Meninas negras também chefiam mais lares e gastam quase três vezes mais tempo cuidando de outras pessoas do que as brancas. Para pesquisadora da Fiocruz, a discussão sobre economia do cuidado precisa levar em conta as condições socioeconômicas destas jovens
(Gênero e Número | 15/10/2021/ Por Agnes Sofia Guimarães)
Há alguns anos, na cidade de Santos, litoral da Baixada Santista, quatro grandes “Noites de Pizza” movimentam a cidade por uma boa causa: os eventos arrecadam dinheiro para a associação Projeto Menina Mãe, dedicada ao atendimento de gestantes adolescentes, a maior parte entre 15 e 17 anos.
A iniciativa, sem fins lucrativos, é conduzida há 14 anos pela Associação de Médicos de Santos. Em oficinas, jovens atendidas pelo projeto aprendem a viver a gestação como mais uma nova etapa de vida, em que podem socializar experiências que, muitas vezes, acabam sendo marcadas pelo abandono dos parceiros e por rejeição social diante de uma experiência considerada incomum à adolescência.
“São meninas que, quando se encontram no projeto, acabam encontrando um compartilhamento de experiências que proporciona um olhar mais cuidadoso e autônomo sobre sua própria gestação, que, muitas vezes, é muito solitária”, ressalta a médica e atual coordenadora do Projeto Menina Mãe, Regina Aparecida Ribeiro Braghetto.
Levantamento recente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) apontou uma queda de 37,2% de casos de gravidez na adolescência no país entre 2000 e 2019. Mesmo assim, os casos ainda são mais frequentes entre adolescentes negras de 10 a 17 anos. Análise da Gênero e Número a partir de dados do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc/DataSUS) mostra que, se a taxa geral de gravidez diminuiu, há uma diferença significativa quando se olha a identidade racial da gestante.
De 2018 a 2020, enquanto houve diminuição de 10% nos casos de gravidez entre meninas brancas de 10 a 17 anos, entre meninas negras, a redução foi de apenas 3,55% nos maiores estados das cinco regiões do país: São Paulo (Sudeste), Rio Grande do Sul (Sul), Bahia (Nordeste), Pará (Norte) e Goiás (Centro-Oeste). Só em 2020, 62,74% das gestações de mães adolescentes eram de jovens negras, diante de 36,52% de gestações de jovens brancas, 0,38% de amarelas e 0,36% de indígenas.