(Tribuna da Bahia, 05/12/2014) Nessa quinta-feira (04.12), o brasileiro Idelber Avelar, professor de Literatura de uma universidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, finalmente se pronunciou sobre a polêmica na qual está envolvido há uma semana. Ele é acusado de assédio sexual por um grupo de mulheres casadas em um blog.
O endereço exibe cópias de conversas do acadêmico com mulheres, sendo que uma delas seria supostamente uma menor. As denúncias indicam que Avelar teria enviado fotos de seu pênis nas mensagens. Um dos relatos foi apagado posteriormente, com a alegação de que a autora da acusação se sentiu intimidada.
Dizendo que está movendo uma ação civil e outra criminal contra as responsáveis pelas denúncias, que teriam violado sua privacidade e o difamado, Avelar respondeu às acusações em seu site, num texto reproduzido também em seus perfis no Facebook e Twitter.
“Termos como ‘abuso’ ou ‘assédio’, aplicados a conversas virtuais nas quais duas partes estão em interação ativa, e para as quais o botão ‘bloquear’ está sempre disponível, só significa uma coisa: a confinação da mulher ao lugar de vítima, como se ela não fosse dona de seu desejo”, escreveu Avelar, em um trecho do texto, destacando que as conversas com as mulheres foram consensuais. O professor relatou ainda que interrompeu a conversa com a menor assim que tomou consciência de sua situação.
Se dizendo vítima de “uma das maiores tentativas de assassinato de reputação da história da internet brasileira”, Avelar ressaltou ainda que tem 29 anos de magistério e que nunca recebeu reclamações formais por seu comportamento com as mulheres dentro e fora da sala de aula.
Procurado pela reportagem do Delas, o professor disse que suas declarações sobre a questão se restringiriam ao texto em seu site. Ele pretende se pronunciar só quando o processo que move estiver transitado e julgado na Justiça.
Consentimento e criminalização
A Justiça dirá se as acusações contra Avelar são falsas ou verdadeiras, mas a divulgação do caso dele acontece justamente no momento em que os limites da interação no ambiente virtual são discutidos. Suscitando uma pergunta: uma conversa em uma rede social também pode ser um ato de violência contra a mulher?
Nesta semana, o Instituto Avon divulgou um estudo levantado pelo Data Popular que aponta o ambiente da internet e as redes sociais como um espaço de crescente machismo. “A violência contra a mulher vai além de um soco na cara. o compartilhamento de vídeos e fotos se tornou o novo mecanismo de poder dos homens sobre as mulheres”, avalia Renato Meirelles, presidente do órgão de pesquisa.
Para a psicóloga e filósofa Daniela Rozados, integrante do grupo PoliGen de Estudos de Gênero da Escola Politécnica da USP, o fato da mulher consentir em conversar numa mensagem em que o assédio acontece não remove necessariamente a criminalização do ato.
“O argumento do consentimento só funciona dentro de um contexto. O consentimento relativiza o que aconteceu, a foto, a conversa. E mesmo essa questão de consentimento poderia ser polemizada um pouco. Consentimento tem a ver com autonomia. Daí me pergunto: essa mulher [vítima] é autônoma ou ela está em uma relação que é difícil ela se colocar, contradizer?”
“No caso desse professor Avelar – pelo que me parece – é um sujeito que se valia de uma condição de professor de uma universidade, inclusive se autointitulando feminista. Aí quando você vê a exposição das conversas [com as vítimas], fico pensando que ele usava essa bandeira para chegar às mulheres, como uma maquiagem”, opina Daniela.
Para a psicóloga e filósofa, muitas vezes, a violência é relativizada quando parte de uma figura com respeitabilidade na sociedade. “Se a pessoa é inteligente, tem um sucesso, tem um discurso democrático de respeito, assumimos automaticamente que ela respeita. É grande a surpresa quando você percebe que pessoas respeitáveis cometem abusos.”
Direito de quem é exposto
Do mesmo modo que a sociedade começa entender o que é violência contra a mulher na internet, a Justiça se debruça de maneira mais contundente sobre o assunto, resguardando vítimas expostas na web. A aprovação do Marco Civil da internet neste ano foi um avanço, de acordo com Mariana Pinto Veiga, advogada do escritório PK Advogados, especializada em direito eletrônico.
“O artigo 21 do Marco Civil diz que o provedor de internet que disponibilizar conteúdo de terceiros será responsabilizado pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, vídeos e materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado”, esclarece Mariana.
Já a configuração de assédio sexual de mensagens nos chats de redes sociais como o Facebook precisa de algumas condições para ser caracterizada. “Tem que haver uma relação profissional ou acadêmica, caracterizada por uma condição hierárquica de alguém que busque benefícios por conta do seu poder. Por exemplo, alguém que diz ‘eu te promovo e beneficio se você fizer o que eu quero’. Ou ‘te prejudico se não fizer’”, explica Mariana.
Se não houver essa tipificação, o envio de imagens sexuais que violem a intimidade pode ser criminalizado como ato obsceno. Neste caso, quem é considerado culpado pode ficar preso de três meses a um ano ou ainda pagar multa. A penalização do assédio é maior, prevendo detenção de um a dois anos. Mas em ambos os casos, o réu dificilmente cumpre a sentença em regime fechado, devido ao fato das penas serem pequenas.
Além dos processos criminais, também é possível mover ações civis, exigindo indenização por danos morais. “Em muitos casos é o mais indicado por ser a única maneira de a vítima obter uma reparação. A vítima pode argumentar que o envio de fotos lhe causou traumas psicológicos, sexuais e até abalou o seu casamento”, finaliza Mariana.
Ricardo Donisete com Carolina Garcia
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