Cyberstalking
Embora nem sempre tais práticas se dêem com intenção de satisfação sexual, são cada vez maiores seus usos nesse contexto, tal como informado pelo relatório citado. Dados da ONG SaferNet, dedicada à segurança na internet, mostram que as denúncias de violência e discriminação contra mulheres em sua Central Nacional de Crimes Cibernéticos cresceram 21,27% em abril de 2020, em relação ao mesmo período no ano passado, apresentando 667 registros.
Por se dar no meio virtual, a gravidade desses atos é maior, uma vez que possibilita a comunicação à distância, o contato com pessoas absolutamente desconhecidas, além de uma falsa percepção de anonimato, se desejado, e da possibilidade de praticar os atos sem a presença física da vítima a qualquer momento. Utilizando-se da internet é possível vasculhar toda a vida da vítima, além de difamar, com palavras, filmagens e fotos, tornando os danos muito mais vastos e, os efeitos, mais permanentes.
Os efeitos nefastos causados às vítimas já são amplamente estudados pela Psiquiatria e pela Psicologia, mas ainda não foram completamente assimilados pelo Direito de forma a definir formas mais seguras de proteção e mais coerentes de reparação à vítima. A despeito de possível condenação ao pagamento de indenização no âmbito cível, os Tribunais começam a apontar novas possibilidades na seara criminal. Em janeiro deste ano, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo enquadrou um caso de cyberstalking como crime de violência doméstica, mesmo
não havendo qualquer relação de afeto entre as partes.
No caso analisado para a decisão, um rapaz, então com 18 anos, perseguiu uma garota de 13 anos nas redes sociais e também em locais que ela frequentava, criando uma vastidão de perfis falsos, com os quais, ameaçava a jovem. A decisão inédita do TJ/SP é ponto fora da curva, pois, ao considerar a conduta como violência doméstica possibilitou a aplicação das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha.
A resposta estatal começa a se desenhar, mas não consideramos que indenização e/ou eventual prisão tenham o condão de enfrentar verdadeiramente a questão. Prisão escalona os níveis de violência aos quais o agressor tem contato e indenização não propõe uma compreensão mais profunda sobre a violência operada.
O virtual é o novo meio de regulação, culpabilização e exposição do corpo das mulheres e qualquer resposta estatal que esteja desconectada da compreensão social da cultura de violência contra a mulher na sociedade brasileira, que se perfez sobre a construção simbólica de uma superioridade masculina, será mais do mesmo: caro para o Estado e inócuo para a sociedade.
*Thaís Pinhata. Advogada Criminalista. Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ.
*Raquel Rosa. Advogada criminalista, mestre em Direito pelo UFRJ. Coordenadora do Projeto de Extensão Mulheres Encarceradas da FND/UFRJ. Pesquisadora do Laboratório de Direitos
Humanos da UFRJ.