A experiência feminina no espaço urbano é marcada por medo, restrições e vigilância. Como o direito à cidade pode ser ressignificado para garantir mobilidade, segurança e liberdade para todas?
As cidades são frequentemente apresentadas como espaços de liberdade, inovação e diversidade. Essa é uma visão masculina, porque para as mulheres a experiência urbana pode ser marcada por medo, vigilância e restrições à mobilidade.
É o que revela a pesquisa feita pela jornalista e designer Thaís Antonio, conduzida para a sua dissertação de mestrado na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC-UnB) na qual ela investiga como o espaço urbano impacta a vida das mulheres, explorando as barreiras físicas, simbólicas e sociais que limitam seu direito à cidade.
“As cidades, que deveriam ser espaços de liberdade, acabam se tornando territórios de restrição e vigilância para as mulheres, moldando seus deslocamentos e suas escolhas cotidianas”, escreve.
Caminhar é um desafio feminino
Historicamente, a caminhada tem sido retratada como um ato de reflexão e liberdade, amplamente celebrado na literatura e na arte. No entanto, essa narrativa ignora a experiência feminina, marcada pela insegurança e pelo receio constante de assédio e violência.
Enquanto os homens circulam pela cidade sem grandes preocupações, as mulheres aprendem, desde cedo, a evitar determinados horários, ruas escuras e espaços pouco movimentados.
A investigação de Thaís revela que o medo não é apenas uma sensação subjetiva, mas um elemento estruturante da experiência urbana das mulheres.
“O medo não é apenas uma sensação individual, mas uma estrutura que organiza o espaço urbano e impõe barreiras à mobilidade feminina”, observa.
A cidade, que deveria garantir direitos iguais a todos, frequentemente se configura como um território de opressão para mulheres, pessoas negras, periféricas e LGBTQIA+. A limitação da mobilidade afeta não apenas a liberdade de locomoção, mas também a autonomia e a expressão criativa dessas populações.
“Muitas mulheres planejam suas rotas com base em fatores como iluminação, movimento de pedestres e presença policial, demonstrando que a liberdade de circulação ainda é um privilégio masculino”, pondera
Cartografia Urbana
Para compreender como essas restrições se manifestam no cotidiano das mulheres, Thaís utilizou a cartografia como método de investigação. Esse mapeamento vai além das ruas e avenidas da cidade; ele busca entender as camadas invisíveis de exclusão que tornam determinados espaços inacessíveis para certos grupos.
“O mapeamento dos trajetos femininos revela que a cidade está longe de ser um território neutro: há lugares em que a presença da mulher é tolerada e outros em que ela é diretamente desencorajada” , explica.
Inspirada em teorias feministas e decoloniais, a cartografia revelou que muitas mulheres evitam locais específicos por medo da violência, moldando seus deslocamentos diários de maneira diferente dos homens.
“Ao cartografar as ausências femininas, evidenciamos os silenciamentos históricos que moldam a arquitetura da cidade e o imaginário urbano”, destaca.
Além disso, Thaís conduziu uma pesquisa-performance na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília (DF), que permitiu que as mulheres abordadas refletissem sobre suas experiências de deslocamento e ocupação do espaço público.