Entrevista: ‘Muitas mulheres relatam insegurança ao saírem para trabalhar, estudar ou realizar qualquer outra atividade’, afirma a delegada Monique P. Ferreira Lima

24 de abril, 2025

Dados da pesquisa “Vivências e demandas das mulheres por segurança no deslocamento”, divulgada em setembro de 2024 pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber Brasil, revelam que 71% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência durante seus deslocamentos urbanos e que 80% declararam sentir muito medo de passar por experiências de assalto, sequestro relâmpago, estupro, assédio ou importunação sexual.

O levantamento, que inclui recortes das capitais Belém, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, revela o medo constante das brasileiras diante da possibilidade da violência — e evidencia os impactos diretos dessa insegurança sobre o direito à mobilidade e à autonomia das mulheres.

Para entendermos melhor esse cenário e quais são as possíveis estratégias de proteção para as mulheres, conversamos com a delegada Monique P. Ferreira Lima, titular da 6ª Delegacia da Mulher (DDM) de São Paulo. Confira a entrevista na íntegra! 

Agência Patrícia Galvão: Dra. Monique, a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão aponta um cenário alarmante de insegurança para as mulheres em seus deslocamentos diários, seja a pé, no transporte público ou em veículos particulares. Esses dados refletem a realidade que vocês observam cotidianamente nas Delegacias de Defesa da Mulher?

Monique P. Ferreira Lima: Muitas vítimas que procuram uma unidade de Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) relatam insegurança ao saírem para trabalhar, estudar ou realizar qualquer outra atividade. A maior parte se diz insegura em usar o transporte público, onde casos de importunação sexual são recorrentes. Mesmo com o reforço do policiamento e ações para aumentar a proteção das mulheres, o cenário de insegurança ainda está presente.

Agência Patrícia Galvão: Casos como o da jovem Vitória Regina, assassinada na Grande São Paulo após sair do trabalho, e o recente sequestro de uma mulher no bairro do Morumbi, na capital paulista, escancaram a vulnerabilidade das mulheres mesmo em trajetos rotineiros. Como as autoridades estão se mobilizando para garantir que situações como essas não se repitam?

Monique P. Ferreira Lima: As autoridades têm adotado diversas medidas para garantir a segurança das mulheres em trajetos urbanos e evitar que tragédias como o caso da jovem Vitória Regina e o recente sequestro no bairro do Morumbi se repitam. Além da intensificação do patrulhamento em áreas de maior risco, um conjunto de ações tem sido implementado para melhorar a segurança pública, especialmente em horários de grande movimentação.

Uma dessas iniciativas é o aumento no número de câmeras de segurança instaladas em pontos estratégicos da cidade, incluindo paradas de ônibus e estações de transporte público. Essas câmeras são essenciais para monitorar áreas de maior circulação, proporcionando mais segurança para as mulheres e facilitando a identificação de criminosos. A cidade também tem investido na melhoria da iluminação pública, uma medida fundamental para inibir crimes, como assaltos e agressões, que ocorrem com frequência em locais mal iluminados, especialmente à noite.

Essas ações fazem parte de uma estratégia mais ampla, que inclui a colaboração entre diferentes forças de segurança, como a Polícia Militar, a Guarda Civil Metropolitana, Polícia Civil e Polícia Científica, além do investimento em tecnologias de monitoramento, que facilitam a comunicação entre os cidadãos e as autoridades. A implementação dessas medidas visa não apenas aumentar a sensação de segurança, mas também criar um ambiente mais protegido e vigilante para todos, especialmente para as mulheres em deslocamento urbano.

Agência Patrícia Galvão: Há atualmente políticas públicas em andamento voltadas especificamente à segurança das mulheres nos transportes públicos e nas vias urbanas? Se sim, a senhora pode nos contar melhor a respeito?

Monique P. Ferreira Lima: São Paulo tem implementado diversas políticas públicas voltadas à segurança das mulheres nos transportes públicos e nas vias urbanas. Destaco algumas das principais iniciativas, como o Aplicativo SP Mulher Segura, desenvolvido pela Secretaria de Políticas para a Mulher (SP Mulher). Este aplicativo oferece funcionalidades como o registro de boletins de ocorrência, envio de localização em tempo real e acesso a serviços de emergência, proporcionando maior proteção às mulheres em qualquer lugar.

Há também a disponibilização de transporte gratuito para vítimas de violência, decorrente de uma parceria do aplicativo 99 com o governo estadual. Após o contato com a Polícia Militar, a vítima é conduzida até unidades especializadas de atendimento, como Delegacias de Defesa da Mulher e Institutos Médico-Legais.

Há a campanha “Ponto Final ao Abuso Sexual nos Ônibus”, lançada pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT) e pela SPTrans, que visa combater o assédio sexual nos ônibus. Mais de cem coletivos foram adesivados com a mensagem “Aqui o abuso não ficará impune”, e materiais educativos foram distribuídos aos passageiros. Nesse mesmo sentido, há a “Operação Empoderamento”, realizada pelo Metrô de São Paulo, que envolve o treinamento de agentes femininas para acolher vítimas de violência, identificar agressores e prestar apoio psicológico, contribuindo para um ambiente mais seguro para as usuárias.

Um outro instrumento de proteção muito importante é o “Abrigo Amigo”, totens interativos em pontos de ônibus que oferecem companhia virtual por meio de chamadas de vídeo com atendentes, visando aumentar a sensação de segurança das mulheres enquanto aguardam o transporte público.

Por derradeiro, posso mencionar a campanha “Não Se Cale”, promovida pelas concessionárias ViaMobilidade e ViaQuatro, esta campanha orienta as mulheres a utilizarem um sinal com a mão para indicar situações de assédio. Os colaboradores das concessionárias estão treinados para acolher as vítimas e acionar as autoridades competentes. Essas iniciativas refletem o compromisso das autoridades paulistas em criar um ambiente mais seguro e acolhedor para as mulheres no transporte público e nas vias urbanas.

Agência Patrícia Galvão: Quais são hoje as principais estratégias adotadas pelas DDMs de São Paulo para acolher mulheres vítimas de violência em deslocamentos urbanos? Há parcerias entre as DDMs e empresas públicas ou privadas para prevenir casos de violência ou facilitar denúncias?

Monique P. Ferreira Lima: Dentro das DDMs de São Paulo, uma das estratégias adotadas para acolher as mulheres vítimas de violência é a escuta especializada e a garantia de um atendimento humanizado. As delegacias oferecem um ambiente seguro para que as vítimas possam relatar suas experiências sem medo de revitimização. As parcerias com empresas públicas e privadas, como as linhas de transporte e plataformas digitais, têm sido fundamentais na facilitação da denúncia e no combate à violência. Por exemplo, algumas empresas de transporte público têm investido em campanhas educativas e, em alguns casos, em dispositivos de alerta rápido, como o uso de botões de pânico nos ônibus.

Agência Patrícia Galvão: Para uma mulher que se sente constantemente insegura nas ruas, que medidas a senhora recomenda adotar no dia a dia?

Monique P. Ferreira Lima: A recomendação é adotar medidas preventivas, como manter a vigilância sobre o ambiente, evitar trajetos pouco movimentados, se possível, e usar meios de transporte coletivo ou com maior segurança. Quanto ao uso de serviço de aplicativos de transporte (como Uber e 99), há algumas precauções que podem ser tomadas: compartilhe sua rota em tempo real com amigos ou familiares; antes de entrar no carro, sempre verifique o nome e a foto do motorista, além da placa do veículo; se sentir qualquer desconforto, use a funcionalidade do botão de emergência do aplicativo para contatar as autoridades rapidamente.

Além disso, é essencial que as mulheres conheçam seus direitos e as opções de segurança disponíveis, como os canais de denúncia, como o Disque Mulher (180), e saibam como se proteger legalmente em caso de agressões ou ameaças. Isso ajuda a fortalecer a confiança e a sensação de empoderamento diante de situações de insegurança.

Agência Patrícia Galvão: Quais são os principais canais de denúncia e redes de apoio disponíveis para mulheres que sofrem violência nos trajetos urbanos? E como elas podem acessá-los de forma segura?

Monique P. Ferreira Lima: Além do Disque Mulher – 180, que funciona 24 horas por dia e oferece gratuitamente orientação e apoio a mulheres que estão sofrendo violência, em São Paulo há as DDMs, que são unidades especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência. Há também as delegacias presenciais e a DDM Online, que permite que as mulheres registrem boletins de ocorrência e façam denúncias de forma virtual e segura, sem precisar sair de casa ou se deslocar até uma unidade física. Um outro ponto de apoio às mulheres é a Sala Lilás, localizadas em hospitais e centros de saúde, oferecendo acolhimento psicológico, orientação jurídica e encaminhamentos para os serviços de proteção à mulher, tudo de forma sigilosa e segura. Além disso, tanto o Uber quanto o 99 possuem botões de emergência que permitem que as mulheres acionem as autoridades rapidamente caso sintam-se em risco durante a viagem. 

Acesse a pesquisa “Vivências e demandas das mulheres por segurança no deslocamento” (Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, setembro/2024). 

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