163 pessoas trans foram mortas em 2018 no Brasil; 83% dos crimes são cruéis

29 de janeiro, 2019

(Universa, 29/01/2019 – acesse no site de origem)

Nessa terça (29) é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, mas há pouco para se comemorar. O Brasil segue na liderança do ranking dos assassinatos de pessoas trans no Mundo, conforme publicado no último relatório da Trangender Europe (TGEU), instituição que monitora os casos de assassinatos desse tipo em todo o mundo. E como se trata de dados coletados na mídia, o número de ocorrências desse tipo pode ser ainda maior, porque existe grande índice de subnotificação.

Para marcar a data, foi lançado um Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra Travestis e Transexuais no Brasil em 2018. O levantamento, único do Brasil com esse nível de detalhamento, foi realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) em parceria com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE). Ele evidencia os assassinatos que aconteceram contra a população Trans em 2018, mas também traz dados sobre tentativas de assassinatos, violações de direitos humanos e outras mortes não solucionadas.

“O que a gente percebe nesse relatório é que o Brasil continua sendo um país violentíssimo. O País está sem norte, na minha concepção dado o rumo que o governo federal tem dedicado às nossas populações. Não temos uma política efetiva”, conclui a presidenta da Antra, Keila Simpson.

O dossiê aponta que, em números absolutos, os assassinatos de pessoas trans diminuíram de 2017 para 2018. Apesar disso, a presidente da Antra afirma que não houve diminuição da violência. “Nos perguntávamos sobre uma aparente queda nos números sobre casos de assassinatos, e chegamos à conclusão do motivo: um aumento de 30% na subnotificação dos casos pela mídia. Isso faz parecer que houve uma queda nos assassinatos, quando na verdade o que existe é um aumento na invisibilidade destas mortes. Esse tipo de violência está naturalizada”, explica.

Levando em conta a denúncia de Keila, no ano de 2018 ocorreram 163 assassinatos de pessoas trans, sendo 158 Travestis e mulheres transexuais, quatro homens trans e uma pessoa Não-Binária. Destes, a associação encontrou notícias de que apenas 15 casos tiveram os suspeitos presos — o que representa 9% dos casos.

Ainda em números absolutos, o Rio de Janeiro foi o estado em que mais se matou pessoas trans no ano passado, com 16 assassinatos. Em segundo lugar ficou a Bahia, com 15 crimes e em terceiro, o estado de São Paulo, onde foram mortas 14 pessoas trans. O quarto e o quinto lugar ficaram com o Ceará e o Pará, em que ocorreram 13, e 10 assassinatos dessa população, respectivamente.

“Obviamente uma sociedade que é orientada por um presidente da República, ou por um candidato que se encontra à frente nas pesquisas, que infla um discurso de ódio contra um segmento, o cidadão civil vai se achar no direito de agredir, de violentar, de espancar? Esse discurso consegue, sim, aumentar a violência que já é grande contra a nossa população”, ela pondera.

Os lugares onde aconteceram mais crimes
A maior concentração dos crimes foi registrada no Nordeste: foram 59 assassinatos, 36,2% dos casos do País. A maioria das vítimas é jovem: 60,5% das delas tinham entre 17 e 29 anos e a idade média das vítimas dos assassinatos em 2018 é de 26,4 anos — uma queda de 1,3 anos em relação a 2017.

O documento ainda informa que 65% dos assassinatos foram direcionados a profissionais do sexo e 60% deles aconteceu nas ruas. Mais da metade dos crimes — 53% — foi por armas de fogo, 21% por arma branca e 19% por espancamento, asfixia e/ou estrangulamento – em 83% dos casos os assassinatos foram cometidos com requintes de crueldade e 80% dos assassinos não tinham relação direta com a vítima. 82% dos casos foram identificadas como pessoas negras e pardas.

Ainda segundo o dossiê, “as questões de gênero se reforçam e demonstram que 97,5% (aumento de 3% em relação a 2017) dos assassinatos foram contra pessoas trans do gênero feminino (158 casos). No ano de 2018 foram noticiados pela imprensa brasileira 71 tentativas de homicídio, um aumento de 9,8%, sendo que todas as vítimas são do gênero feminino.”

Transfeminicídio vem se reproduzindo entre todas as faixas etárias, diz a pesquisa. Uma pessoa trans apresenta mais chances de ser assassinada do que uma pessoas cisgênera. Estas mortes, no entanto, são mais frequentes entre travestis e mulheres transexuais negras. As negras também tem a menor escolaridade, menor acesso ao mercado formal de trabalho e a políticas públicas.

Crimes com crueldade
A solução desse problema, segundo Keila, passa pela criação de leis que coíbam esses crimes. “Claro que a lei por si, só, não vai resolver – a despeito da lei do racismo, as pessoas ainda infringem a lei – mas pelo menos teríamos um aparato legal. É preciso qualificar e punir esses agressores.” Keila também acredita que muitos crimes que deveriam ser punidos como transfobia, tem suas penas atenuadas por serem classificados como homicídios ou latrocínios. Como exemplo, ela citou o caso da travesti Quelly da Silva, morta no último dia 20, em Campinas, São Paulo. O criminoso afirmou ter tirado o coração da vítima, colocado a imagem de uma santa no lugar e guardado o órgão em sua casa, além de furtar seus pertences. “Isso não é apenas um homicídio. É tétrico e foi motivado por transfobia”.

São apontados, também, 72 casos de violações de direitos humanos. Os casos registrados, em sua maioria, têm ligação com transfobia, sendo 77% dos casos: desde a proibição de usar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero, até a negativa de usar o nome social nos documentos escolares. O dossiê registra ainda oito mortes por suicídio, cinco por aplicação de silicone industrial e dois por uso indiscriminado de hormonioterapia.

 

Camila Brunelli

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