Estudo leva em conta faltas ao trabalho decorrentes principalmente de agressões domésticas
(O Tempo, 16/09/2018 – acesse no site de origem)
A rotina dentro de casa era de xingamentos e acusações que, em pouco tempo, evoluíram para chutes na barriga e socos no rosto. No trabalho, o reflexo apareceu na forma de crises de ansiedade, depressão e queda no rendimento profissional. Durante três anos, não restou outra alternativa à administradora Ana (nome fictício), 30, a não ser recorrer aos atestados médicos por causa das agressões provocadas pelo então companheiro.
“A violência era diária. Mas a que mais me marcou foi quando eu estava grávida da minha filha de 5 anos. Ele segurou meu braço e me xingou com palavrões, dizendo que eu não era mulher de verdade. Fiquei tão abalada que faltei ao emprego. Peguei atestado por alguns dias, com quadro de gripe, palpitação e depressão. Depois, pedi demissão por não conseguir me concentrar na minha função”, conta Ana.
Atingida como mulher, mãe e profissional, ela faz parte de uma estatística alarmante. A violência doméstica custa quase R$ 1 bilhão por ano ao país apenas no que diz respeito aos impactos no mercado de trabalho, segundo estudo feito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com base na Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica Familiar contra a Mulher (PCSVDF Mulher) e na Lei Maria da Penha.
O economista José Raimundo Carvalho, professor da UFC e um dos autores do estudo, explica que a estimativa foi feita com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a população feminina de 15 a 49 anos (48,7 milhões de mulheres) que estava empregada nas capitais em 2016.
A partir de estimativas na região Nordeste de que 12,5% das mulheres empregadas sofreram algum tipo de violência doméstica no período e que 25% reportaram ter faltado ao menos um dia no trabalho, o estudo ampliou os cálculos para o país, chegando a um valor de R$ 975 milhões – 15 milhões de dias perdidos vezes a média de R$ 65,28 por dia trabalhado. Nesse caso, foi levado em consideração o valor do salário-hora entre as mulheres vítimas de violência doméstica (R$ 8,16 em valores nominais de 2016).
“A violência doméstica é um fenômeno que impacta diretamente o desempenho da mulher no mercado de trabalho, além de restringir o acesso às oportunidades de emprego e as mulheres vitimadas de alcançarem um melhor nível de bem-estar”, conclui o estudo.
O professor Carvalho falou a O TEMPO que é importante ressaltar que o estudo leva em conta apenas o chamado “absenteísmo” (faltas ao trabalho), o que já representa um valor “surpreendente”. “Se adicionarmos os custos de saúde e judiciais, por exemplo, a conta subiria de forma vertiginosa”, explica o economista. Na pesquisa, Carvalho aponta que o empoderamento da mulher ajuda a diminuir a violência, pois subverte normas culturais e estereótipos de gênero, fatores que contribuem para o ambiente de agressões.
Segundo Carvalho, o levantamento terá uma nova fase, que deve ser iniciada em 2019. “Nossa intenção é coletar informações precisas de todas as capitais do país. Serão os custos com tratamento médico, hospitalar, além daqueles que envolvem os processos contra os agressores. Depois do que pudemos constatar, já esperamos um resultado assustador”, projeta o professor.
Combate. Qualquer tipo de violência doméstica pode ser denunciado, gratuitamente, por meio do Ligue 180. O número serve de canal direto para orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina no país.
Dar o primeiro passo é o maior desafio
Um dos aspectos mais graves da violência doméstica é o fato de a vítima pensar que não tem alternativas para mudar a situação e, assim, não dar o primeiro passo, que é denunciar o parceiro.
“A agressão acontece dentro de casa, ambiente onde a mulher mais espera encontrar proteção, segurança, amor e acolhimento. Se lá ela não tem isso, como imaginar que vai ter no trabalho ou em outro lugar?”, questiona a psicóloga Natacha Braz.
Amparar as mulheres permite que elas possam reagir diante da violência. “A empresa deve dispor de um profissional que possa acolher e ajudar essa mulher, mas isso deve ser de conhecimento público. Assim, ela organiza as ideias, entende o que está acontecendo e, por fim, denuncia o agressor”, orienta a psicóloga.
Thuany Motta