Era 21 de abril quando a mãe de Vânia saiu de casa, no município de Sete Lagoas (MG), para comprar ração para os cachorros. Apesar dos 82 anos, a idosa sempre foi muito ativa e mantinha em ordem a casa onde mora com três dos seis filhos. Mas naquele dia, foi atropelada por uma moto ao atravessar a rua, teve uma fratura séria na região pélvica e desde então utiliza um andador. Nos últimos três meses, quem herdou a responsabilidade com a casa e, consequentemente, com os irmãos de 43, 57 e 55 anos foi Vânia Costa, de 52 anos. Apesar de não morar mais com a mãe, ela acorda quase todos os dias às sete da manhã para ir até a casa, realizar os afazeres domésticos e cuidar da idosa. Volta já no fim da tarde, e ainda cuida da própria casa, onde mora com o marido. Se fossem outros tempos, e não no meio de uma pandemia de uma doença ainda mais letal para idosos, Vânia conta que tentaria contratar uma profissional para cuidar da casa e da mãe. Mas como o cenário atual mudou muitas dinâmicas de trabalho e cuidado, ela hoje é a responsável direta pelo cuidado de seis pessoas e duas casas.
O abalo estrutural causado pela pandemia, que resultou no acúmulo de mais responsabilidade do cuidado por parte das mulheres, respingou em ao menos metade das brasileiras. É o que revela a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, da Gênero e Número e da SOF – Sempreviva Organização Feminista. Os dados apontam também que 42% das mulheres responsáveis pelo cuidado não têm apoio externo, como profissionais, instituições ou vizinhos. E a maioria destas é negra: 54%.