(O Globo, 29/06/2016) — Pai, você viu que mataram outro garoto da minha idade?
Eu tinha visto a notícia, mas não tinha dimensão do impacto disso pra vida do Miguel. Do alto dos seus 10 anos recém completados, ele verbaliza de forma clara a revolta que sente com injustiças cometidas contra crianças. As recentes mortes de duas delas, de 10 e 11 anos, pelas mãos da polícia paulista, aumentaram nele essa percepção (leia mais aqui e aqui)
Esse sentimento ficou ainda mais forte quando ele e a avó, a caminho da escola, encontraram outra criança da sua idade, em um grupo de moradores de rua.
Fumando, vestindo roupas imundas, o garoto mostrou na prática para o Miguel que nem todas as crianças têm as mesmas oportunidades, ou são vistas da mesma forma. Fez ele pensar o quanto meninos e meninas sem amparo precisam enfrentar para sobreviverem de maneira digna. Quando me pergunta, indignado, onde estão os pais, me dá um nó na garganta pra responder: meu filho, criança nenhuma merece ficar nesse desamparo.
É o mesmo lamento que me vem à cabeça ao assistir ao novo vídeo produzido pela Unicef. Nele, uma menina de seis anos está sozinha em um local público. O filmete publicado na manhã desta quarta-feira já alcançou 203 mil visualizações e mais de 3,5 mil curtidas na página oficial da Unicef.
Vestida com roupas limpas e de cabelo arrumado, a criança logo consegue a ajuda dos passsantes. “Qual o seu nome? Quantos anos você tem? Mora aqui perto? Está perdida?”
Em seguida, a produção muda a aparência da atriz-mirim. Suja seu rosto, coloca roupas sujas e velhas na criança. Com a transformação, ela parece vestir uma capa de invisibilidade.
Nos mesmos lugares onde recebeu conforto e solidariedade, a menina foi muitas vezes ignorada. Pessoas ao redor olhavam desconfiadas, cuidavam de suas bolsas e casacos, apreensivas com um possível furto… dentro de um restaurante, chegam a pedir aos garçons para que retirem a criança do local.
A experiência foi interrompida porque a pequena atriz ficou muito triste com as reações das pessoas e começou a chorar — de verdade.
— Porque meu rosto estava coberto de fuligem e minhas roupas estavam sujas… isso me deixou triste. Eu não sei… eles todos estavam me dizendo para eu ir embora.”
O vídeo termina com uma mensagem: mudanças começam quando você escolhe se importar.
Miguel já escolheu. E com sua escolha, me ensina a escolher melhor.
Acesse o PDF: Vídeo da Unicef demonstra o preconceito sofrido por crianças na rua (O Globo, 29/06/2016)