Jurista e psicóloga falam do aumento de registros com a crise econômica
(Jornal do Brasil, 11/02/2017 – acesse no site de origem)
Conflitos raciais, étnicos e desigualdade estão entre as causas mais determinantes para o aumento da violência na sociedade. Mas com a crise econômica, outro fator tem aparecido com destaque no âmbito doméstico: o desemprego. A juíza do Tribunal do Justiça do Rio, Adriana Mello, conta que as mulheres são as mais prejudicadas em momentos como este. “Nesse contexto de desemprego, posso afirmar que existe mais ocorrência de violência doméstica”, diz.
Recentes dados do IBGE apontam que a taxa de desemprego no país chega 12%. Somando este total com o volume de desempregados que já desistiram de procurar trabalho, chega-se a cerca de 20 milhões de desempregados no país.
A condição fragilizada da mulher diante de uma sociedade patriarcal, e a dupla jornada de trabalho que determina, para além do trabalho externo, o cumprimento de papel como mãe e doméstica, prejudicam ainda mais a condição da mulher em momentos de crise. “Precisamos mesmo é romper com essa raiz. E só é possível fazer essa ruptura com educação. O sistema de punição trabalha com o efeito e não com a causa”, disse Adriana Mello.
Em um estudo realizado na Delegacia da Mulher de Florianópolis, feito através da Universidade Federal de Santa Catarina em 1999, Lilian Mann dos Santos demonstra a situação econômica como fator agravante da violência doméstica e dá destaque para conclusões referentes à Alba Zaluar (1992) e Sérgio Abranches (1994): “Não é apenas a pobreza absoluta, mas, principalmente, a existência de profundas desigualdades sociais que podem gerar um campo propício para a violência”.
Em uma sociedade como a brasileira, marcada por profundas desigualdades, e uma cultura ainda extremamente patriarcal, essa situação se acirra. A última pesquisa realizada pelo IBGE no terceiro trimestre de 2016 mostra que a situação econômica continua bem ruim no Nordeste, que tem o nível mais alto do país com 13,2%, logo em seguida aparecem o Sudeste (11,7%), o Norte (11,2%), Centro-Oeste (9,7%) e, por último, o Sul do país (8%).
“O Brasil hoje tem um índice altíssimo de desemprego, e isso obviamente repercute dentro do lar. Nessa situação, o homem fica mais suscetível a agressividade, e a mulher acaba sofrendo as conseqüências”, explicou a juíza.
Para além das fronteiras brasileiras, é possível citar que em quase oito anos após a grande recessão dos Estados Unidos da América, só recentemente cientistas sociais tiveram dados suficientes para calcular como a crise afetou as famílias americanas para além da economia. Um documento publicado no jornal Demography em março de 2016 faz uma profunda análise em relacionamentos para mostrar que a dificuldade e a incerteza econômicas aumentaram as taxas de violência de parceiros íntimos, definidas como abuso por meios violentos ou de controle.
As pesquisas descobriram que, se uma mulher ou seu parceiro estavam desempregados, a probabilidade de que ela experimentasse a violência aumentou em quase um terço, de 10% para 13%.
“O fator desemprego é desencadeador dessa violência. Mas é claro que isso não justifica a violência. É um fator social, e momentâneo, mas o que está por trás disso é a cultura patriarcal”, disse Adriana, que completa: “Todo ser humano tem direito a uma vida livre da violência e da dominação perante a lei e perante a sociedade como um todo”.
Cristina Werner é psicóloga, terapeuta de casal de família e presidente do Instituto de Pesquisa Heloisa Marinho. Ela explica que a violência não deve ser justificada, mas que é preciso entender suas causas.
“Apesar de o mundo ter evoluído bastante, ainda existe um ideário machista, principalmente na faixa etária acima de 40 anos, de que a mulher ainda é responsável pelas tarefas domésticas e maternas e os homens ainda são responsáveis pelo sustento da casa. Quando esse desemprego afeta a figura masculina, esse homem sofre pressão interna, às vezes, inclusive, de sua parceira, mas também uma pressão externa da sociedade”, contou.
Ela conta que com sua experiência como terapeuta de casal, é mais do que comum assistir a mulheres que veem como natural a posição do homem como responsável fiscal do lar, uma condição, Cristina ressalta, que foi propiciada pela cultura e não pela “natureza”, como é sugerido.
“O homem fica desempoderado diante da mulher. As pessoas precisam do dinheiro para sua manutenção física, e consequentemente emocional. É um fator agravante porque as pessoas saem de uma situação de conforto e segurança, para uma situação totalmente adversa de incerteza com relação ao futuro. Isso se agrava quando os dois estão desempregados. E por fim, deve-se levar em conta a responsabilidade por filhos e idosos, quando é o caso”, acrescentou a psicóloga.
Importante frisar que Cristina não defende de maneira alguma a violência, mas destaca para a importância de trabalhar a ideia de que o desempregado não é um fracassado, e sim uma vítima de um sistema que está em crise.
“Qualquer um de nós pode cair na ceia do desemprego. O desemprego é muito mais social do que pessoal. E se a autoestima desse desempregado cai muito, ele não vai ter vontade de buscar uma recolocação. E mais: se esse homem se sente muito acuado, cobrado e pressionado, ele vai buscar diversas formas de reagir, uma delas é a agressão”, disse.
Cristina explica que a mulher também pode ficar agressiva em situação de desemprego, e isso pode gerar consequências, principalmente para os filhos, na certeza de que não será revidada. O homem, segundo a psicóloga, sente a necessidade de mostrar domínio sob o uso da força, “já que ele não é respeitado na condição de desempregado”. “É uma forma de ele se colocar como homem da casa – quem manda sou eu”, explicou. Ela finaliza dizendo que é impossível ter uma dimensão do que essa recessão pode causar nas gerações futuras, como foi exemplificado na pesquisa norte-americana.
“Quando a mulher descarrega nos filhos, por exemplo, esses filhos vão aprender – uma vez que eles são mediados pela violência, mesmo quando espectadores da violência entre seus pais – a mediar os seus conflitos não através do dialogo, mas através da força física. É uma conseqüência futura imprevisível”, completou.
Rebeca Letieri