Grupo Refletir: responsabilização e transformação entre homens da segurança pública autores de violência, por Renata Braz das Neves Cardoso e Roberta Tomaz Vieira de Souza

17 de julho, 2025 Fonte Segura Por Renata Braz das Neves Cardoso e Roberta Tomaz Vieira de Souza

Quando estruturados com método, escuta e acompanhamento, os grupos reflexivos podem contribuir para reduzir a reincidência, fortalecer os vínculos familiares e ampliar o alcance das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres

A violência doméstica praticada por servidores da segurança pública impõe um desafio institucional relevante. O problema adquire contornos ainda mais complexos quando o agressor ocupa posição de autoridade e poder estatal, o que pode dificultar a denúncia, favorecer a impunidade e comprometer a confiança social nas instituições.

A dissertação de mestrado Homens autores de violência contra parceiros íntimos: estudo com policiais militares do Distrito Federal (UnB, 2016) analisou 264 sindicâncias instauradas entre 2012 e 2014. O estudo identificou altos índices de reincidência, sobreposição de violências física e psicológica e forte resistência das vítimas em denunciar, por receio das consequências. Também foi constatada, em muitos casos, a aplicação de sanções administrativas pouco eficazes, o que contribuía para a manutenção do ciclo da violência.

A partir dessa realidade, foi desenvolvido, no Distrito Federal, um grupo reflexivo voltado exclusivamente a profissionais da segurança pública envolvidos em situações de violência doméstica e familiar contra mulheres. Implantado em 2018, o grupo é resultado da articulação entre o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a Secretaria de Segurança Pública do DF, o PNUD e a ONU Mulheres. A participação dos homens ocorre, majoritariamente, por determinação judicial, como cumprimento de medida protetiva de urgência, prevista na Lei Maria da Penha.

Com encontros semanais conduzidos por equipe multidisciplinar, o grupo tem como objetivo promover a responsabilização e a reflexão crítica, com foco na prevenção de novas ocorrências. Os temas abordam relações interpessoais, autorresponsabilidade, comunicação respeitosa, conflitos familiares e aspectos legais. A metodologia prioriza a escuta qualificada, a compreensão dos impactos da violência e a mudança de comportamento.

Entre 2018 e 2024, participaram do grupo 219 profissionais da segurança pública vinculados a diferentes instituições. Dados consolidados ao longo dos ciclos indicam taxa de reincidência inferior a 3%. Embora esse número deva ser interpretado com cautela, ele reforça a importância de ações que associem responsabilização e acompanhamento sistemático, especialmente em contextos marcados por dificuldade institucional de enfrentamento da violência.

A experiência foi documentada no Manual do Grupo Refletir (TJDFT, 2020) e citada em estudos nacionais sobre práticas reflexivas, como o Mapeamento Nacional de Grupos Reflexivos e Responsabilizantes para Homens Autores de Violência (UFSC, 2023) e a Casoteca do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019). Tais documentos destacam a relevância da atuação integrada, da capacitação contínua das equipes e da avaliação criteriosa dos resultados como fatores essenciais à efetividade da proposta.

Atuar com profissionais da segurança pública nesse campo demanda atenção às particularidades institucionais, como estruturas hierárquicas, cultura organizacional e resistência a abordagens que envolvam aspectos emocionais ou relacionais. O grupo reflexivo é uma estratégia complementar às medidas legais, voltada à prevenção e à reconstrução de trajetórias com base na responsabilização e no respeito aos direitos fundamentais.

A Recomendação nº 124/2022 do Conselho Nacional de Justiça orienta os tribunais brasileiros a implantarem ou fortalecerem iniciativas semelhantes, no âmbito da justiça restaurativa e da proteção das mulheres em situação de violência. A adoção de grupos reflexivos nesse contexto não substitui medidas judiciais, mas as complementa com uma abordagem educativa fundamentada em direitos humanos.

A experiência do Distrito Federal evidencia a viabilidade de ações institucionais que integrem responsabilização e transformação. Quando estruturadas com método, escuta e acompanhamento, essas ações podem contribuir para reduzir a reincidência, fortalecer os vínculos familiares e ampliar o alcance das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres.

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