Pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, a médica sanitarista Tereza Lyra coordena, no Recife, um estudo para dimensionar o custo humano da síndrome congênita do zika, avaliar os impactos social e econômico da epidemia, além de analisar como o vírus chamou a atenção para a desigualdade de gênero. Nesta conversa, ela traz à tona os primeiros resultados da pesquisa, que vai além das crianças acometidas pela síndrome.
(NE10, 04/11/2018 – acesse no site de origem)
IMPACTOS SOCIAIS
A inusitada epidemia causada pelo zika vírus abriu um leque de desafios para a ciência e a sociedade. Como cidadãos, a gente se vê diante de um drama enorme e, como profissionais de saúde, mergulhados na construção do conhecimento.
Percebemos que as pesquisas epidemiológicas (isoladamente) não abordavam um outro lado do problema: a forma com que a zika impactou a vida das família com crianças afetadas pela síndrome congênita do vírus. Então, formamos um grupo para desenvolver um estudo (iniciado em 2017), que foi financiado pela Wellcome Trust (fundação do Reino Unido). O trabalho foi feito em dois eixos de atuação, quantitativo e qualitativo, no Recife e Região Metropolitana, onde foram realizadas 215 entrevistas. O estudo também foi conduzido na cidade do Rio de Janeiro, que
colaborou com 271 entrevistas. Foram ouvidos cuidadores principais das crianças (com e sem zika). Quase todo esse universo foi de mães, mas também houve avós e tias.
DESIGUALDADE
Agora analisamos as entrevistas e destacamos alguns aspectos. Primeiramente, percebemos que há uma distribuição iníqua da síndrome congênita do zika, o que evidenciamos até pelo local onde entrevistamos as mulheres, que são submetidas a uma profunda desigualdade social e precariedade de vida. Isso se reproduz no acesso aos serviços de saúde, nos custos sociais e econômicos da família e na desigualdade de gênero.
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PESO FINANCEIRO
É sobre as mulheres que recai o ônus de todos os aspectos do enfrentamento da epidemia. Ficou evidente que foram elas que tiveram que abandonar o emprego. Além de toda a carga emocional, há o peso da perda de um salário de uma família que já é de baixa renda. O BPC (sigla para Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social) só é fornecido em casos de pobreza extrema. Geralmente as mulheres deixam o emprego, mas a família não vive em condição de miserabilidade que faça o BPC ser concedido. A concessão do benefício deveria ser universal. No caso da síndrome congênita do zika, o problema leva a um alto custo para todas as famílias envolvidas: há gasto com medicação, deslocamento e alimentação das crianças. Vemos mães que perderam o emprego e que vivem precariamente sem apresentar miserabilidade que justifique o BPC. O desafio é imenso.
RESILIÊNCIA
Para nós, pesquisadores, a epidemia também foi de muito sofrimento. Algumas pesquisadoras choravam por sentir impotência diante do que ouviam durante as entrevistas. Presenciar uma amostra do cotidiano dessas mulheres foi pesado. Mas também foi gratificante ver a capacidade que as mães tiveram para criar uma rede de apoio. Elas se reinventaram coletivamente.