Além da dificuldade de provar as denúncias, vítimas enfrentam microagressões que não são reconhecidas como violências em ambientes de trabalho. Para juíza, reforma trabalhista de 2017 tornou ainda mais complicado levar esses casos à Justiça***
(Gênero e Número | 25/11/2021 / Por Agnes Sofia Guimarães)
Há vinte anos, a lei contra o assédio sexual no trabalho entrava em vigor. No entanto, vítimas precisam superar diversos obstáculos para levar os casos de assédio sexual à Justiça, o que acaba muitas vezes as desencorajando. Levantamento da Gênero e Número mostra que, entre 2017 e 2020, de 16.278 processos relacionados a casos de assédio sexual que foram julgados em primeira instância na Justiça do Trabalho, apenas 224 terminaram como procedentes — ou seja, as autoras, ou as vítimas, tiveram suas denúncias totalmente reconhecidas. Isso representa 1% dos casos.
No mesmo período, 41% dos casos terminaram em conciliação, 10% foram julgados improcedentes e 35% procedentes em parte — a vítima teve alguma de suas demandas reconhecidas no processo, mas não conseguiu, totalmente, o reconhecimento de que sofreu assédio sexual.
Para a Juíza do Trabalho Lisandra Lopes, provar o assédio acaba sendo um dos maiores desafios para as vítimas.
“O assédio é praticado de maneira furtiva, escondida. É muito difícil a vítima contar com documentos e testemunhas. Hoje temos uma grande vantagem: a possibilidade de prints em mensagens de Whatsapp e a gravação de conversas [observando que a gravação pelo interlocutor é permitida, segundo a jurisprudência dominante]. Ainda assim, não é sempre que se consegue essa prova”, explica.
A juíza também acredita que a oscilação negativa de casos novos a partir de 2017, na Justiça do Trabalho, pode ter relação com a aprovação da última reforma trabalhista — que, segundo ela, transformou-se em um mecanismo de medo para as vítimas em processos motivados por diversas causas, incluindo assédio sexual. Se em 2017 foram 5.171 casos novos de assédio sexual, 2020 terminou com a entrada de apenas 2.455 casos.
“A reforma implicou uma queda geral nos números de processos trabalhistas. E não podemos ser ingênuos e pensar que isso se deu porque agora a lei é cumprida com mais frequência. A reforma simplesmente acabou com uma série de direitos, dificultou o acesso à justiça gratuita, trouxe ônus financeiros mesmo para os beneficiários da gratuidade, incluindo a figura dos honorários de sucumbência, a serem pagos pelo trabalhador ou pela trabalhadora se perderem total ou parcialmente o caso. Em resumo, entrar na Justiça pode custar caro. E além do custo emocional e do risco de uma demanda que apresenta todas estas dificuldades, há ainda o risco financeiro”, lamenta.
*Agnes Sofia Guimarães é repórter da Gênero e Número