Plenária com 200 mulheres ressaltou a necessidade de fortalecimento das políticas públicas e mobilização nas ruas
Com a participação de quase 200 mulheres, Plenária Todas Juntas Contra os Feminicídios debateu a situação da violência de gênero no Rio Grande do Sul. O encontro, realizado de forma virtual, na noite desta terça-feira (22), foi impulsionado pelo fatídico feriado prolongado, que registrou mais de 10 feminicídios no estado. Entre as propostas apontadas está a exigência da volta da Secretaria Estadual das Mulheres, a importância da educação de gênero, audiências públicas, mobilização nas ruas e fortalecimento de políticas públicas, entre outras.
Raíssa Müller, Caroline Machado Dorneles (grávida), Juliana Proença, Jane Cristina Montiel Gobatto, Patrícia Viviane de Azevedo, Simone Andrea Meinhardt, Talia da Costa Pereira, Laís Malaguez Meyer, Leobaldina Rocha Lyrio, e sua filha Diênifer Rauani Lyrio Gonçalves, são as 10 mulheres vítimas de feminicídio no estado. Com idades que variavam dos 14 aos 54 anos, foram mortas, em sua maioria, por ex-companheiros ou companheiros, em nove cidades gaúchas.
“Feminicídio é o ápice da violência quando tudo falhou, falhou o Estado, a sociedade, mas temos um movimento forte e faremos uma mobilização a altura disso. Primeiro a atitude é de indignação, mas não podemos ficar só nisso. Precisamos nos levantar e ir à luta”, afirmou a jornalista e integrante do Levante Feminista contra o Feminicídio Télia Negrão, na abertura da plenária.
Para a psicóloga e coordenadora do Lupa Feminista, Thaís Pereira Siqueira, o fato ocorrido no “feriadão” (entre os dias 18 e 21) é uma situação de alerta para a vulnerabilidade das mulheres no estado frente a misoginia. “Viemos há quatro anos na nossa campanha fazendo esse alerta e sobre a inexistência das políticas públicas sobre prevenção e proteção e sucateamento das que ainda existem.”
Conforme destacou Siqueira, não há só feminicídios íntimos, há os de desprezo pela condição de ser mulher em diversos contextos. “Muitos casos que classificamos na Lupa como feminicídio tem sido descartado nos dados institucionais. Melhorar o acesso as medidas protetivas é importante para mulheres que sofrem violência doméstica ou familiar, mas é uma medida insuficiente”, destacou.
Segundo o levantamento da Lupa Feminista desde o início do ano até o dia hoje, o RS já registrou 31 feminicídios. Já de acordo com o registrado pelo Observatório de Violência Doméstica da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), nos meses de janeiro e fevereiro foram notificadas 13 mortes.
A presidenta do Conselho Estadual do Direito da Mulher (Cedm/RS), Fabiane Dutra, informou que o Colegiado entrou com uma Ação Civil Pública junto ao Ministério Público do RS e também com uma denúncia na Defensoria Pública contra o Estado para que façam investimentos concretos pela garantia da vida digna das mulheres. “A grave crise no nosso estado não começou hoje, já vínhamos alertando para essa situação da descrença das mulheres gaúchas nos serviços de proteção e oficiamos várias vezes o secretário para ampliação da equipe do Centro de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado (CRM ) e, em especial, para falta de casas abrigo.”
Dutra também reforçou a importância da retomada da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres, extinta ainda no governo de Ivo Sartori. “O conselho está ativo, atuante, certo que não está nas melhores condições, mas temos as conferências para construir esse ano ainda e a gente não desiste, pois contamos com a força de cada uma ativista e militante que está aqui.”
Conforme apontou a advogada, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e coordenadora dos Estados Gerais das Mulheres – Brasil, Denise Argemi, o feminicídio não é apenas um caso de polícia. Para ela é preciso trabalhar na prevenção como na repressão. “Não adianta dizer que as mulheres que morreram nesse final de semana não tinham medidas protetivas. A maioria das mulheres não denuncia e as que denunciam não estão nas estatísticas. O governo tem sido omisso. Se o Estado está se eximindo da sua responsabilidade, vamos nós fazer algo pelo nosso estado, contra essa situação.”
Argemi reforçou que é preciso voltar a fazer o trabalho na base, nas comunidades, nas escolas. “Temos que envolver a sociedade civil, gerar comoção. O que adianta gastar com tornozeleiras se não tiver conscientização. É preciso fazer audiência pública. Sair às ruas, fazer vigília na Praça da Matriz. Contactar a Secretaria de Educação e agir nas escolas.”
Educação de gênero e violência generalizada
A deputada estadual Sofia Cavedon (PT) pontuou que não se pode ficar apenas tratando da violência, mas também exigir o cumprimento da legislação. Citou como exemplo a Lei 15.484/2020, de sua autoria, que estabelece a promoção de ações que visem à valorização de mulheres e meninas e a prevenção e combate à violência contra as mulheres.
De acordo com a parlamentar, a iniciativa trabalha a mudança da cultura machista desde a escola para que todas as políticas públicas se desdobrem em prevenção e reeducação da sociedade. “A gente precisa empoderar as mulheres de maneira transversal”, afirmou.
Já a deputada federal Maria do Rosário (PT) ressaltou a importância de não se desistir da luta. “Precisamos lutar pelas vítimas que não têm mais uma voz para falar. Cada uma que é destruída na sua história, trajetória, é um tanto de nós que está sendo naturalizado que seja destruída. O feminicídio nunca será um crime passional, é um crime de ódio alavancado em todas as formas.”
Autora do pedido de CPI para investigar crimes praticados contra crianças e adolescentes na internet e relatora da Lei do Feminicídio, Rosário reforçou que a violência contra a mulher vem em um crescimento nos últimos anos, e não somente a violência física como também a psicológica e verbal, principalmente nos locais de trabalho. “A mulher passa a ser objeto de ódio e não sujeito de si própria.”
Também se manifestaram as deputadas federais Denise Pessôa e Reginete Bispo, ambas do PT. Pessôa enfatizou a necessidade de se garantir que a mulher tenha proteção quando for denunciar, quando estiver com a medida protetiva. Além da autonomia financeira, a parlamentar também reforçou a importância da educação. “A gente sabe que o machismo é construído culturalmente, precisamos intervir na raiz do problema, educar para que os novos homens superem esse machismo.”
Por sua vez Bispo disse que é urgente cobrar dos governadores adesão à campanha federal Feminicídio Zero. “É preciso responsabilizar aqueles que difundem o ódio, a submissão das mulheres. Essa violência tomou uma naturalização que não é só a violência doméstica – é uma violência generalizada. Temos que ver porque as mulheres não estão buscando medidas protetivas, saber o que os governos estão colocando de orçamento para combate da violência contra as mulheres.”
Na tarde da última quarta-feira (23) haverá uma reunião com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, solicitada pela deputada gaúcha Maria do Rosário. O encontro contará com a participação das deputadas Denise Pessôa, Reginete Bispo, Fernanda Melchionna (Psol) e Daiane dos Santos (PCdoB). Na ocasião as parlamentares além de falar sobre o cenário da violência de gênero no país, destacarão a necessidade do fortalecimento de políticas públicas e cumprimento das legislações.
“A situação é grave e precisamos somar esforços”
Representando a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB), a chefe de gabinete Eriane Pacheco disse que os casos ocorridos no feriado são o retrato da violência que o estado não está enxergando, citando que entre os casos, o do município de Ronda Alta, da Leobaldina Rocha Lyrio, de 41 anos, e sua filha Diênifer Rauani Lyrio Gonçalves, uma outra filha da vítima teria se jogado da janela.
Pacheco ressaltou que há mulheres na ponta que tentam desempenhar as suas atividades, mas quem de fato deveria realizar o trabalho não está fazendo. “Há várias legislações de proteção às mulheres no estado, contudo não há efetivação das mesmas. O RS é o que mais emite medidas protetivas. E a anomalia observada nos casos do feriado onde a maioria das mulheres não tinha medida, o que isso revela? Revela o despreparo”, finalizou.
Na avaliação da secretária nacional de enfrentamento à violência contra mulheres do Ministério das Mulheres, Denise Motta Dau, a situação está muito difícil. “Brasil afora observamos essa pandemia de feminicídios. São diversos atendimentos nas Casas da Mulher Brasileira de mulheres em situações dramáticas.” Citou como exemplo os casos ocorridos com busca de atendimentos já na inauguração do serviço em Tocantins, Piauí e no Paraná.
“A situação é grave e precisamos somar esforços”, enfatizou. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na última década (2012-2022), ao menos 48.289 mulheres foram assassinadas no Brasil. Somente em 2022, foram 3.806 vítimas, o que representa uma taxa de 3,5 casos para cada grupo de 100 mil mulheres.
Em sua intervenção, Dau falou da retomada do programa Mulher, Viver sem Violência pelo presidente Lula e pela ministra das Mulheres Cida Gonçalves em março de 2023. O programa, entre outras ações, prevê a implementação de 40 Casas da Mulher Brasileira no país e Centros de Referência da Mulher Brasileira. De acordo com ela, a Casa da Mulher Brasileira garante atendimento interdisciplinar, humanizado e eficaz e impede que casos de violência agravem-se, se tornando feminicídios.No RS está em andamento a instalação nas cidades de Caxias do Sul e Porto Alegre, sendo que na Capital a dificuldade está em achar um terreno adequado.