Levantamento mostra que em 2024 agressões contra mulheres indígenas foram 145% maior do que em não-indígenas no Maranhão
Uma mulher indígena tem 2,4 vezes mais chance de sofrer algum tipo de violência do que uma mulher não-indígena no Maranhão. Quando tratamos de dados absolutos, o índice de violência contra mulheres no Estado é de 117,5 por 100 mil habitantes. No caso das mulheres indígenas, são 288 vítimas a cada 100 mil, ou seja, um valor 145% maior.
A violência não atinge apenas as indígenas com mais frequência. Os dados relacionados à população geral do estado apontam 89 casos a cada 100 mil habitantes. Para a população indígena como um todo, o índice sobe para 157, uma diferença de 75%. As informações são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ligado ao Ministério da Saúde e relativos a 2024. O sistema é alimentado por informações colhidas por agentes da Saúde, considerando a autodeclaração do indivíduo.
Os números da violência contra indígenas no Maranhão incluem quatro feminicídios registrados em 2024. Neste ano, houve mais uma ocorrência, no mês de janeiro. Além dos assassinatos, foram anotados casos de estupro, de violência doméstica e de lesão corporal.
Em 2024, 211 indígenas foram assassinados no Brasil, sendo 52 mulheres. O dado é do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil (Cimi).
Foram 37 ataques violentos contra comunidades indígenas registrados em 11 estados do país, segundo o mesmo relatório.
Agressão contra corpos e territórios é a mesma
Segundo a professora de sociologia Ana Caroline Amorim, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), são os anos de colonização repleta da lógica do patriarcado ocidental que invade as aldeias e transforma os modos de vida dessa população. “Bem como a compreensão da violência de gênero, uma vez que nas sociedades indígenas a divisão sexual do trabalho se faz de forma complementar”, mas está sendo atravessada pelas hierarquias que historicamente foram impostas aos povos originários.
Pjhcree (lê-se Picrê) Akroá Gamella, que se autodenomina uma defensora popular das mulheres indígenas, acredita que essa violência é um sintoma do mesmo fenômeno que envolve a invasão de territórios, o desmatamento, o envenenamento por agrotóxicos e o desrespeito às tradições. Para as mulheres indígenas, corpo e território são uma coisa só.
“Se uso um trator e reviro a fonte da juçara que existe há décadas no meu território, escavei um buraco na barriga de uma mulher e de um monte de criança ao tirar a maior fonte de alimentação delas. Quando compro um monte de búfalos e coloco no campo onde eu e meus filhos pescamos, matei não só os meus filhos, mas os filhos de outras mulheres”, afirma Pjhcree.
Esse entendimento, que amplia a definição de corpo e abrange as agressões ao território, é “difícil de ser acessado por não-indígenas”, segundo a avaliação de Ana Caroline Amorim.
Para Pjhcree Akroá Gamella, a violência tem se espalhado como forma de adoecimento dos corpos e dominação dos territórios, que, mais uma vez, se mostram como uma coisa só.
É o que também explica Taynara Caragiu, enfermeira indígena e responsável técnica do Polo-Base do município de Santa Inês. Para ela, os efeitos da colonização se manifestam nas invasões e explorações territoriais estabelecidas e organizadas de forma hierárquica e violenta, mantendo as populações indígenas, em especial as mulheres, em situação de vulnerabilidade. “A violência não é da cultura indígena, mas resultado do machismo do patriarcado, que é resultante da colonização”, avalia a enfermeira.
O Polo-Base de Santa Inês faz parte do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Maranhão. O distrito é formado por seis polos-base e 37 equipes (compostas por profissionais como enfermeiro, técnico de enfermagem, agente indígena de saúde, agente indígena de saneamento, médico e dentista). Esse número, entretanto, não alcança toda a população autodeclarada indígena do estado. Apesar de a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) prever um atendimento especializado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), quem não está nos territórios especificados, ou em áreas urbanas, acaba sem atendimento.