(Bonde, 28/08/2015) Conversando com os colegas do site sobre relacionamentos, Márcia Rocha fez uma colocação na qual fiquei bastante instigado. Inclusive, foi esta indagação que proporcionou a reflexão deste texto. Conversávamos sobre preconceitos e a pergunta que ela me fez foi: ‘Qual o machismo que não me atinge?’
O machismo afeta diretamente as mulheres por uma questão da opressão e tudo que está implicado a isso. Desde questões históricas e culturais, o machismo é perpetuado na sociedade através de pequenos gestos que vão, desde um fiu-fiu na rua, atitude invasiva e abordagens que objetificam e exploram o corpo da mulher, concepções de que a mulher é um ser inferior e subalterno ao homem e que faz com que mulheres que realizam a mesma função no trabalho do que um homem, ganhem menos do que ele, até a um estupro e o feminicídio. Mulheres que são assassinadas pela cultura falocêntrica e patriarcal que impera na sociedade.
Dados recentes da ONU colocam o Brasil no sétimo lugar do ranking da violência contra a mulher. Violência que se expressa de todas as maneiras, social, psicológica, emocional, econômica, sexual e por aí vai. De fato, qual o machismo que não as atinge? Todos são, igualmente, destrutivos.
Quando falamos em machismo facilmente nos vem à mente agressões, estupro, violência doméstica, restrição econômica, submissão e subserviência. Acontece que o machismo é tão impregnado na sociedade por conta do patriarcalismo que não nos atentamos a pequenos gestos e comportamentos que são manifestações machistas e não percebemos. Tão imperceptíveis e automáticos, são assimilados com naturalidade pelas pessoas e por isso se tornam invisíveis.
O Manterrupting é uma junção de man (homem) e interrupting (interrupção) e significa ‘homens que interrompem’. Um comportamento que, além de falta de educação é uma forma de machismo, pois, a mulher não consegue concluir sua frase e raciocínio porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor. Quer um exemplo disso?
Em 2009, durante seu discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor videoclipe feminino do MTV Music Awards, a cantora Taylor Swift foi interrompida pelo rapper Kanye West. O cantor invadiu de forma agressiva e desrespeitosa o momento que era da cantora. O episódio ficou conhecido pelo gesto inesperado do rapper e tudo ficou em tom de brincadeira, mas que disfarça o ato machista.
Outro exemplo de machismo invisível é o Bropriating, um comportamento muito comum em reuniões. O termo é uma junção de bro (gíria para brother, irmão, mano) e appropriating (apropriação) e se refere a quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela.
O bropriating é mais uma das diferenças e injustiças que acontecem no mercado dos negócios sustentado pelo machismo. É o que faz com que muitas mulheres sirvam de trampolim para homens oportunistas crescerem à custa da submissão impostas às mulheres. Injustiça que faz com que as diferenças salariais relacionadas a gênero sejam bem acentuadas. Em um estudo recente realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mulheres ganham 30% menos do que os homens, mesmo que elas sejam mais instruídas ou capacitadas.
Já no Mansplaining, da junção de man (homem) e explaining (explicar) é a maneira como se explica, didaticamente, determinado assunto, como se a mulher fosse incapaz de compreender num primeiro momento. É quando um homem dedica um tempo para ensinar coisas triviais, simples ou não, mas que subestima a capacidade da mulher.
Outra situação é quando o homem quer explicar sobre algo que a mulher está certa, mas a explicação dele é baseada em dados e informações errôneas e desencontradas, apenas para convencê-la de que está errada. Um desmerecimento e desrespeito ao conhecimento da mulher. É tratá-la com inferioridade e menos capaz intelectualmente. Mulher, repare a maneira exagerada como as pessoas falam com você, elogios insistentes ou até mesmo, aquela mensagem acalorada de dias das mulheres, afinal, vocês merecem ser lembradas apenas no dia 8 de março?
Por fim, mais um exemplo típico de machismo invisível é o Gaslighting. Termo inspirado na peça de teatro ‘Gas Light’ e depois adaptado para o cinema. O enredo diz respeito a um marido que tenta convencer sua esposa e outras pessoas de que ela é louca. Tudo porque o marido quer a fortuna dela e só conseguiria se a esposa fosse internada como doente mental. Interpretando a esposa, a atriz Ingrid Bergman.
Utilizado desde 1960, o termo Gaslighting descreve a manipulação do sentido de realidade de alguém. Uma manipulação emocional e violenta, pois, embora este comportamento afete homens e mulheres, culturalmente, as mulheres sofrem mais pois sempre foram consideradas desajustadas socialmente e emocionalmente desequilibradas.
As famosas frases como: ‘isso é coisa da sua cabeça’, ‘você não sabe brincar’, ‘como você é exagerada’, ‘você está louca’ e ‘não vá chorar’. Isso é gaslighting. Vamos além, percebemos também este comportamento machista quando se diminui a importância da violência e agressão sofrida pela mulher. Uma desqualificação da autonomia e da palavra da mulher.
Um desempoderamento das mulheres e que infelizmente, muitos homens recorrem desta manipulação como recurso para oprimir as companheiras, que muitas vezes, se veem sem direção, abdicam das próprias escolhas e sucumbem à imposição do homem.
Acontece que a frase que escutei esses dias faz cada vez mais sentido, porque, embora seja homem, considero-me feminista e totalmente a favor dele. Devo, principalmente enquanto homem, desconstruir este machismo e este sistema patriarcal, que também é impositivo e violento com os homens. Eu não quero ser este homem que vive atrelado a este machismo.
Admito, sou um homem cansado destas exigências sociais e masculinas, enfadonhas e sem sentido. Que ‘bando’ de homens frágeis que precisam manter o machismo para existir. Não, eu cansei!!!
Breno Rosostolato, psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina (FASM)
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