( Portal Catarinas | 15/10/2021 / Por Schirlei Alves e Paula Guimarães)
- Três mulheres em situações distintas de vulnerabilidade tiveram os filhos retirados dos braços como primeira opção para resolução do problema. Uma quarta mulher ouvida pela reportagem quase caiu no golpe da “adoção à brasileira”.
- Santa Catarina tem a quarta maior taxa de crianças acolhidas por 100 mil habitantes no país e maior taxa de pretendentes para adotar
- Especialistas expõem problemas estruturais nas destituições do poder familiar que ocorrem no Brasil
— Atualmente, tu tens condições de cuidar da tua filha?
— Com certeza!
— A gente está esperando que tu te organizes, que tu continues fazendo esse esforço para cuidar da tua filha […]
— Eu queria fazer um pedido para a senhora, olhar para tudo o que passei desde quando entrei em trabalho de parto para ganhar a Suzi, e desde que a conselheira tutelar entrou na sala e fez tudo isso comigo e a Suzi. É muito desumano.
A súplica é de Andrielli Amanda dos Santos, 21 anos, à juíza da Vara da Infância e Juventude de Florianópolis, Brigitte Remor de Souza May, durante audiência de instrução e julgamento realizada em 28 de setembro. Faz pouco mais de dois meses que ela e a sua bebê, a Suzi, foram afastadas. A separação de mãe e filha ocorreu logo após o parto, no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago.
Assim como Andrielli, outras duas mães tiveram os laços maternos interrompidos por ações judiciais em Santa Catarina. Uma quarta mulher ouvida pelo Porta Catarinas quase perdeu o filho para uma suposta tentativa de adoção ilegal. Nenhuma delas tem uma condição de vida fácil. Mas todas lutam pela mesma causa: recuperar o direito de exercer a maternidade. A situação de vulnerabilidade de cada uma, seja pela circunstância de imigração, pobreza ou violência doméstica, é o que as une na história que vamos contar nesta reportagem.
No mesmo dia da audiência de Andrielli, a conselheira tutelar Juliana Vandresen Lobo — profissional que levou a bebê Suzi para o acolhimento institucional — falou pela primeira vez sobre o caso. “Houve informação do nascituro, sobre negligência e violação de direitos, e apliquei a medida, conforme cabe a mim na legislação. A criança sempre vai ser prioridade absoluta”, disse Lobo em uma reunião da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e da Promoção da Igualdade de Gênero, na Câmara Municipal de Florianópolis.
Contando com a bebê Suzi, há 1.474 crianças e adolescentes acolhidos em Santa Catarina. Pelo menos 86,3% estão institucionalizados como ela, ou seja, vivendo em abrigos. Apenas 13,7% estão aos cuidados de famílias acolhedoras — que propiciam um lar provisório, procuram manter o vínculo da criança com a sua família de origem, mas não adotam.
O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que, dentre os acolhidos no estado, há 157 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, sendo que 45 deles já estão vinculados a pretendentes. O sistema está público desde 2019 e as informações que citamos foram atualizadas no dia 14 de outubro.
Cruzando o número de acolhimentos com os dados populacionais do IBGE, é possível verificar que Santa Catarina tem a quarta maior taxa de crianças acolhidas em abrigos por 100 mil habitantes no país (20,1) e a maior taxa de pretendentes à adoção (37,7).