Recife e Belo Horizonte são precursoras, enquanto Goiânia dá os primeiros passos, Curitiba tem “orçamento neutro” e Manaus não registra traços de OSG
A implementação do Orçamento Sensível a Gênero (OSG) para reduzir desigualdades ainda engatinha no Brasil. Com as primeiras movimentações no início dos anos 2000, o OSG nunca chegou a ser uma política institucionalizada no âmbito federal, acabou perdendo a força com a troca de gestões e é pouco aplicada nas capitais brasileiras.
Todas ações de um Orçamento Sensível a Gênero devem constar no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), documentos que deveriam guiar e descrever os gastos públicos municipais. Mas até mesmo isso tem sido um entrave para quem tenta rastrear o destino dos recursos.
A Gênero e Número investigou a aplicação do OSG ou traços dele nas cidades de Recife (PE) e Belo Horizonte (MG), precursoras em planejar os gastos públicos com perspectiva de gênero, e Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Manaus (AM), capitais mais populosas de suas regiões.
A partir da identificação dos passos de implementação do OSG – mapeamento local das desigualdades; destinação de recursos e propostas claras de equidade de gênero; e resultados rastreáveis, como políticas públicas, criação de planos municipais e leis -, a reportagem considerou o Plano Plurianual (PPA) 2022-2025 e a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2023 de cada cidade para analisar os recursos.
A reportagem não cita valores, já que a presença de cifras não indica necessariamente a existência de um Orçamento Sensível a Gênero. Em muitos casos, também, os recursos são pouco descritivos e não há transparência para as ações às quais serão destinados.
Gênero e raça no orçamento das capitais
“Temos que dar um passo atrás e tentar entender como a política hoje afeta gênero e raça”, Clara Brenck, professora adjunta no Cedeplar/UFMG e pesquisadora do Made – Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, sediado na USP.
O olhar mais atento sobre as desigualdades pode ser estendido a outros grupos minoritários, como a população trans. A inclusão é discutida no âmbito de cada planejamento local que aplicará a OSG, lembra a especialista.
“Existem políticas que visam reduzir a desigualdade de gênero, mas isso não necessariamente inclui um orçamento sensível a gênero. Não basta olhar uma parte do orçamento, é preciso olhar como todos os tipos de gastos e tributações vão afetar a desigualdade. Esse é o maior desafio, porque temos falta de dados e há muita dificuldade não só de avaliar o resultado, mas também de entender qual é o problema”.
Brenck é coautora da Nota Técnica Orçamento Sensível a Gênero e os desafios do Brasil para adotá-lo, que assina com Larissa Rosa (Cedeplar/UFMG e Made) e Bernardo Campolina (Cedeplar/UFMG). A Gênero e Número teve acesso exclusivo ao trabalho, que acompanha a implementação do OSG nas capitais de Pernambuco e Minas Gerais e aponta a importância da participação popular, tanto na identificação das demandas, quanto na cobrança pelos resultados.
“Mas também é muito difícil despertar essa participação popular, principalmente das mulheres, visto que elas têm jornadas duplas e triplas”, lembra Rosa.
Pensar um orçamento que seja responsivo às demandas de mulheres cis e pessoas trans não passa, necessariamente, pela criação de uma Secretaria da Mulher e tampouco por um orçamento exclusivo, destaca a doutoranda em Administração Pública e Governo da FGV-SP, Clara Marinho.
Ao entender que as desigualdades permeiam várias camadas de responsabilidade pública, como emprego, renda, educação e saúde, a atenção sobre o orçamento precisa ser transversal, com medidas que atendam diversas áreas.
Para Marinho, o gestor público precisa se desvencilhar de que a despesa obrigatória não se discute e pensar em como ela pode ser bem empregada do ponto de vista de gênero.
“Normalmente, se faz o orçamento olhando para o do ano anterior e colocando um pouco mais de dinheiro, quando existe. As metas fixadas são as que damos conta de fazer, não as metas desafiadoras”, aponta a pesquisadora, que define esse comportamento como “paralisia decisória”.