80% das pessoas que foram deslocadas por causa de desastres e mudanças do clima são mulheres e esse é só um exemplo sobre como clima e gênero estão interligados
Recentemente, participei de um seminário online com mulheres amazônidas para debater sobre como as mudanças climáticas impactam a vida das mulheres da Amazônia. Todos estamos sofrendo os efeitos dessas mudanças, seja através da estiagem, do desmatamento e das queimadas. Os rios voadores já levaram a fumaça para fora das “bolhas” Amazônia e Pantanal, agora outros estados do país estão sofrendo. Agora é real.
Sim, todos estamos sofrendo os efeitos, mas há quem esteja sofrendo ainda mais: as mulheres. Em 2021, a ONU Mulheres divulgou que 80% das pessoas que foram deslocadas por causa de desastres e mudanças do clima são mulheres. De acordo com o levantamento, “clima e gênero estão intimamente interligados”.
Sempre ressalto pelos lugares que vou que o momento atual já não é mais para se discutir mitigação, mas a adaptação às mudanças climáticas. Todos precisaremos nos ajustar diante das catástrofes que têm assolado nosso planeta. Todavia, essa adaptação começa nas decisões tomadas por quem detém o poder, que muitas das vezes não inclui aqueles que mais sofrem: as populações tradicionais, indígenas, quilombolas, entre tantas pessoas que têm sua casa na floresta.
Em 2024, o Amazonas já está próximo de ultrapassar recordes em relação à estiagem do ano anterior, bem como as queimadas. No dia 30 de setembro, o Rio Negro estava medindo 13,19 metros, faltando menos de 0,50 centímetros para bater o recorde histórico de 2023, 12,70 metros. Nesse mesmo dia, em 2024, o nível era de 15,66 metros, ou seja, cerca de 2 centímetros de diferença. Da mesma forma, os rios Madeira e Amazonas seguem em situação crítica. O que nos aguarda nos próximos anos?
Quando se fala em adaptação climática, quem são as primeiras pessoas que pensamos em priorizar? Idosos e crianças. Qual é o gênero de maior predominância e suscetível a essas mudanças? As mulheres. Conforme dados citados acima. Elas são as primeiras a terem que se deslocar e adaptar. Arrisco dizer, pelos seguintes fatos:
- Afazeres domésticos;
- Responsabilidades sobre filhos;
- Sobrecarga emocional e física;
- Gravidez e amamentação;
No contexto ribeirinho, indígena, quilombola e demais populações tradicionais, na Amazônia, as mulheres são as responsáveis, em sua maioria, por quem “cuida da casa”, e não estou falando no contexto de que é dever/obrigação da mulher fazer isso, certo? Estou falando do que vemos nas comunidades. São elas quem realizam jornada dupla todos os dias. Elas quem cuidam dos filhos, dos afazeres domésticos e que precisam se desdobrar para entreter as crianças, especialmente quando as aulas são suspensas devido à falta de rio para navegar e os filhos ficam o dia todo em casa.
Na minha observação, os impactos giram em todo do social, econômico e saúde. Na saúde física, pelo trabalho braçal que muitas realizam ao carregar água de cacimbas ou direto da beira do rio, o que no contexto da seca se torna ainda mais desafiador, e com o advento da fumaça, o quadro só complica.
No emocional, a preocupação com a falta de alimentos, água potável e isolamento social também é um fator que intensifica e causa abalo. Esse isolamento influencia na geração de renda e na socialização, que consequentemente traz uma ansiedade pelo medo da falta de alimentos.
Há uma sinergia entre comunitários e os elementos naturais que não pode ser ignorada. Acho que é importante levar em consideração, nas tomadas de decisões, os saberes deles. A desigualdade de gênero também contribui para que as mulheres sejam as primeiras a sentirem o impacto desses problemas, porque não estamos, em maioria, decidindo. De forma paradoxal, nas estatísticas, nosso país é majoritariamente feminino.