(Justificando | 17/03/2021 | Por José Henrique Rodrigues Torres)
No espectro dos Direitos Humanos, direitos conquistados não suportam retrocesso. Não se admite marcha à ré! Vale, sim, a cláusula da proibição do avanço reacionário. Não há tergiversar. Se as mulheres conquistaram o direito de estudar, de votar, de não sofrer violência nem discriminação, de exercer plenamente a sua sexualidade, não é possível retroceder. As leis e políticas públicas implantadas para garantir esses direitos não podem ser aniquiladas nem reduzidas no seu alcance ou abrangência. Os direitos humanos devem ser aplicados e garantidos sob a perspectiva de conquista, reconhecimento e consolidação de direitos, o que implica a inadmissibilidade de retrocessos.
No seu movimento dialético, o sistema de proteção dos direitos humanos, sempre em construção, ainda que projetado sob a perspectiva de uma universalidade utópica, caminha para transformar a sociabilidade, desenvolvendo-se a partir de conquistas históricas, éticas e axiológicas. A vida social, na sua dimensão material, construída a partir dessas conquistas, não é um amontoado de fatos fortuitos. As mulheres, inserindo-se nesse projeto civilizatório, para garantir a sua dignidade e conquistar a igualdade material, enfrentam uma luta histórica contra a cultura androcêntrica, preconceituosa e, inclusive, racista, fruto de uma ideologia patriarcal hegemônica e fundada, sobretudo, na desigualdade, que, no âmbito da sexualidade e das relações de gênero, reproduz dominação e exclusão nas sociedades estruturadas na exploração e nas formas assimétricas de poder nos espaços público e privado. E, nessa luta renhida, se as mulheres conquistaram, no âmbito da legalidade, a licitude do aborto praticado para salvar a vida da gestante e, também, nos casos de gravidez resultante de crimes contra a dignidade sexual, bem como, na arena do STF, o reconhecimento de que nem sequer caracteriza “aborto” a interrupção da gestação nos casos de malformação fetal com inviabilidade de vida extrauterina, não se pode admitir qualquer retrocesso. Essas conquistas são irreversíveis. É preciso avançar. Retroceder, jamais.
José Henrique Rodrigues Torres é juiz de direito do TJSP e membro da AJD – Associação Juízes para a Democracia