As novas leis de compliance condominial e o Direito das Mulheres
Durante os últimos três anos – em especial no período pandêmico –, diversos estados como Paraná,[1] Pernambuco,[2] Ceará,[3] Minas Gerais,[4] São Paulo,[5] Bahia,[6] Rio de Janeiro,[7] Rio Grande do Sul[8] e Rondônia[9] editaram leis, a partir de suas respectivas Assembleias Legislativas, criando deveres e obrigações em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher aos condomínios residenciais e comerciais situados em seus limites territoriais.[10] Parcela expressiva de municípios brasileiros também legislaram acerca do tema.[11]
A obrigação de afixação de cartazes nas áreas comuns do condomínio com o objetivo de cientificar os condôminos sobre o dever de prevenção e combate à violência doméstica contra a mulher; o próprio dever de comunicar casos suspeitos de violência doméstica e familiar contra a mulher pelos condôminos ao síndico e por este à autoridade policial; além da imposição de advertências e multas aos condomínios pelo descumprimento dos deveres e obrigações antecedentes, são as normas estruturantes encontradas neste emaranhado de leis estaduais e municipais, razão pela qual convenciono chamá-las desde já de leis de compliance condominial em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher.[12]
Cuida-se, portanto, de uma iniciativa encampada de forma sistemática e coordenada por diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais espalhadas pelo país afora, demonstrando o legislador brasileiro – independentemente de sua envergadura no escalonamento da federação – a sensibilidade e preocupação necessária com a proteção de mulheres e meninas situadas em nosso país.
Mais do que isso. Ao projetar deveres e obrigações que espraiam efeitos no interior de condomínios residenciais e comerciais, as leis de compliance condominial em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher rompem de uma vez por todas com o obsoleto, equivocado e perigoso adágio de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Há, em verdade, mais uma sinalização – desta vez emitida por estados e municípios – no reconhecimento do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher como uma questão de Estado, não sendo possível – seja por violação às leis ou ao próprio texto constitucional – que o intérprete do direito delimite eventuais casos ocorridos no interior de condomínios edilícios como “acontecimentos de natureza privada”, supostamente protegidos por uma expectativa de privacidade e intimidade dos envolvidos.[13]
Porém, antes de analisarmos de forma mais detalhada as três normas estruturantes das leis de compliance condominial em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher, alguns avisos devem ser feitos aos leitores desta coluna: (a) este autor filia-se a orientação majoritária da doutrina civilista e utiliza a expressão “condomínio edilício”[14] para se referir às edificações constituídas por partes exclusivas e outras de uso comum, nos termos adotados pelo próprio Código Civil;[15] (b) os dispositivos contidos nas referidas legislações estaduais e municipais aqui em análise devem ser sistematicamente interpretados à luz dos artigos 1.331 à 1358 do Código Civil, normas que regulamentam a temática do condomínio edilício de maneira geral; e (c) na opinião deste autor, as convenções condominiais, embora possuam a natureza jurídica de negócio jurídico plurilateral, são dotadas de força normativa quando regularmente aprovadas e registradas no respectivo Cartório de Registro de Imóveis (arts. 1.333 e 1.334 do CC). Contudo, mesmo quando agraciadas de caráter normativo, não podem elas contrariar às disposições contidas nas leis de compliance condominial em matéria de violência contra a mulher, dada a natureza de ordem pública e interesse social das disposições lá encartadas.[16]
Dirimidos estes pontos, é momento de examinarmos juntos as três principais normas estruturantes comumente encontradas nas leis que regulamentam o combate à violência contra a mulher no interior dos condomínios edilícios.
Obrigação de afixação de cartazes em áreas comuns do condomínio edilício
Positivada em todas as leis de compliance condominial em matéria de combate à violência contra a mulher, a obrigação de afixação de cartazes em áreas comuns do condomínio possui como principais objetivos dar publicidade ao conteúdo da lei aprovada pelo município e/ou estado-membro aos condôminos, além de cientificá-los acerca do dever de prevenção e comunicação de casos suspeitos em matéria de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Para fins de cumprimento desta obrigação, este articulista compreende a expressão “áreas comuns” como espaços de acesso coletivo aos condôminos, seus hóspedes e visitas, tais como: elevadores, salões de festas, academias, piscinas, hall de entrada, garagem, além de outros previstos na respectiva convenção de condomínio. Recomenda-se, ainda, que a afixação de cartazes ocorra sempre nas áreas comuns de maior circulação de pessoas, maximizando-se o telos da própria da obrigação: a cientificação do dever de comunicação de casos suspeitos ao maior número de pessoas.