Em entrevista ao R7, Laura Chinchilla fala sobre avanços em seu país e aponta dificuldades que as mulheres ainda têm para entrar na política
(R7, 24/05/2018 – acesse no site de origem)
Em uma região em que prevalecem a violência e a pobreza, a Costa Rica tem conseguido algumas proezas. Mantém uma das democracias mais estáveis do mundo e, em 2010, elegeu a primeira mulher, Laura Chinchilla Miranda, hoje com 59 anos, para a presidência do país, cargo que ocupou até 2014.
A Costa Rica ocupa atualmente o 66º lugar no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU (Organização das Nações Unidas). Está bem à frente de países como El Salvador (117º), Nicarágua (124º) e Guatemala (125º). A ex-presidente observa, no entanto, que também teve dificuldades em superar conceitos machistas para assumir o mais importante cargo do país.
Para ela, a luta feminista tem características distintas em cada sociedade, mas um objetivo comum: as melhorias nas condições de vida das mulheres. Como socióloga, Laura tem visitado com frequência o Brasil. Em 2018, é a titular de cátedra na USP (Universidade de São Paulo), que realizará um estudo sobre os desafios da liderança e da democracia na América Latina. Confira abaixo a entrevista dela ao R7.
R7 – Quais as maiores dificuldades para uma mulher entrar na política e posteriormente se tornar presidente de seu país?
Laura Chinchilla – Diria que a principal barreira que se interpõe a avanços no setor tem a ver com fatores intangíveis. Muitas vezes estes são aplicados às mulheres para desvalorizar seu comportamento, sua capacidade. São provenientes de homens que consideram a mulher mais débil na liderança, que ela não tem nível de concentração, que tem menos possibilidade de manejar crises complexas. Muitas vezes a mulher é vista mais pela aparência do que pelo seu conteúdo. Esses fatores intangíveis tendem a frear o avanço da mulher na política e afetar a forma com que se valoriza seu desempenho no setor público.
R7 – Que tipo de preconceito surge quando uma mulher tenta entrar para a política?
LC – As mulheres experimentam maiores obstáculos quando optam por uma carreira política e ainda maiores quando ocupam espaço no setor público. Alguns têm a ver com dificuldades maiores para financiamentos, que tradicionalmente estão nas mãos de homens no setor privado. Existem algumas mulheres que também têm muitas dificuldades em conciliar as atividades familiares com as públicas. Não foi o meu caso, minha família me ajudou muito na carreira política.
R7 – Até que ponto a sua gestão foi decisiva para o atual presidente, Carlos Alvarado, anunciar um governo composto por uma maioria de mulheres?
LC – Não tenho a menor dúvida de que meu governo ajudou a melhorar o posicionamento das mulheres, não somente dentro do governo, mas também ajudou muitas outras mulheres e homens que lutam por igualdade de direitos na Costa Rica há muitos anos. Aprovamos cotas para a mulher na política e no setor público, para promover medidas de paridade, aprovadas recentemente. Meu governo foi o primeiro que teve um ministério paritário, foram 47% de mulheres e 53% homens, isso ajudou a termos uma assembleia pela primeira vez com 50% de mulheres e um gabinete com mais mulheres do que homens.
R7 – Qual o nível de evolução das condições das mulheres na América Latina, um continente com muitas carências sociais?
LC – Em relação às mulheres, há inúmeros estudos que mostram que a América Latina é uma das regiões que mais têm avançado em matéria de participação política da mulher. Só está atrás da Europa nórdica. Hoje temos muitos parlamentos com mais de 40% de mulheres, não só na Costa Rica, mas em países como México, Argentina, Bolívia, Nicarágua, nos quais também há importantes representantes no Executivo.
R7 – Em que nível de avanços nessa área se encontra o Brasil?
LC – Há países que estão mais abaixo nessas conquistas, como Guatemala, Paraguai e Brasil. O Brasil tinha melhorado mas retrocedeu após a saída de Dilma Rousseff da presidência e a nomeação de um gabinete quase 100% nas mãos de homens. No parlamento brasileiro também é muito baixa a participação da mulher. O Brasil pode fazer muito mais em relação às mulheres, há mulheres muito boas e valiosas na política do País.
R7 – A senhora está visitando o Brasil com mais frequência, após se tornar titular na cátedra José Bonifácio, na USP. Qual o objetivo dos estudos que está coordenando nesta universidade brasileira?
LC – A cátedra vai se concentrar em analisar a democracia, a liderança política e cidadania na América Latina. Vamos analisar todos os fenômenos que estão se passando na região, onde cada vez mais há desconfiança em relação à política e às instituições democráticas. Vamos analisar as formas de populismo latino, as novas formas de participação cidadã. Está se criando um novo protagonismo cidadão e estudaremos alguns papéis que as redes sociais e as tecnologias digitais estão tendo nesta nova situação.
R7 – A senhora acabou sendo descrita por muitos como uma política progressista que defende algumas causas conservadoras, como a oposição ao aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Como conciliar isso com as causas feministas?
LC – Não é certo dizer que a princípio sou contra o aborto ou ao reconhecimento dos direitos de casamento do mesmo sexo. No caso da Costa Rica, o que se passa é que cada uma dessas medidas tem se adaptar aos conceitos culturais daqueles que governamos. Temos o aborto terapêutico, que se autoriza em casos de perigo à saúde da mãe e também estou de acordo em autorizá-lo em casos de violência e de menores de idade, do mesmo jeito que há no Brasil.
R7 – O mesmo vale em relação aos países da América Latina?
LC – Ir mais adiante que isto (terapêutico, etc) nos países que não admitem uma evolução nisso não é sensato. Na Costa Rica, por exemplo, 80% das pessoas se opõem ao aborto. Isso já não ocorre em muitos países da Europa simplesmente porque as condições da população são diferentes. Em casos de casamento de pessoas do mesmo sexo, na Costa Rica se tramita uma iniciativa que não se chama matrimônio e sim de união de convivência, e estou de acordo com a união de convivência.
R7 – Até que ponto é importante para o feminismo aceitar divergências dentro do próprio movimento?
LC – É importante essa pergunta. O feminismo tem que ser democrático. No fundo o feminismo tem um elemento em comum que é lutar pelas melhorias nas condições das mulheres na sociedade. Mas cada sociedade tem a sua evolução cultural, suas idiossincrasias, níveis diferentes de evolução. Por exemplo, na Espanha já está aprovado o aborto, em outros países há avanços em direitos políticos. Não quer dizer que as mulheres feministas da Espanha são melhores do que as da Costa Rica. Cada país avança de acordo com suas normas culturais e a evolução de sua sociedade. O feminismo deve acompanhar isso.
Eugenio Goussinsky