(Cátia Luz, de O Estado de S. Paulo) Enquanto atendia aos pedidos do fotógrafo para ficar de pé em frente à uma janela, virar o rosto mais à direita ou cruzar os braços, Adriana Machado não se desligou de nenhum detalhe. “Essa sujeirinha no vidro não dá pra ver não, né?”, perguntou a executiva, que se dividia entre olhar para a câmera e checar o ambiente.
A observação minuciosa, tipicamente feminina, é um sinal prosaico de que o comando da General Electric no Brasil está diferente. Pela primeira vez, em 92 anos de País, a gigante americana tem uma mulher no mais alto cargo da empresa. Aos 43 anos, Adriana assumiu no mês passado uma subsidiária com 8 mil funcionários e um faturamento de US$ 2,6 bilhões em 2010 – para 2011, a expectativa é de um crescimento de pelo menos 30%.
“Você não imagina a quantidade de funcionárias que nunca haviam falado comigo e me mandaram e-mails contando do orgulho de ter uma mulher nessa posição”, diz a executiva. “Isso ainda chama a atenção. Muitas vezes sou a única mulher nas reuniões. Mas, se a cobrança é maior, a torcida também é.”
Mundo feminino
A executiva faz parte de um universo que vem aumentando nos últimos anos, mas ainda é tímido no mundo corporativo. Nos Estados Unidos, onde nomes como Indra Nooyi, à frente da Pepsico, Ursula Burns, da Xerox, e Ellen Kullman, da DuPont, servem de referência para o resto do mundo, apenas 18 das 500 maiores empresas da lista da revista Fortune são comandadas por mulheres. O número, que apesar de modesto é recorde, já contempla Virginia “Ginni” Rometty, da IBM, e Heather Bresch, da fabricante de genéricos Mylan, que neste mês assumiram o comando dessas empresas.
No Brasil, ao lado de executivas como Luiza Trajano, do Magazine Luiza, ou Grace Lieblein, presidente da GM Brasil, Adriana passou a integrar um grupo que representa cerca de 11% do total de presidentes de empresa no País, segundo dados do Fórum Econômico Mundial.
Mãe de dois meninos, um de seis e outro de 13 anos, a executiva não vê dilemas entre vida pessoal e profissional. “Sou uma melhor mãe trabalhando do que o tempo todo em casa. Eu sempre trabalhei e acho que ter uma vida profissional deixa mais rica a relação com meus filhos”, diz a presidente da GE Brasil, que começou ainda na adolescência a dar aulas de balé e de inglês. “Não sei se é bom ou ruim, mas eles já estão acostumados a uma mãe que viaja ou interrompe a brincadeira para fazer um call”, afirma.
Projetos
Diante da missão que Adriana tem pela frente, é provável que as interrupções fiquem cada vez mais constantes. Com US$ 550 milhões em investimentos até 2013, a subsidiária brasileira é uma das maiores apostas para o avanço global da GE. No início do ano passado, a companhia decidiu dar mais autonomia às operações internacionais, que hoje respondem por 60% da receita. Com isso, só a GE Brasil ganhou mais mil funcionários no período.
Entre as prioridades do plano de investimentos está a construção do quinto centro de pesquisa global da empresa, orçado em US$ 120 milhões, que ficará no Parque Tecnológico do Fundão, onde está o campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O centro, que deve estar pronto no primeiro semestre de 2013, vai abrigar 200 PhDs e desenvolver trabalhos principalmente no setor de óleo e gás, área estratégica para a companhia.
De olho nas oportunidades do pré-sal, a multinacional também montou há cerca de seis meses um time de fusões e aquisições. Entre os objetivos, está a vontade de transformar a GE na maior provedora de equipamentos da Petrobrás. Batizado de Rio4Real, o grupo tem ainda a tarefa de prospectar negócios relacionados aos Jogos Olímpicos e à Copa do Mundo. Nas contas da companhia, o Estado do Rio de Janeiro deverá receber até 2016 investimentos da ordem de US$ 100 bilhões e a empresa pode se beneficiar diretamente de pelo menos 1% desse montante.
Trajetória
Para comandar a gigante no País – que além de energia, atua em iluminação, saúde, transporte e aviação -, a GE escolheu uma executiva que, ao contrário da grande maioria dos presidentes de empresa, não tem experiência na gestão de negócios. Nascida em Niterói, mas criada em Brasília, Adriana se formou na primeira turma de Ciência Política da Universidade de Brasília. Foi consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), passou pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) e trabalhou na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Foi ainda assessora política na Embaixada Americana no Brasil e Diretora de Assuntos Estratégicos na Câmara de Comércio Americana (Amcham).
A nova presidente chegou à multinacional há menos de três anos, quando a companhia, que tem excelência em relações governamentais nos Estados Unidos, estava criando as primeiras funções voltadas para essa área fora do país de origem. Adriana, até então diretora de relações governamentais da Intel Brasil, tinha ido à GE apenas para “dar um palpite” na criação da nova função. “Fui convidada para falar porque a Intel tem uma tradição forte nessa área”, explica a executiva. “Acabei numa conversa com o presidente da GE, que me vendeu tão bem a ideia que me convenceu a ficar.”
Apesar do pouco tempo de empresa, a possibilidade de assumir o comando não pegou a executiva de surpresa. “Já estava sendo preparada para isso. Só não achei que seria neste momento, porque a companhia ainda está estruturando a área de relações governamentais”, admite. Adriana teve treinamento em liderança na Universidade Crotonville, principal centro de educação executiva da GE, próximo a Nova York, em setembro do ano passado.
A formação pouco comum no mundo dos negócios – dos quatro colegas da turma de faculdade, por exemplo, só Adriana está no setor privado – não intimida a executiva. “Pode ser novo, pode ser diferente da tendência até aqui, mas acho que é uma função que te coloca em contato com o dia a dia dos negócios e com os desafios de execução dos projetos”, defende Adriana. “Nessa área, você tem de criar o caminho da conversa, da estratégia, mas tem também o lado tático. Você entra a fundo na operação.” Segundo a presidente, foi justamente a diretoria de relações governamentais que a permitiu conhecer em pouco tempo todas as áreas de negócios da empresa.
Para Patricia Epperlein, sócia presidente da Mariaca, consultoria da área de capital humano, a presidência da GE tem peculiaridades que se encaixam à formação de Adriana. “Como é um cargo que tem diversas áreas de negócios debaixo dele, a presidência da GE não exige um perfil operacional tão forte. É muito mais importante um executivo que tenha capacidade de coordenação e articulação e que saiba interagir com os diversos públicos”, diz Patricia.
Rede
Há três anos, juntamente com outras poucas mulheres que atuavam na área de relações governamentais, Adriana ajudou a criar uma rede de afinidade batizada informalmente de Midas ( Mulheres Internacionais Dinâmicas e Articuladas Sempre). “Foi um brainstorm de várias mulheres em uma mesa de restaurante. E foi engraçadíssimo chegar nesse S”, diverte-se Adriana. Apesar da informalidade, o grupo funciona como um espaço de troca de informações e convida palestrantes para discutir diferentes assuntos. Um dos últimos convidados pelo grupo foi o embaixador Rubens Ricupero, que falou sobre as questões de gênero no trabalho.
A rede de mulheres conta hoje com 50 profissionais que, de alguma forma, exercem funções ligadas às relações governamentais. A única restrição é não estar no governo. “Bem a exemplo da visão de rede comum nos Estados Unidos, na Midas trocamos experiências e acabamos virando mentoras das mais novas”, diz Flávia Sekles, ex-diretora de relações institucionais da Embraer e hoje diretora de comunicação da fabricante de aviões, responsável por lançar a ideia da rede para as colegas.
Grazielle Parenti, diretora de comunicação da Diageo, diz que entrar para o grupo deu início a um grande processo de aprendizagem. “Somos mulheres de lugares diferentes, de formações distintas e com idades que vão de 25 a 50 anos. Há um espaço muito grande para a troca”, afirma a executiva. “E Adriana certamente é uma mentora”.
Fazem parte da turma ainda a ex-embaixadora dos Estados Unidos no Brasil Donna Hrinak , que assumiu em novembro a Boeing Brasil; Renata Bley, diretora de relações governamentais da Braskem; e Regina Nunes, presidente da Standard & Poors no Brasil. “A gente gosta de dizer que os homens têm uma inveja danada de não poder participar”, brinca Adriana.
Um amigo – impedido por razões óbvias de participar – chegou a rebatizar a Midas de Mulheres Impossíveis Destinadas ao Sucesso. A trajetória de Adriana até aqui se enquadra bem no significado alternativo dado para a sigla. Mas, na presidência da GE, o desafio da executiva está só começando.
Acesse em pdf: Uma executiva improvável chega ao comando da GE Brasil (O Estado de S. Paulo – 09/01/2012)
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