A ideia, propagada durante a pandemia de covid-19, de que “não estamos todos no mesmo barco” se aplica perfeitamente à noção daquilo que advogamos enquanto justiça climática. Alguns de nós têm barcos pequenos, outros têm barcos furados; sem remo ou apoio. Outros se quer têm como flutuar.
Não podemos nos esquecer da recente tragédia vivida por centenas de famílias que foram desalojadas e desabrigadas e perderam 65 entes queridos no Litoral Norte de São Paulo, durante o Carnaval. Onde essas mulheres, homens, crianças e adolescentes moravam? Nas encostas dos morros, lugares de riscos de deslizamentos e alagamentos, onde, quando se chove muito, “se perde tudo” – uma gravíssima violação do direito à vida e à moradia adequada.
Nós não podemos mais assistir, inertes, aos impactos das mudanças climáticas sem reconhecermos o seu principal padrão, o qual se ancora nas histórica e estruturais desigualdades presentes na sociedade brasileira: as mulheres, a população negra, os povos indígenas, as comunidades tradicionais e de favelas, principais atingidos por estes eventos extremos, sofrendo os danos mais severos e graves. O silêncio sobre as pedras, escombros e as perdas de centenas de mulheres negras nesses eventos extremos é ensurdecedor, ecoando para todos os cantos.
No Brasil, um recente levantamento da Defesa Civil Nacional expôs que existem aproximadamente 14 mil pontos de risco altíssimo de desastre geológico e 4 milhões de pessoas morando nessas áreas. Mais uma vez repetimos: quem são essas milhões de pessoas? O prenúncio da tragédia não escolhe por acaso suas vítimas. Estava ali, sempre esteve e, na ocasião, recebendo seus devidos adjetivos, o racismo ambiental, que nada mais é do que uma representação do racismo estrutural, que relega às populações inferiorizadas a ambientes degradados, poluídos, arriscados, submetendo a população negra a mais barreiras, ampliando sua exclusão e provocando profunda violação de direitos humanos. Jamais alcançaremos justiça climática sem a garantia de justiça racial e de gênero!