Eu tive uma gestação bem tranquila, minha primeira gestação, e quando eu completei 37 semanas eu fui fazer uma ultrassom, teoricamente seria a última ultrassom, porque tudo estava bem, e quando eu cheguei para fazer essa ultrassom o médico me falou que minha neném já estava sem os batimentos e sem os movimentos, que não havia nada ali, e que ele ia ligar para o meu obstetra e pediu para eu ligar para o meu obstetra cinco minutos depois. Em nenhum momento minha dor foi validada”.
Esse é o relato da advogada Sumaia Santos, de quando descobriu que tinha perdido o seu bebê. Como ela, tantas outras mulheres passam por abortos espontâneos e, na maioria das vezes, não têm qualquer amparo emocional e orientação no seu processo de luto. Sumaia contou apenas com o apoio do marido para superar a perda.
“Do meu convívio ninguém validou a minha gestação e depois da minha perda eu não fiz questão de conversar muito com os que não eram do meu convívio, até porque nem conversar eu queria. A ajuda para conviver melhor com o meu luto foi do meu companheiro. Hoje a gente vive bem, a gente está sempre falando da nossa filha como se ela estivesse aqui. A gente fala dela com muita saudade, com muito carinho.”
Héder Bello, psicólogo, especialista em trauma e urgências subjetivas, explica que essas mulheres passam por um processo de luto muito singular, que se relaciona com a concepção de um mundo de expectativas em torno daquele bebê.
“Tem a ver com a morte de um desejo, a morte de uma projeção, uma vontade, de um sonho também. E isso é muito dolorido, para além da dor que é perder um bebê. Essa ideia de não ter aquele sonho materializado e, principalmente, as mulheres pobres e pretas acabam vivendo essa realidade de uma maneira muito desassistida e solitária.”
Para o especialista, o fato de o tema aborto, seja ele espontâneo ou provocado, ser atravessado por tabus e pelo discurso da moralidade impede o avanço e a discussão de políticas públicas voltadas para o acolhimento e apoio adequado para essas mulheres.
“Nós não tratamos as questões de aborto a partir de um olhar integral, incluindo a saúde mental das mulheres. Infelizmente tratamos nos processos da saúde sexual e reprodutiva da mulher através de uma moralidade e isso faz com que as mulheres acabem tendo muitas dificuldades, muito medo, muito receio, inclusive, de falar desse processo. Justamente porque há um entendimento do aborto a partir desse olhar jurídico, não a partir desse olhar da saúde.”
A professora e pedagoga Thaís Rabello teve duas gestações com abortos espontâneos nos estágios iniciais e uma tentativa de fertilização in vitro que não deu certo. Em uma delas, fez questão de fechar o ciclo enterrando sozinha o seu filho. Ela não conseguiu ter o sonho de ser mãe realizado, viveu seus lutos e com o amparo de profissionais tem conseguido reelaborar suas perdas.
“Eu fui aprender a ter outro projeto de vida. Hoje meu projeto é esperar que meus sobrinhos me deem netos por tabela. A gente tem essa generosidade, minha irmã sempre me deixou ser muito próxima dos meus sobrinhos, apesar de morarem longe, mas ajudou a curar isso. Essa vontade de ter, de cuidar, de amar… E os amores se transformam, os afetos também. Todas as mulheres devem tentar tudo que tiverem ao ser alcance para serem mães, se elas quiserem.”
Uma iniciativa em Belo Horizonte, criada por uma fotógrafa, uma médica que teve uma perda gestacional e uma psicóloga, tenta ressignificar a dor dessas mulheres. O Grupo Colcha, além de registrar momentos únicos do encontro e despedida de mães e filhos, também presta acolhimento para essas famílias, como explica a fotógrafa Paula Beltrão.
“A gente pode fazer com que, de certa forma, a gente amenize e a gente mostre para a mãe a importância de alguma simbologia que façam com que o luto dela posteriormente seja vivido de forma mais tranquila, de uma certa forma. Quando a gente vai no acolhimento, a gente faz o print do pezinho, a gente corta uma mechinha do cabelo. A gente guarda coisas que o bebê tocou e cria caixa de memórias. A nossa intenção é tampar lacunas e não criar outros buracos maiores do que aqueles que já existem em relação à perda de um filho.”
Grupos de apoios também tentam ocupar a lacuna da falta de políticas públicas voltadas para essas mulheres. Neles, elas se ajudam na superação da perda trocando e compartilhando as angústias e experiências comuns.