(Lunetas | 09/12/2022 | Por Célia Fernanda – Bragança/PA)
Osono de Ana Beatriz, 5, foi interrompido quando levaram-na da rede onde sempre repousava, na aldeia dos Sateré-Mawé, no Amazonas. Raíssa, 11, saiu de manhã para colher milho e não retornou mais ao campo da aldeia Bororó, área dos Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Já na Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, Daiane, 14, nunca voltou de uma festa perto de sua casa.
Em comum, além de serem indígenas e habitarem em territórios demarcados, as três meninas foram vítimas fatais de um crime cruel contra seus corpos inocentes: a violência sexual. Esses casos apontam para um cenário grave de insegurança nos territórios onde crianças indígenas deveriam estar protegidas. Das muitas violências sofridas pelos povos originários, a violência sexual é a que afeta principalmente a vida de meninas. Elas sofrem em seus corpos as marcas de uma história do país que pouco se conta nos livros.
“O Brasil nasce da violência contra nós indígenas. Seja de nossos corpos, de nossos territórios. É uma violência que sempre existiu. Encaramos isso como resquício da colonização e precisamos combater”, explica Nyg Kaingang, pesquisadora indígena, ativista e cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Nyg é defensora dos direitos das mulheres indígenas, que há muito carecem de políticas públicas efetivas. “A minha casa é uma casa de mulheres. Moro com minha mãe, minha filha de 4 anos e estou grávida de 4 meses. Então, a luta é mais significativa. Lembro que minha infância foi tranquila, mas, quando reflito melhor, percebo que naquela época sofria assédio”, conta. Moradora da Terra Indígena Apucaraninha, na Mata Atlântica do estado do Paraná, Nyg comenta que, “desde o fim do século 20 tivemos uma redução das terras indígenas na região e vemos que vários problemas sociais, dentre eles a violência sexual, decorrem da usurpação dos nossos territórios. As crianças estão muito vulneráveis, principalmente em lugares de fronteira”.