(O Globo, 03/02/2019 – acesse no site de origem)
RIO — Há cinco anos, a goiana Barbara Penna, 24, sobreviveu por pouco a uma tentativa de feminicídio. Seu companheiro a espancou, ateou fogo nela e no apartamento em que viviam, em Porto Alegre. Depois, jogou a mulher da varanda do terceiro andar. No incêndio, morreram os dois filhos de Barbara — Isadora, de 2 anos, e João Henrique, quatro meses — e um vizinho de 76 anos que tentou ajudá-la. O agressor foi preso em flagrante. A prisão, no entanto, não encerrou o tormento da jovem: seu ex-sogro, advogado criminalista, passou a ameaçá-la. Foi o que a levou a pedir à Justiça uma medida protetiva contra ele.
— Ele vinha me ameaçando e deixou claro que iria me matar. Consegui uma medida protetiva em 2016, ela foi renovada em 2017 e expirou em abril do ano passado. Pedi outra renovação, mas a Justiça negou. Infelizmente, a gente tem de morrer para conseguir nossos direitos — diz Barbara.
Histórias de ameaças e agressões como as sofridas por Barbara podem ser quantificadas pelo número de medidas protetivas concedidas pela Justiça. Em 2018, foram ao menos 318.258, segundo dados compilados pelo GLOBO a partir de informações de 19 dos 27 tribunais de Justiça do país. Isso corresponde a uma medida concedida a cada dois minutos.
As medidas protetivas são regidas pela Lei Maria da Penha. Seu artigo 22 estabelece que, “constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, o juiz poderá determinar ao agressor o “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”.
O prazo de duração é determinado pelo juiz. O réu pode ser proibido de portar armas, frequentar lugares em que possa ameaçar a vítima e entrar em contato com ela e seus familiares. Caso descumpra as restrições, pode ser preso.
Muitas mulheres ainda se sentem intimidadas em registrar a denúncia, seja por medo dos agressores, pela burocracia que encontram nas delegacias não especializadas ou por fatores econômicos e emocionais.
— Não raro (os acusados) são os pais dos seus filhos. Por isso é importante que elas busquem os centros especializados de atendimento — diz Flávia Nascimento, defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher do Rio.
Para garantir a efetividade das medidas protetivas, o juiz pode requisitar auxílio da força policial. Estados como Rio, São Paulo, Paraná e Amazonas criaram as chamadas Patrulhas Maria da Penha, em que PMs visitam as vítimas para garantir que seus agressores mantenham distância. O efetivo de policiais dedicados a essas patrulhas, no entanto, é muito menor do que o total de medidas protetivas em andamento.
Risco de morte
A carioca Amanda ( nome fictício ), 38 anos, foi alvo por sucessivas vezes de aproximações ilegais de seu ex-marido. Mesmo com três medidas protetivas concedidas nos últimos três anos, por diversas vezes ela correu risco de morrer. Na última, em maio deste ano, foi ameaçada de morte na presença de seu filho de 8 anos.
— Foi na frente da casa dele, quando fui buscar meu filho. Disse que, se soubesse que alguém estava se aproximando dele (ela estava em novo relacionamento), ia me matar. A partir daí, começou um novo inferno na minha vida — conta Amanda. — Depois disso, ele sumiu com meu filho por 40 dias. Quando voltou, ele dizia pra mim: “Mamãe, você vai me matar? Papai disse que você quer me matar”.
Barbara Penna diz que só recebeu a visita da Patrulha Maria da Penha uma vez em dois anos:
— Segundo a PM, a demanda é muito grande, eles não têm efetivo para atender. Muitas mulheres acabam morrendo mesmo com uma medida protetiva em mãos.
Para ajudar outras vítimas, ela criou uma ONG com seu nome e tentou, em vão, eleger-se deputada federal nas últimas eleições. A goiana afirma que, por meio do Instituto Barbara Penna, conheceu muitas mulheres que têm medo de contar suas histórias:
— Temos de ir atrás dos nossos direitos, denunciar, porque, ainda que a lei seja falha, ela está a favor da mulher. E, mesmo indo atrás dos nossos direitos, temos de nos cuidar. A medida protetiva é tão frágil quanto o papel em que ela é emitida.
No caso de Amanda, os sucessivos descumprimentos das medidas levaram à prisão do ex-marido, em flagrante, em setembro de 2018. Ele ficou acautelado por uma semana e depois foi solto. Após a medida, ela se sentiu menos vulnerável.
Uma legislação sancionada no fim do ano passado ampliou a pena do feminicídio se o crime for praticado quando o autor estiver descumprindo medidas protetivas. A proposta prevê aumento de pena quando o crime for cometido na presença física ou virtual de filhos ou pais da vítima.
Na avaliação da defensora Flávia Nascimento, além do rigor na legislação, é necessário priorizar ações de prevenção já previstas na Lei Maria da Penha, como campanhas educativas, capacitação dos servidores que fazem atendimentos e pesquisas para entender o fenômeno da agressão.
Marco Aurélio Canônico e Pedro Capetti