e e-mail, além de gênero e cidade. Mas esses dados serão não serão desagregados nas análises. A Gênero e Número tem a transparência e abertura de dados como premissa, mas sempre considerando a privacidade como um direito fundamental a ser preservado.
Sobre a Gênero e Número e o debate sobre acesso à cidade
A Gênero e Número é uma startup de jornalismo com foco em questões de gênero e em dados abertos. Produz conteúdos e ferramentas que possam dar suporte ao debate, qualificá-lo e expandi-lo, inclusive para além dos públicos já iniciados nas discussões sobre equidade de gênero. No trabalho do dia a dia, entre tantos temas que a equipe acompanha e monitora, observa-se como o assédio e a violência com conotação sexual a mulheres em espaços públicos não são tratados com prioridade pelo poder público. Os argumentos dos gestores ou políticos tendem sempre a colocar a violência em gradação, minimizando as consequências do assédio. Sequer há dados abrangentes, produzidos por órgãos governamentais, que tratem dos impactos da percepção de violência de gênero pelas mulheres no espaço público. Entretanto, há um entendimento, por organizações da sociedade civil sensíveis ao tema, da relevância do assunto, o qual tem relação direta com a mobilidade das mulheres, 51,4% da população brasileira.
Giulliana Bianconi