Medida mais eficaz contra o coronavírus, isolamento social pode agravar situação de mulheres que vivem lado a lado com o agressor.
(HuffPost, 31/03/2020 – acesse no site de origem)
Integrantes da bancada feminina da Câmara dos Deputados pressionam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes partidários para incluir na pauta votação de propostas para combater a violência doméstica no contexto da pandemia do novo coronavírus. O isolamento social aumenta o risco de que mulheres sejam vítimas de agressões.
O número de casos confirmados do novo coronavírus no Brasil chegou a 4.579, de acordo com balanço divulgado pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (30). O número de mortes é de 159, em 15 unidades da federação.
Nesta terça-feira (31), a bancada feminina do PSol apresentou uma nova versão do PL 877/19, que amplia a divulgação do Ligue 180. De acordo com o texto, “toda informação que se exiba por meio dos serviços de radiodifusão de sons, radiodifusão de sons e imagem, programação audiovisual, notícias divulgadas na internet em portais, blogs e jornais eletrônicos, sejam de acesso gratuito ou serviço de acesso condicionado, sobre episódios de violência contra a mulher incluirá uma menção expressa ao Disque 180”.
A proposta original foi apresentada pelas deputadas do Psol Talíria Petrone (RJ), Fernanda Melchionna (RS), Samia Bonfim (SP) e Áurea Carolina (MG) em março de 2019, como parte dos esforços envolvendo o mês da mulher daquele ano.
A nova versão, protocolada nesta terça-feira (31), e assinada por líderes de outros partidos de oposição, limita a mudança ao tempo pelo qual durar a emergência de saúde pública decorrente da covid-19.
“O Ligue 180 é um serviço que tem se demonstrado eficaz na defesa e proteção das mulheres vítimas de violência. A ampla divulgação do serviço para a sociedade representa a garantia do direito à vida e à integridade física de milhares de mulheres de uma forma pedagógica, conscientizando a sociedade sobre a gravidade do problema e ampliando o conhecimento sobre os serviços disponíveis”, diz a justificativa da proposta a qual o HuffPost Brasil teve acesso.
Outro PL, apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) também nesta terça visa garantir que os serviços de enfrentamento à violência doméstica como DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher) e Defensorias Públicas continuem funcionando durante quarentena em território nacional.
“O poder público deve tomar medidas necessárias para atender as mulheres vítimas de violência, adaptando seus procedimentos de recebimento de denúncias e encaminhamento das vítimas a sistemas de proteção, às circunstâncias emergenciais do período”, diz o texto do projeto.
Segundo comunicado da Prefeitura de São Paulo enviado ao HuffPost, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as DDMs, continuam funcionando 24h. Qualquer ocorrência pode ser registrada online, por meio do site oficial da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
A Defensoria Pública de SP informou que todos os atendimentos de urgência estão sendo feitos à distância e por WhatsApp. Entre eles, estão casos de violência contra mulheres; não só notificações mas também pedidos ou avisos de descumprimento de medidas protetivas.
O atendimento à distância é feito pelo Nudem (Núcleo de Defesa das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero) e pode ser realizado por mensagem de WhatsApp, no número (11) 9-4220-9995; e gratuitamente pelo 0800-773-4340.
Mais chamadas no Ligue 180
Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, divulgados nesta sexta-feira (27), apontam aumento de 18% entre as denúncias recebidas entre os dias 17 e 25 de março – período em que políticas de isolamento foram intensificadas no País -, comparado ao período de 1º a 16 do mesmo mês.
Detalhamento da pasta aponta que 829 denúncias foram registradas no início do mês, entre os dias 1º e 16 de março. Já entre os dias 17 e 25 do mesmo mês, foram registradas 978. O número de atendimentos cresceu de 3.045 no início do mês para 3.303, no fim do mês — um aumento de 8,5%.
Como denunciar violência doméstica no isolamento socialProcure a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) mais próxima. Em muitas cidades, elas continuam funcionando 24h. As vítimas podem solicitar na própria delegacia a implementação de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, como restrição do contato e saída do lar. Quando acionadas no momento da ocorrência, o pedido é encaminhado à Justiça. Em casos em flagrante, a polícia militar pode ser acionada imediatamente, pelo telefone 190 – seja pela vítima ou testemunhas. Além disso, não só denúncias, mas também o atendimento e orientação à vítima de violência doméstica podem ser feitos pelo Ligue 180. |
Por que violência doméstica pode aumentar no isolamento?
Especialistas que trabalham na rede de enfrentamento à violência contra a mulher no País já haviam apontado a possibilidade do aumento de agressões neste período. Para as vítimas, a medida mais eficaz contra a disseminação do novo coronavírus no Brasil e no mundo, na verdade, pode ser sinônimo de mais vulnerabilidade.
“A quarentena é essencial neste momento, mas a dimensão de gênero da pandemia existe e é real. Com a redução do convívio social e a proximidade com o agressor, a tendência é que mais conflitos aconteçam por características da própria crise: a existência do medo, da questão financeira, da experiência do isolamento. Não só a mulher fica submetida a um ambiente de violência, como também fica desamparada, sozinha, sem poder contar a alguém o que está acontecendo”, afirmou Silvia Chakian, promotora de justiça do MP-SP e membro do GEVID (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica), em entrevista ao HuffPost Brasil.
A jurista lembra que, para além do chamado “ciclo de violência”, em que há um período de pausa nos ataques e, em seguida, o aumento da tensão, há também um padrão do momento em que a agressão acontece. Normalmente, as situações de violência doméstica ocorrem à noite ou aos finais de semana. Com a quarentena e o convívio intenso, podem ficar ainda mais frequentes.
Os números de agressões às mulheres já são alarmantes no Brasil. De acordo com o Atlas da Violência 2019, feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2007 e 2017, 39,2% dos homicídios de mulheres no Brasil aconteceram dentro de casa. Já entre os homens, o índice é de 15,9%.
A pesquisa ainda destaca que as mulheres não estão seguras em nenhum local, mas a trajetória da violência é ainda pior dentro de casa: enquanto a taxa de homicídios de mulheres fora do domicílio subiu 28% em 10 anos, as ocorrências registradas em casa aumentaram 38%. No mesmo período, o homicídio de mulheres negras cresceu 29,9%, enquanto o de não brancas aumentou em 1,6%.
Em nota, a ministra Damares Alves afirma que “pela nossa experiência, sabemos que o agressor é, na maioria das vezes, uma pessoa da família ou então muito próxima”. “Por isso, durante a quarentena, estamos reforçando os mecanismos que ajudam essas mulheres a denunciar”, acrescenta.
O comunicado ainda diz que ministério tem planos de lançar um aplicativo e um site para o Ligue 180, com a intenção de facilitar o acesso às vítimas e tonar o sistema ainda mais seguro.
Também em 27 de março, a pasta divulgou um documento em que recomenda aos Organismos Governamentais de Políticas para Mulheres a manutenção dos serviços da rede de atendimento à mulher, respeitando as orientações de segurança sanitária do Ministério da Saúde para a pandemia.
ONU Mulheres alerta para risco de violência na pandemia
A fim de orientar governos, recentemente, a ONU Mulheres publicou um estudo sobre as dimensões de gênero na resposta ao novo coronavírus na América Latina. Nele, a organização ressalta que “as mulheres continuam sendo as mais afetadas pelo trabalho não-remunerado, principalmente em tempos de crise”.
O documento ainda faz uma série de recomendações, incluindo garantir a continuidade dos serviços essenciais para responder à violência contra mulheres e meninas.
“As sobreviventes da violência ainda podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir dessas situações ou acessar medidas de proteção que salvam vidas e serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento em quarentena”, diz o documento.
Por Marcella Fernandes e Andréa Martinelli