A cada 27 horas, um caso de injúria racial é registrado no Distrito Federal

07 de maio, 2015

(Correio Braziliense, 07/05/2015) As quase mil ocorrências de injúria registradas nos últimos três anos mostram a frequência com que negros sofrem ofensas na capital federal. A maioria dos casos ocorre no Plano Piloto, em Taguatinga e Ceilândia

Foram 944 ocorrências contabilizadas entre 2012 e o ano passado. Brasília, Ceilândia e Taguatinga estão entre as cidades com mais registros em 2014. Os dados fazem parte de um relatório da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF (Semidh) com base em ocorrências registradas na Polícia Civil.

A Semidh ainda não fechou o levantamento de 2015, mas o caso mais recente é o da jornalista Cristiane Damacena, xingada depois de postar um retrato em uma rede social. A injúria racial foi registrada na 26ª DP (Samambaia), onde a vítima prestou depoimento ontem à tarde. Segundo investigadores do caso, a jovem estava abalada e nervosa e afirmou desconhecer os responsáveis pelos xingamentos A investigação ainda não conseguiu apontar suspeitos. Só no ano passado, foram 303 ocorrências como a dela. Em 2013, 338; e em 2012, ano de lançamento do Disque-Racismo (156), 303.

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Foram tantas situações de racismo vividas pela estudante Priscila de Fátima dos Santos, 26 anos, que ela tem até dificuldade para listá-las. Em um dos casos, porém, ao prender o cabelo trançado com rastafari, um homem ao lado dela disparou: deve ter muitos piolhos. “Eu fiquei tão nervosa que não consegui nem reagir do jeito que deveria”, lembra. A intolerância por ela ser negra começou quando era ainda pequena, na escola. “Chamavam-me de macaca, de feia. Eu não sabia como reagir e era agressiva. Hoje, aprendi que preciso revidar com inteligência. Não posso juntar a ignorância dessa pessoa com uma ignorância minha”, explica.

Priscila de Fatima dos Santos_injuria racial

“(Na escola) Chamavam-me de macaca, de feia. Eu não sabia como reagir e era agressiva. Hoje, aprendi que preciso revidar com inteligência. Não posso juntar a ignorância dessa pessoa com uma ignorância minha”, Priscila de Fátima dos Santos, 26 anos, estudante

Além de negra, Priscila é umbandista. Com isso, segundo ela, o preconceito de alguns grupos é ainda maior. “Vai muito de o governo não trabalhar bem a cultura negra do Brasil ainda nas escolas”, reclama. A avó dela era neta de escravos, e o avô, neto de indígenas. “Quando eu era criança, a minha família não trabalhou comigo essa questão de ser negra. Eu sempre gostei do meu cabelo enrolado, mas chegaram até a alisá-lo. Há nove anos, uso natural. Mas não é só o cabelo. É preciso ter orgulho”, afirma.

O empresário Milton Santos, 26 anos, tem restaurantes na Asa Sul e no SIA. Está sempre em um deles e conta que, por algumas vezes, ao recepcionar os clientes, alguns entregaram a chave do carro, pois acharam que ele seria o manobrista. “Não importa se você está bem-vestido. As pessoas se acostumaram a relacionar negros com serviço braçal. Foi criada uma regra de que negros não podem ser bem-sucedidos. Isso está bastante penetrado na sociedade há muito tempo”, lamenta.

Para ele, essa intolerância pode acabar, ou, pelo menos, diminuir, mas não será da noite para o dia. “É preciso começar com as crianças, desde a educação no colégio, com a inclusão racial. Sem perceber, as crianças são condicionadas a achar que bonito é cabelo liso e pele branca. E a culpa disso tudo é de um padrão estabelecido há muitos anos.”

A última lembrança do vendedor Wallacy Henrique Vieira da Silva, 21 anos, como vítima de racismo é da infância, no Recife. “Eu brincava com os netos da minha vizinha, e ela ficava me chamando de macaco. Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo”, conta. Depois disso, Wallacy nunca mais sofreu com o preconceito. “Graças a Deus. Tenho muito orgulho da minha cor e da minha história. Hoje, sei bem como me defender, mas é preciso estar tranquilo para reagir em casos como esses.” Ele reclama que quem pratica o racismo se vale das leis brandas.

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156 Número do Disque-Racismo

O que diz a lei

Existem duas figuras jurídicas que tratam do preconceito racial no Brasil: o racismo e a injúria racial. No primeiro, os casos ocorridos no país são julgados de acordo com a Lei nº 7.716/89 do Código Penal Brasileiro. São 20 artigos que qualificam os atos, como impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escadas de acesso. Mas é o 20º artigo que define o crime de racismo: implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo de pessoas ou coletividade, seja a atitude caracterizada como prática, indução ou incitação. É imprescritível e inafiançável, com pena de reclusão de 1 a 3 anos, além do pagamento de multa. A definição jurídica de injúria racial cita a ofensa à honra de um indivíduo, usando termos depreciativos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Enquadra-se no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. A pena, nesse caso, vai de 1 a 3 anos e multa. Em ambas as situações, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.

Kelly Almeida

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