Entrevista: ‘Se eu abrir mão dos meus sonhos, como vou ensinar meus filhos a perseguir os deles?’, diz Marina Silva

23 de julho, 2025 O Globo Por Maria Fortuna

Em ‘luto’ após a aprovação do PL do licenciamento, responsável pela área no governo Lula diz compreender as ‘contradições em vários aspectos’ de uma ‘frente ampla’, fala da vida pessoal e relembra a trajetória dura

Marina Silva não dormiu. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima havia passado a noite acompanhando a votação do PL do licenciamento ambiental, apelidado de PL da Devastação, aprovado na madrugada da última quinta-feira. Foi com o gosto amargo da derrota que ela chegou à redação do GLOBO cedinho, num “dia de luto e de luta”, como definiu. Entre goles de água bem quente, participou do videocast ‘Conversa vai, conversa vem’. Na entrevista completa, que vai ao ar nesta terça-feira, às 18h, no YouTube do jornal, a ministra apresenta posições sobre assuntos da sua pasta e revela bastante sobre a mulher por trás do cargo.

O que é ser mulher na política hoje?

Um grande desafio que sempre teve posto com as pioneiras Jandira Feghali, Marta Suplicy, Benedita da Silva, Heloísa Helena, eu. Antes, não conseguíamos nomear a maior parte do que tínhamos que enfrentar. Hoje, tem nome: violência política de gênero. Havia a tentativa de nos impor um código de comportamento para ser ouvida. A duras penas, fomos descobrindo nossa própria linguagem. Arte, psicanálise e espiritualidade me ajudaram a participar da política sendo eu mesma. Sempre tive problemas de saúde e lido com essas fragilidades.

Toma muitos remédios?

Não, só o da pressão.

Estar na política é ter que engolir sapo. No seu caso, mais ainda?

Quando se tem uma causa, paga-se o preço duplo porque há um ataque em função desse contexto. Hoje, ninguém quer engolir o veneno dessas pessoas. Digo pessoas porque o sapo é um bichinho importante. O veneno dele é para se proteger. O pior dos venenos é produzido pelo ser humano, que sabe o mal que produz no outro. Quando atacam mulheres, indígenas, pessoas pretas e a população LGBTQIA+ revelam o veneno que não faz laço social.

Recentemente, a senhora deixou uma sessão do Senado após sofrer ataque que expôs machismo e misoginia de alguns homens que protagonizam nossa política. O que esse episódio diz sobre o Brasil?

Mostra o que acontece o tempo todo no espaço que se fez a Constituição, que diz que todos os brasileiros são iguais. As mulheres não são tratadas como iguais. Quando uma mulher fala com firmeza, a primeira coisa que ouve é “calma”, como se fosse questão de ter perdido o controle. Quando um homem é incisivo, é tratado como contundente. Tem algo mais perverso: quando se denuncia a violência política de gênero, racismo, machismo, misoginia, dizem que é vitimização, “mimimi”. É uma forma de esconder o ato. A violência política de gênero é crime. É tolerância zero com esse tipo de atitude.

Em 2008, pediu para sair do governo por não conseguir avançar com a pauta ambiental. Está mais apaziguada com suas limitações no cargo? Aprendeu a lidar com as contradições do governo?

São contextos diferentes. Em 2003, cunhei a ideia de que a política ambiental não deveria ser setorial, mas transversal. Não adianta o meio ambiente proteger enquanto transporte, agricultura e indústria não fazem a sua parte. Isso era entendido por ninguém, mas conseguimos aplicar o conceito no plano de prevenção e controle de desmatamento, onde Lula teve a coragem de dizer que era de treze ministérios. Foi corajoso porque ninguém nunca quis desmatamento perto de si. Agora, é um governo de frente ampla com contradições em vários aspectos, o que é legítimo numa sociedade que se uniu em torno da defesa da democracia. Tenho essa compreensão.

Me disseram que a senhora fala a seguinte frase: “Sônia Guajajara tem o poder do cocar. Eu tenho o poder do coque”. Que poderes são esses?

Brincam: “Marina, solta esse coque”. Digo: “Não, o coque é o meu HD externo”. Sonia, Anielle (Franco, ministra da Igualdade Racial), Macaé (Evaristo, ministra dos Direitos Humanos e Cidadania) são poderosas. Nísia Trindade como primeira mulher ministra da Saúde em mais de 70 anos, Simone Tebet, no Planejamento, também… Trazemos o feminino, mas temos também nossa estética particular, sempre atravessada pela ética dos valores.

Quando cheguei no Senado, ainda usava o cabelo solto. Uma pessoa falou para um assessor meu: “Olha, vocês precisam levar essa senadora na loja tal para que ale compre um tailleurs, uns blazers, ela se veste muito mal, aquelas roupinhas dela, meio hippie…”. Ele respondeu: “Mas são as coisas que ela gosta”.

Olha como é engraçado a autoridade de quem fala… A Danuza Leão fez uma matéria dizendo: “A Marina é a pessoa que se veste melhor no Senado”. No outro dia, encontro essa mesma pessoa no corredor, que me disse. “Ministra, a senhora viu a matéria da Danuza Leão? Eu sempre disse que a senhora se vestia muito bem…”. Por que? A autoridade da Danuza falando que aquela estética era bonita fez aquela pessoa, imediatamente, querer se associar a ela.

Mas a singularidade da estética tem a ver também com a ética.

A ética do cocar nas mulheres é, inclusive, uma forma de empoderamento delas dentro das tribos. E isso tem mudado muito. Hoje, a maioria das lideranças que tem visibilidade política, você já notou que são mulheres? Os indígenas aprenderam muito rápido essa força poderosas das mulheres. Infelizmente, o mundo que se diz civilizado, e o conceito de civilização é muito complexo, os povos indígenas também são uma civilização… Não existe comparações entre essas duas coisas. É uma estética atravessada pela ética do empoderamento das mulheres indígenas. Elas também, e não só os homens, usam o cocar.

Neta de parteira, filha de seringueiro que fazia as contas dos companheiros para evitar que fossem enganados pelos patrões, e de mãe que costurava para todos, além de sobrinha de xamã, que cuidava de todos. Sua consciência social e de comunidade veio daí?

Com certeza. Nasci numa comunidade de serviço e encaro a política como serviço. Vivíamos isolados num regime de semiescravidão. As pessoas iam lá em casa pedir ao meu pai que escrevesse cartas para enviarem, sobretudo, para o Ceará, porque não sabiam escrever. Minha mãe fazia da mortalha a roupa do batismo e de casamento em sua máquina Zinger para todos e não cobrava nada. Minha avó fazia o parto de todo mundo.

E seu tio xamã tio curava ‘panema’, que quer dizer azar, não é isso?

Isso. Aliás, você lembrou bem: na floresta, naquele tempo, os códigos míticos de proteção da natureza funcionavam muito bem porque você tinha, para cada transgressão contra a natureza, uma entidade que punia o transgressor. O Curupira punia quem destruísse a floresta, quem matasse os animais para além daquilo que era para subsistência. Dizia-se que mãe d’água afogava a canoa se você pegasse mais peixe do que era necessário para comer. O ‘rasga mortalha’ dava sinais de que você poderia já estar indo para uma melhor. É uma ave que passa em cima da casa, e a gente chamava essa coruja de rasga mortalha.

De fato, esse código mítico funcionou durante muito tempo, até que chegaram as motosserras, os corretores. E foi-se substituindo a exploração da borracha, da castanha, das fibras, das folhas engenhosas, do extrativismo tradicional pelas grandes fazendas. E tudo isso não tinha mais como funcionar. Mas uma das coisas interessantes desse código mítico de proteção da natureza era onde o meu tio entrava.

Às vezes, as pessoas poderiam cometer alguma contravenção, e aí elas ficavam ‘panema’, ficavam com azar e tinham que fazer todo um ritual de purificação. E o meu tio fazia esses rituais de purificação.

A senhora enfrentou muito cedo esse resultado de, digamos assim, se bulir com a floresta. O surgimento de doenças e tal. A leishmaniose deixou uma cicatriz no seu nariz. Perdeu uma irmã para a malária; outra para o sarampo. Como a realidade da vida por um fio te moldou?

Me vejo no espelho, e essa cicatriz é uma lembrança de um gesto de profundo amor do meu pai, que caminhou 22 horas para conseguir o remédio. Foram 45 injeções à base de antimônio, quando me contaminei. Foi antimônio e não mercúrio que me contaminou. Era uma criança, e poderia ter ido a óbito. Quando essa doença é em cartilagem, pode destruir o rosto de uma pessoa.

Sua mãe morreu de aneurisma, mas agentes de saúde acharam que era meningite e queimaram a sua casa com tudo dentro por causa do risco de contaminação. Como foi se ver, aos 14 anos, sem mãe e sem nada?

Me marcou profundamente. Minha mãe era o esteio da família. Morreu aos 36 anos. Meu pai tinha ficado paralisado. Minha irmã mais velha, alheia. Foi um choque. Era como se a tivéssemos ao relento e sem a nossa mãe. Pude descobrir que o nosso maior teto era o amor que sentíamos uns pelos outros. Foi como se tivesse anestesiado a dor. O ser humano encontra caminhos para sobreviver a traumas. Me joguei na frente de tudo para dar organização. Meu pai ficou deprimido. A gente vivia da extração do látex e da roça de subsistência. Mas precisávamos comprar algumas coisas. E fomos nos endividando. Um dia, começou a fofoca de que meu pai não estava pagando as contas. Aquilo era vergonhoso para mim. Tínhamos um paiol de arroz, e eu ia bem cedo para bater arroz. Quando perguntavam quem tinha feito aquilo, eu respondia: “Meu pai”. Queria honrar o nome dele.

A senhora vem de uma família matriarcal. Quem dava as ordens na casa era a sua mãe. Como foi quando descobriu que a toada do mundo era patriarcal?

Estranho. Vivíamos isolados, e eu sabia que outras famílias não eram como a nossa. Até porque, falavam do meu pai: “Pedro é mandado pela mulher”. Quando cheguei na cidade, vi o discurso de “mulher não pode fazer isso ou aquilo” em todos os lugares. O estranhamento contra as pessoas pretas… Minha mãe era branca, meu pai, preto. Eram apaixonados, e ela torcia para que nós fossemos pretos que nem o meu pai.

Como se forma o matriarcado? Não sei. É um processo, uma estrutura, uma linguagem. Meu pai brincava que a única vez em que desobedeceu minha mãe, não deu certo. Queria ir para Manaus e não deu. Aí, fomos para Belém, tivemos que voltar trazidos pelo nosso patrão. Ficamos endividados. E diziam: “Pedro nunca mais vai pagar essa conta e teve a infelicidade de só ter filha mulher”. Minha mãe chamou a gente e disse: “Vamos mostrar que vocês não são um problema na vida do seu pai, vocês vão aprender a cortar seringa”. Cada uma ia para uma estrada. Em dois anos, pagamos a conta, ainda tiramos saldo e viramos as moças mais famosas do seringal.

A maioria era de homens no seringal, com a senhora e as suas irmãs adolescentes. Existia o medo de um abuso iminente?

Esse medo atravessava o tempo todo as nossas consciências. Nossa mãe se preocupava muito, aconteceram alguns casos. Era assustador ouvir homens bem mais velhos dizendo “quando ela crescer, vou pedir em casamento”. Minha mãe dizia que, se ouvíssemos algum barulho ou alguém chamasse, não era para ir. Uma vez, foi engraçado… Meu pai sempre falava do canto do Uirapuru. Um dia, a gente escutou um assobio, e minha irmã perguntou: “Quem tá aí?”. Silêncio. Depois, começava de novo. Saímos correndo com medo. Contamos em casa e meu pai falou. “Correram com medo do Uirapuru”.

A senhora aprendeu a ler aos 16 anos. Nesse momento, fez se a luz? Quem faz a cabeça de Marina Silva em termos de literatura? E na música?

Tem um conto do Guimarães Rosa que me toca profundamente: “Nenhum, nenhuma”. Uma música importante na minha vida, é “Respeita Januário”, do Luiz Gonzaga. Aprendi matemática com meu pai para não ser enganada no preço da borracha e das mercadorias. Aprendi a falar de maneira letrada ouvindo novelas do rádio da Ivani Ribeiro, do Benedito Ruy Barbosa. Toda vez que falava com o povo da cidade, minha mãe dizia que eu estava falando como gente besta. Estudei, voltei para casa e pensava: “Tenho que aprender a respeitar o modo de se expressar da minha família, não ficar corrigindo”. O saber narrativo é tão importante quanto o conhecimento letrado. Luiz Gonzaga entrava no universo da minha formação, da minha raiz. “Luiz, respeita os oito baixo do teu pai”. Aprendi a respeitar os oito baixos das minhas raízes, da minha família, da minha cultura. Tenho orgulho de navegar nos dois universos: o saber narrativo das comunidades tradicionais e esse saber letrado que, como eu disse, se encontram, se atravessam, não se excluem.

É pós-graduada em teoria psicanalítica. Como foi o encontro com a psicanálise?

Foi em 1982, diante de uma situação estranha. Estava grávida de cinco meses e fazia um calor horrível no Acre, como sempre. Entrei no banheiro, minhas amigas estavam se arrumando antes de pegar o ônibus, e eu as escutei falando: “Marina não gosta da família dela, essa mulher faz tanta coisa porque não gosta do marido e dos filhos”. Comecei a chorar e tampava a boca porque não queria que elas percebessem que eu tinha ouvido. Então, penso: “Quero defender a natureza, a justiça social, que pare a violência contra seringueiros e indígenas, e a mensagem é a que não gosto da minha família?”. Fui para uma biblioteca com livros de psicologia. Abri um que dizia: “O amor por uma pessoa que não é acompanhado de um profundo amor pela Humanidade pode ser tudo, menos amor”. Aquilo me deu à luz.

Mas não é fácil conciliar tudo. Como é que a Marina mãe de quatro e companheira do Fábio Vaz de Lima? É brava?

Aprendi com o meu pai a ter uma braveza serena sem precisar ser histriônica. Conciliar não é fácil. A gente é feito de contradições, as escolhas que fazemos marcam as pessoas com as quais temos responsabilidade, relações afetivas. Mas se abrir mão dos meus sonhos essenciais, como vou ensinar para os meus filhos que eles têm que perseguir os sonhos essenciais deles?

E um filme que te marcou?

Um filme, e também livro, que me marcou muito foi “A Cor Púrpura”. Coloca todo aquele dilema do que que era a escravidão, o racismo, todas as formas de opressão que existiam contra as mulheres, contra as pessoas pretas naquele contexto. Isso me marcou muito. O livro, para mim, era mais potente, como sempre, na maioria das vezes. Mas poder fazer esse encontro entre a imagem e a acústica do que estava sendo descrito foi muito potente na minha vida. Então, sempre tomo isso como um referencial.

Mas ainda sobre Guimarães Rosa…

Quando eu saí do PT, em 2009, me aproximei da obra do Guimarães Rosa. Na hora de me filiar ao PV, citei a poesia desse conto, que diz assim: “Será que um dia, quando a gente se separar, você será capaz de continuar gostando de mim, e gostando e gostando? Como é que a gente sabe?” Antes do ato de filiação, estava com minhas filhas no hotel. Para economizar, a gente ficou um bocado de gente no quarto.

Minha filha disse: “Você está chorando tanto que não sei como é que vai ser”. Foi uma vida toda no PT, né? Eu chorava, chorava, chorava, até que me inspirei, fui ao computador e lembrei: “Tem alguma coisa lá no ‘Nenhum, nenhuma'”. E foi como essa frase me desse vida, força. Digo: “Tô saindo porque, às vezes, os filhos têm que sair, né?” A gente convive melhor se a gente for para um outro apartamento, uma outra casa, mas a gente pode continuar gostando e gostando. E a gente só sabe disso quando a gente faz esse gesto.

E aí, para entrar no PV, mais uma vez, é a força da poesia, da beleza, da filosofia de Santo Agostinho. Nas Confissões de Santo Agostinho, ele diz: “É tarde, eu vos amei, beleza tão nobre, tão antiga, tarde vos amei e que estavas dentro de mim. Eu estava fora de mim”. Ele está se referindo ao Espírito Santo. Santo Agostinho brigou com a conversão dele. Ele não queria.

E, aí, tem coisas interessantes. Falei isso para o PV. Sempre tive uma proximidade com o (Fernando) Gabeira, com (Alfredo) Sirkis, com o (Carlos) Minc lá com o Chico Mendes, eles nos ajudavam. A gente era do PT, mas o PV tinha muita identidade. Essas eram as pessoas com quem nós fazíamos o embate, a defesa da floresta, até mais forte à época, mas digo em termos de consciência, porque o PT tinha muita solidariedade com a luta.

Tanto é que o Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional junto com o Chico Mendes na morte do Wilson Ribeiro, porque ele sempre ia lá em solidariedade, nos momentos mais cruciais da nossa luta. Mas para o PT era mais aquela coisa da luta de classe dos trabalhadores, da reforma agrária tradicional. Então, saio dizendo uma poesia para o PT e também uma oração/poesia para o PT e para o PV.

A senhora é religiosa, é da Assembleia de Deus. Como isso afeta a Marina mulher ser desejante? Qual é o lugar do desejo na sua vida? A senhora consegue ser totalmente livre?

Com certeza. A fé não tem impedimento para a liberdade. A ideia mais radical de liberdade é o livre arbítrio que Deus nos dá. Ele tem o poder de fazer com que você creia, que o ame, mas não faz isso. É uma escolha. A religião é um espaço institucional que organiza fé, ética, valores, amor. Me sinto inteiramente livre. A fé não é uma amarra. Lacan diz que não se ensina a desejar. O desejo está ou não está. E é o desejo que nos impulsiona. Não significa, necessariamente, que ele vai se realizar. O objeto vai estar sempre indo para longe para que o desejo continue.

Como vê a instrumentalização da fé para a política?

É um dos piores venenos que hoje afetam nossa democracia. É perversa, não ajuda nem a fé nem a política. Como alguém que está no espaço da política, não posso impor a minha fé nem fazer um uso de manipulação da fé, demonizando quem não professa a mesma fé que eu. Quando era católica, e hoje, como cristã evangélica, votava em pessoas que tinham posições diferentes das minhas. Fiz campanha da Marta Suplicy. Não estava escolhendo pastor, padre, orientador espiritual, mas alguém com as melhores capacidades para dirigir uma cidade, estado, um país.

Existe uma imagem associada aos evangélicos, mais em relação à corrente neopentecostal, de um perfil muito conservador, reacionário. Concorda? Qual a sua visão sobre casamento LGBTQIA+ e legalização das drogas?

Não existe homogeneidade no mundo evangélico. Mesmo dentro das grandes denominações, há diferenças. A união entre pessoas do mesmo sexo já foi estabelecida. É preciso respeito, independente da orientação sexual, religião, condição social. É a base sobre a qual me oriento. Ainda bem que isso está mudando rápido. Há denominações evangélicas e igrejas inclusivas. Sobre a legalização das drogas, temos que fazer debate profundo, sem demonização de quem tem posicionamento contrário por razões técnicas, científicas, sociais e filosóficas, e quem é favorável. Defendo que, para questões complexas como a legalização das drogas e o aborto, devemos fazer plebiscito. O Estado é laico, é preciso que se tenha o direito assegurado para exercitar a sua sexualidade, espiritualidade, competências e capacidades.

Que recado um país que vai sediar a COP30 dá ao mundo ao aprovar PL da devastação? Como exigir mais investimento dos países ricos sem fazer o dever de casa?

Não tem como. Tem que estar comprometido com as metas estabelecidas no Acordo de Paris do qual o Brasil é signatário. É uma derrota para avanços já alcançados. Para os interesses econômicos ou políticos do Brasil. É derrota do ponto de vista de preservar os nossos maiores ativos: clima equilibrado, biodiversidade e a grande quantidade de recursos hídricos, florestas, diversidade cultural. Não precisa fazer a demolição da principal ferramenta de proteção ambiental da potência ambiental que é o Brasil para ter um agronegócio próspero.

É um tiro no pé porque só somos uma potência agrícola e hídrica, e só somos uma potência hídrica porque somos potência florestal sem destruir a Amazônia. Aonde já se viu estabelecer que agora cada estado ou município vai dizer as tipologias do licenciamento ambiental? E se um estado diz que aquilo tem impacto e o outro diz que não tem, sendo o mesmo rio que atravessa os dois estados? A natureza não muda em função das nossas necessidades. Não é ela que tem que se adaptar a nós, nós é que nos adaptamos a ela. E quanto mais sinergia com a natureza, mais a gente tem chance de ter vida digna, de ter prosperidade. Mais de 50% do produto do Produto Interno Bruto das nações depende da sua biodiversidade.

O Balanço Ético Global (BEG) é justamente essa tentativa para implementar o que foi estabelecido no Acordo de Paris?

Isso. O BEG é um dos círculos de mobilização da COP30 para que a sociedade possa trazer uma avaliação se o que está sendo feito por governos, empresas e setor financeiro está alinhado com não ultrapassar um grau e meio de aumento da temperatura da terra, e que essa informação venha sem os crivos dos governos, das empresas. Venha pelo olhar dos cientistas, ativistas da filosofia, da arte, da espiritualidade, das juventudes, dos diferentes continentes. Para que os chefes de Estado e negociadores possam receber da sociedade. Qual é o balanço atravessado pela ética que está sendo feito do que alcançamos até agora?

E praticar o que já foi definido dez anos atrás…

Isso. Essa, Maria, vai ter que ser a COP da implementação. Já discutimos, nos comprometemos com uma série de encaminhamentos, o que falta é implementar.

Fizemos a COP28 em Dubai, berço da exploração de petróleo, e conseguimos sair de lá com a decisão de não ultrapassar um grau e meio no aumento da temperatura da Terra, triplicar a energia renovável, duplicar a eficiência energética e fazer a transição para o fim do uso de combustível fóssil, carvão, petróleo, gás e a transição para o fim do desmatamento. O que temos que fazer agora, após dez anos do Acordo de Paris, é implementar.

E é isso que o Balanço Ético vai trazer: o teste de implementação, o desafio do que precisa ser implementado pelo crivo da sociedade nos diferentes continentes, para que isso ajude na mobilização, sobretudo das ações. Não é fácil.

Há muitas contradições globais, um ambiente geopolítico altamente desafiador, com guerras bélicas e tarifárias, como esse absurdo de taxação do Brasil em 50% do presidente Trump para proteger seus aliados políticos que destruíram a política ambiental brasileira.

A contradição é global, e problema da mudança do clima também. Os prejuízos são globais e só vão ser resolvidos fortalecendo o multilateralismo e parando de achar que porque a gente está dizendo, está concordando, está anunciando, as coisas já estão acontecendo.

Acesse a entrevista no site de origem.

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