(Cláudia Trevisan, enviada especial a Linyi, China/O Estado de S. Paulo) Mulheres perdem bebês em cirurgias forçadas e clandestinas para esterilização e aborto, que vêm obrigando o governo a rever o controle de natalidade
Zhang Wenfang já havia entrado no nono mês de gravidez quando foi arrastada de sua casa por uma dúzia de pessoas, colocada em um carro e levada a uma clínica de controle de natalidade, onde recebeu uma injeção que matou seu bebê e induziu ao parto. As contrações só começaram dois dias depois. Apesar dos gritos de dor, ninguém apareceu para ajudá-la e ela desmaiou.
Quando acordou, Zhang estava em um hospital, para onde foi levada quando o aborto se complicou. O feto já havia desaparecido. Além do bebê, ela também perdeu o útero, os ovários e as trompas, retirados sem seu consentimento. Em razão das sequelas da cirurgia mal feita, ela passa a maior parte do tempo em uma cadeira de rodas. Seu marido a abandonou e o filho de 6 anos vive com os sogros.
Tudo ocorreu em 2008. Desde então, Zhang tenta obter compensação e a punição dos responsáveis, sem sucesso. A lei chinesa proíbe abortos depois dos seis meses de gravidez e exige o consentimento da mãe para realização do procedimento em qualquer circunstância.
Apesar disso, casos semelhantes se repetem em toda a China. Os abortos forçados são a face mais escandalosa dos abusos cometidos em nome da política de filho único, mas os atos de violência incluem a detenção de familiares de mulheres que se recusam a interromper a gravidez, extorsão, agressões, torturas e até assassinatos.
Zhang decidiu falar publicamente de seu caso depois da repercussão provocada pela foto de uma mulher ao lado do feto de sete meses retirado de seu útero contra sua vontade. A imagem circulou na internet e deu origem a uma onda de críticas ao controle de natalidade. Em resposta, o governo anunciou o afastamento dos responsáveis pela política de filho único no local, mas a punição dos que cometem abusos é rara.
Nenhum dos funcionários que obrigaram Zhang a abortar perdeu o emprego ou recebeu qualquer tipo de sanção. Alguns foram transferidos para a cidade, o que significa uma promoção. A camponesa recorreu a autoridades em Pequim e conseguiu falar com um funcionário da Comissão Nacional de Planejamento Familiar, que não acreditou na história. “Ele me disse que abortos de fetos com mais de seis meses não podem ser realizados, não importa quantos filhos a mulher tenha”, disse Zhang em entrevista ao Estado.
Fang Zhong Xia já tinha duas filhas quando engravidou, em 2005. Sabendo do risco de ser arrastada para um aborto forçado, ela fugiu com o marido, Fang Zhong Gan. Para obrigá-los a voltar, os chefes locais do controle de natalidade prenderam 22 de seus parentes e vizinhos, entre os quais três crianças e uma mulher grávida.
Sob pressão, ela foi obrigada não só a abortar, mas a fazer a cirurgia de esterilização. “Eles me disseram que se eu não concordasse, meus parentes não seriam libertados”. Além disso, a família teve de pagar uma espécie de fiança, chamada de “taxa de estudos”, para libertar os detidos. Na época, foram 100 yuans por criança e 200 yuans para cada adulto, em um total de 2.200 yuans (R$ 654), quase 70% da renda média anual no campo em 2005. “Eu gastei todas as minhas economias”, lembra o marido.
Desde então, os Fang tentam obter compensação pela perda do filho, a esterilização forçada, as prisões e o pagamento da “fiança”, sem sucesso. O casal vive na vila de Maxiagou, a poucos quilômetros da vila de Dongshigu, de Chen Guangcheng.
Ambas estão localizadas na cidade de Linyi, em Shandong, que ganhou fama em 2005, quando Chen expôs milhares de casos de abortos e esterilizações forçados. “Espero que ele volte, porque dependemos dele para resolver nossa situação”, afirmou Fang, que, em 2006, foi com outras vítimas de abusos tentar acompanhar o julgamento do ativista, mas nenhuma das mulheres conseguiu entrar na corte.
Outra camponesa de uma vila vizinha, que preferiu não se identificar, disse que a violência diminuiu a partir de 2005, depois das denúncias de Chen, mas voltou a se intensificar em 2009, quando ele estava na prisão.
Graças ao relaxamento da política, ela levou até o fim a gravidez do terceiro filho, hoje com 4 anos. A camponesa tem duas filhas, de 12 e 7 anos, e teve de pagar multa de 80 mil yuans (R$ 26 mil) por violar as regras do controle de natalidade. A família pegou dinheiro emprestado de parentes, para os quais ainda deve 20 mil yuans (R$ 6,5 mil).
Depois de cumprir a pena, Chen foi confinado por 19 meses em sua casa em Dongshigu. O ativista fugiu em abril e foi para a Embaixada dos EUA. No dia 19 de maio, ele, a mulher e os dois filhos foram para Nova York, onde Chen estudará Direito.
Acesse em pdf: Escândalo abala política de filho único na China (O Estado de S. Paulo – 08/07/2012)