O Conselho de Segurança adotou na terça-feira (23) uma resolução apresentada pela Alemanha para reduzir violência sexual em conflitos e acabar com o uso de estupros como arma de guerra.
(ONU Brasil, 25/04/2019 – acesse no site de origem)
O encontro de alto nível marcou os 10 anos da adoção da resolução 1888, que criou o mandato da representante especial sobre violência sexual em conflito.
Segundo o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao longo desta última década houve uma “mudança de paradigmas” no entendimento do impacto devastador da violência sexual em conflitos, no âmbito da paz e da segurança internacionais.
Longas negociações foram feitas para chegar à versão final da resolução, com alguns membros argumentando contra a criação de um novo mecanismo formal de denúncias, assim como referências às provisões sobre serviços de saúde sexual e reprodutiva para mulheres.
A resolução foi aprovada com 13 votos a favor e duas abstenções, da Rússia e da China.
A violência sexual em contextos de guerra “afeta amplamente mulheres e meninas porque está intimamente ligada às questões mais amplas de desigualdade e discriminação entre gêneros”, afirmou Guterres.
De acordo com o secretário-geral, a prevenção deve ser baseada na “promoção dos direitos das mulheres e na igualdade de gênero em todas as áreas, antes, durante e depois de conflitos”.
“Isto precisa incluir a participação completa e eficaz de mulheres na vida política, econômica e social, e garantir justiça acessível e rápida e instituições de segurança”, afirmou.
Guterres também reconheceu as ligações entre violência sexual em conflitos, desigualdade e discriminação entre gêneros e terrorismo e extremismo violento.
“Extremistas e terroristas frequentemente constroem suas ideologias em torno da subjugação de mulheres e meninas e usam da violência sexual de várias formas, de casamentos forçados à escravidão”, explicou.
“Violência sexual continua impulsionando conflitos e impacta severamente as perspectivas de paz duradoura.”
Guterres destacou a necessidade de fortalecer justiça e responsabilização, dizendo que, apesar de diversas condenações de alto escalão, “há uma ampla impunidade para violência sexual em conflitos”. A maior parte dos casos “nunca é relatada, investigada e muito menos processada”, acrescentou.
Comunidades em ‘estado de choque’
Embora estigmas e outras barreiras sociais contribuam para o número baixo de denúncias de violência sexual, a representante especial da ONU sobre Violência Sexual em Conflitos, Pramila Patten, disse ao Conselho que “agora nós entendemos muito mais sobre suas muitas formas, impulsionadores e impactos, e sobre os devastadores fardos físicos, psicológicos e sociais que sobreviventes carregam”.
“Violência sexual impulsiona conflitos e impacta severamente as perspectivas de paz duradoura”, afirmou Patten.
Segundo a relatora, a violência sexual é usada “precisamente porque é um meio tão eficaz de mirar indivíduos e devastar comunidades inteiras”.
A relatora relembrou casos de vítimas miradas por conta de suas etnias ou afiliações religiosas ou políticas.
Ela recontou uma visita ao Sudão do Sul, onde disse ter ficado horrorizada com a “pura brutalidade da violência sexual, perpetrada ao longo de linhas étnicas contra mulheres e meninas, até mesmo crianças de quatro anos de idade”.
Patten descreveu comunidades em “estado de choque” na instalação da ONU para Proteção de Civis na capital do país, Juba, que foram vítimas de estupros coletivos e sequestradas para escravidão sexual.
“Imagine um desespero tão cru que pais preferem casar suas filhas com um estranho para poupá-la de ser estuprada por muitos”, afirmou.
“Para um dia impedir que estes crimes aconteçam em primeiro lugar, precisamos confrontar a realidade inaceitável de que não há grandes custos em estuprar uma mulher, criança ou homem em conflitos armados pelo mundo”, disse.
“Para mudar esta situação, precisamos aumentar o custo e as consequências para aqueles que cometem, comandam ou perdoam violência sexual em conflitos. Precisamos converter uma cultura de séculos de impunidade em uma cultura de responsabilização”, concluiu a representante especial.
Marcos importantes
A renomada advogada de direitos humanos Amal Clooney lembrou alguns dos “marcos importantes” que alcançou defendendo mulheres e meninas yazidis do norte do Iraque. Milhares destas foram vendidas para escravidão sexual pelo grupo extremista Estado Islâmico.
Ela disse que há duas semanas representou na Alemanha a mãe de uma menina yazidi de cinco anos de idade, no primeiro julgamento de um combatente do Estado Islâmico, que enfrenta acusações de crimes de guerra.
Clooney afirmou que a mãe havia sido “escravizada, acorrentada a uma janela e deixada para morrer lentamente de sede no calor abrasador”, mas que agora a justiça está sendo feita.
“Crimes cometidos pelo Estado Islâmico contra mulheres e meninas são diferentes de tudo que testemunhamos nos tempos modernos”, disse. “A questão de levá-los à justiça mal gerou sussurros… Se não agirmos agora, será tarde demais.”
“Este é o seu momento de Nuremberg”, disse ao Conselho, se referindo aos julgamentos realizados na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, que processaram nazistas e outros por acusações de crimes contra a humanidade.
‘Fenômeno perigoso’
Crimes de violência sexual cometidos contra mulheres em todo o mundo se tornaram “um fenômeno perigoso” que exige ação de todos, disse Nadia Murad, embaixadora da Boa Vontade para a Dignidade dos Sobreviventes de Tráfico de Pessoas, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), ao Conselho.
A yazidi sobrevivente de estupro e posteriormente ativista falou sobre como milhares de mulheres e meninas yazidis foram escravizadas com o conhecimento de comunidades locais e internacionais, ressaltando que “ninguém interveio para pará-los”.
Ela alertou que o genocídio de yazidis continua. “O tecido social de uma sociedade inteira foi rasgado, as esperanças e aspirações de gerações foram perdidas”, afirmou. “Nós fomos impedidos de praticar nossas tradições… Há dezenas de valas comuns em nossa região.”
Ela afirmou que a comunidade internacional precisa assumir a responsabilidade de resgatar pessoas que estão desaparecidas ou em cativeiro desde 2014.
“Até agora, nenhuma pessoa foi julgada por crimes de escravidão sexual contra os yazidis”, disse ao Conselho, acrescentando que mais de 350 mil yazidis ainda estão deslocados em acampamentos.