(O Globo, 16/11/2014) Quando milhares de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais tomarem neste domingo a Avenida Atlântica, em Copacabana, para a 19ª Parada do Orgulho LGBT do Rio, um time de mulheres estará ao lado deles endossando o coro pelo respeito à diversidade. São mães que compraram a luta dos seus filhos. E que representam movimentos como Mães Pela Igualdade e Famílias Fora do Armário, com número crescente de adeptas, impulsionadas pelo alcance da internet e da visibilidade que a causa LGBT tem ganhado.
Aos 63 anos, a psicanalista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Edith Modesto é pioneira em inclusão da família nessa discussão no Brasil. Há 24 anos, quando seu filho lhe contou ser gay, ela passou tristeza e insegurança. Na época, o assunto estava longe do nível de discussão aberta de hoje. Em redes pioneiras de troca de mensagens pelo computador, Edith encontrou apoio:
— Queria conversar com outras mães que tivessem passado pela mesma situação, mas encontrei apenas jovens numa comunidade virtual. Através deles, cheguei a quatro mães, com as quais pude compartilhar minha experiência. Depois, criei o Grupo de Pais Homossexuais, que se transformou em Grupo de Pais de LGBT, após a primeira mãe de uma transexual nos procurar.
Em meio a esse processo, Edith não só aceitou o filho plenamente como se transformou em conselheira de famílias que vivenciam situações como a dela. Sua fama correu o Brasil. Hoje, ela recebe, em média, 50 e-mails por semana, a maior parte de mães e filhos relatando quadros de tristeza e rejeição. Quando pode, intervém.
— Certa vez, uma mãe muito religiosa expulsou o filho de casa. Ele ficou na rua e foi parar, muito doente, num hospital. Chegando lá, o único contato que passou foi o meu. Após o episódio, conversei muito com a mãe dele, que se tornou uma grande amiga minha e aceitou o filho — relembra.
No Rio, a professora universitária Georgina Martins também já reúne alguns anos de luta. Integrante do Mães Pela igualdade, ela tem três filhos. Um deles, o estudante Camilo, de 20 anos, é gay. Isso nunca foi problema:
— Quando ele ainda era bem pequeno, chegou em casa contando que queria ser a bruxa numa festa de carnaval da escola, mas a professora disse que ele deveria escolher um personagem masculino. Fui ao colégio dizer que ele poderia ser o personagem que quisesse.
Para Camilo, o envolvimento da mãe não só tornou a aceitação da própria sexualidade mais fácil como o inspirou a entrar para a militância. Desde 2012, mãe e filho caminham juntos à frente da Parada do Orgulho Gay, em Copacabana, distribuindo panfletos e balões, junto a outras famílias. A tradição se manterá hoje, a partir das 16h (o tema do evento este ano é inspirado: “Somos milhões de vozes”).
— É inspirador ver que nossa mãe sente orgulho da gente e torna isso público. Isso me deixou mais interessado em militar pelos direitos do LGBTs — orgulha-se.
A participação num grupo estabelecido, entretanto, não é regra. A costureira Maria de Lurdes da Conceição, de 63 anos, que vive na pequena Itabaina, no interior de Sergipe, resolveu militar por conta própria. Mãe do florista Fabiano dos Santos, de 39 anos, ela já havia aceitado a sexualidade do filho, mas viu que podia fazer mais, depois de participar de um encontro de grupo de apoio a LGBTs:
— Quando assisti ao depoimento de uma mãe dizendo que tinha orgulho do filho, pensei sobre como sentia o mesmo e resolvi compartilhar isso com outras pessoas.
Desde então, se ela escuta um comentário preconceituoso ou piada de gosto duvidoso, entra logo no meio. Para a costureira, as mães têm papel fundamental no combate ao preconceito.
— Outro dia estava numa loja e vi um cara chamando o outro de viado. Não me aguentei e perguntei: “Qual o problema? Tenho um filho gay e tenho muito orgulho disso” — relembra. — Tenho certeza de que se todas as mães amassem seus filhos como eu, o preconceito acabaria.
Eduardo Vanini
Acesse o PDF: Mães de LGBTs militam para quebrar o preconceito e lutar pela diversidade (O Globo, 16/11/2014)