(Gazeta do Povo) A falta de dados sobre investigação e punição dos casos de violência contra a mulher no Paraná chamou a atenção da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga o tema. Senadores e deputados federais estiveram em Curitiba entre domingo e segunda-feira passada para tentar identificar as causas que levam o estado a ter a terceira maior taxa de homicídios de mulheres do Brasil. Um mês antes, a senadora Ana Rita (PT-ES), relatora da CPMI, enviou ofícios a secretarias do Paraná, ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público Estadual pedindo estatísticas a respeito do problema, mas as informações não chegaram ou vieram incompletas.
Hoje, sabe-se que 338 mulheres morreram em 2011 no Paraná por meios violentos, mas não quantas fizeram boletim de ocorrência, quantos casos envolviam violência doméstica e nem quantos agressores foram condenados.
Em entrevista à Gazeta do Povo um dia antes da audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná, Ana Rita cobrou do estado a criação de uma secretaria da mulher, mais delegacias especializadas, casas-abrigo, maior compromisso com a divulgação de dados e um órgão importante para de fato fazer valer a Lei Maria da Penha: a Defensoria Pública. O órgão foi criado neste ano pelo governo do Paraná e ainda está na fase de contratação de pessoal. Acompanhe os principais trechos da conversa:
Em 1992, o Congresso criou uma CPI para investigar a violência contra a mulher. Naquele ano, foram mortas quase mil mulheres. Em 2012, uma nova CPI investiga o mesmo assunto. Por que se matam tantas mulheres no Brasil?
Eu me faço essa pergunta todos os dias. Há o machismo, que é muito forte na sociedade. A grande maioria dos homens não concebe que as mulheres têm direitos, podem trabalhar fora, ter remuneração. O machismo é histórico e está impregnado em alguns homens. E há um ciúme exagerado, que não permite à mulher se arrumar. Ela se arruma para ele, e ele acha que é para outro. Por outro lado, há muita impunidade. Se houvesse aplicação da lei e punição de fato, os homens não fariam isso. Isso precisa mudar.
Qual é o retrato do Paraná que emerge na investigação da CPMI?
O Paraná é o terceiro estado onde mais se matam mulheres, de acordo com o Mapa da Violência 2012, com uma média de 6,3 homicídios para cada 100 mil mulheres. É um índice bem acima da média nacional, de 4,4. E algumas cidades do estado também se destacam, como Piraquara, a segunda mais violenta do país, com 24,4 por 100 mil. É preocupante. O que chama a atenção é que o estado tem um número razoável de equipamentos de atendimento e proteção à mulher vitimizada, ou seja, não dá para entender por que está nessa posição.
Quando a senhora fala “razoável”, é em comparação com outros estados que não possuem quase nada de estrutura, não?
Sim, se você comparar com outros que já visitamos, onde há uma Delegacia da Mulher para o estado inteiro, por exemplo. O Paraná tem 17 delegacias da mulher e nove centros de referência, embora tenha apenas dois juizados de violência doméstica, o que é muito pouco, insuficiente. Então, comparando com outros estados, como o Espírito Santo, que tem apenas um centro de referência, é uma estrutura razoável.
Mas essa estrutura está concentrada na capital e em algumas cidades maiores…
O grande desafio é esse, pois nós sabemos que a violência está indo para o interior. As mulheres têm dificuldades para buscar ajuda, porque as delegacias comuns definitivamente ainda não estão preparadas para fazer esse tipo de atendimento, uma vez que até as especializadas não têm profissionais capacitados e em número suficiente. Com tantos problemas que chegam ali [na delegacia comum], a mulher agredida não tem o atendimento que ela precisa e merece. Até porque não é apenas uma questão de polícia, é um problema social. Ela denuncia não um agressor da rua, mas uma pessoa de dentro de casa.
A CPMI pediu dados ao governo estadual, ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público. Foi atendida?
A falta de dados é um problema sério. Não temos no país um sistema integrado de informações. Os estados ficam desesperados quando encaminhamos os pedidos. Não conseguem nos dar respostas no tempo exigido [30 dias]. No Paraná, apenas o TJ e a Secretaria de Saúde encaminharam dados. E são números básicos: registros feitos em delegacias, inquéritos abertos, denúncias feitas, medidas protetivas concedidas, se houve punição, se o agressor foi preso. [Nota da edição: a Secretaria de Justiça, Direito e Cidadania enviou seus dados pouco antes da audiência pública, um dia depois da entrevista.]
Os dados enviados pelo TJ chamaram a atenção de alguma maneira?
São números preocupantes. Em 2011, foram encerrados no estado 4.307 processos relativos à Lei Maria da Penha, sendo que apenas 237 tiveram sentenças condenatórias. Foram apenas 237 agressores condenados! Outro número: 412 prescreveram, ou seja, ficaram parados, e 581 foram extintos por decadência. Em 1.377 casos, a vítima renunciou, o que demonstra que a mulher não tem apoio do Estado, fica com medo e acaba desistindo.
Que prejuízo a falta de uma Defensoria Pública estruturada causa numa situação dessa?
O dinheiro que o governo gasta para contratar os profissionais da OAB em Santa Catarina, por exemplo, poderia ter estruturado a defensoria daquele estado. O Paraná foi um dos últimos a assinar o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra a Mulher, que prevê a estruturação da Defensoria Pública com um núcleo específico para tratar de violência doméstica. A CPMI vai cobrar isso do estado, porque isso é falta de comprometimento político no enfrentamento da violência contra a mulher.
Outro órgão obrigatório é a Secretaria da Mulher, mas o governo do estado já deu sinais de que ela não será criada, pois já há uma secretaria que cuida da mulher [a da Família e Desenvolvimento Social]. O que acha disso?
Considero importante ter uma secretaria, pois esse organismo fará uma articulação com todas as demais secretarias. A mulher é maioria da população brasileira e ter esse organismo [secretaria da mulher] é fundamental. É preciso que os governos deixem de ver a mulher apenas como mãe. Há a mulher jovem, a trabalhadora, a lésbica, a negra, a idosa.
Acesse em pdf: Mulher agredida não tem a atenção que merece no PR (Gazeta do Povo – 01/07/2012)
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