Projeto de lei que inviabiliza aborto legal, e foi colocado como prioridade por futura ministra, está parado no colegiado desde junho de 2017.
(HuffPost Brasil, 14/12/2018 – acesse no site de origem)
Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família e relator do Estatuto do Nascituro– que já foi anunciado como prioridade no próximo governo -, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) quer acabar com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos Deputados. O projeto de lei que inviabiliza o aborto legal no País está parado no colegiado desde junho de 2017.
De acordo com o parlamentar, a comissão permanente criada em abril de 2016 é improdutiva e serve como cabide de emprego. “É só para dar cargo e prestigiar os partidos políticos”, afirmou ao HuffPost Brasil. Para o deputado, as propostas de temas ligados às mulheres podem ser apreciadas por outras comissões, como a de Seguridade Social e Família, o que daria maior agilidade aos temas.
“É uma comissão em que várias reuniões foram canceladas durante o ano, ou seja, improdutiva. Imagina uma matéria importante como essa, que trata da mulher e do nascituro, sequer ser debatida?”, questionou Garcia.
Católico e um dos nomes mais atuantes na Bancada da Bíblia, o parlamentar acusa a presidente do colegiado, a deputada Ana Perugini (PT-SP) de atuar para impedir o avanço do PL 478/2017 por não agendar uma audiência pública para debater o Estatuto do Nascituro aprovada em requerimento apresentado por ele em outubro de 2017.
“Ela adota uma linha que, como presidente da comissão, ela não poderia ter, que é levar a visão pessoal para dentro de uma comissão que não é dela. A comissão é de todos partidos”, criticou.
Segundo Garcia, a bancada do Podemos irá fazer um apelo para o próximo presidente da Câmara, que será eleito em fevereiro, para extinguir o colegiado.
É importante que as pessoas, principalmente o eleitorado, saiba o posicionamento de cada parlamentar aqui
Ana Perugini, presidente da Comissão da Mulher
Procurada pelo HuffPost Brasil, a deputada Ana Perugini negou ter manobrado para impedir que o Estatuto do Nascituro avançasse. “Toda pauta de votação é consenso. Isso é uma prerrogativa da comissão”, afirmou sobre o requerimento apresentado por Garcia para realizar uma audiência pública sobre o tema.
Quanto ao futuro do colegiado, a petista afirmou que Garcia deve defender a proposta na tribuna. “É importante que as pessoas, principalmente o eleitorado, saiba o posicionamento de cada parlamentar aqui”, respondeu.
Comissão da Mulher
Criada a partir de um substitutivo do deputado João Campos (PRB-GO), da bancada evangélica, ao Projeto de Resolução 8/07, a Comissão da Mulher foi alvo de controvérsia desde o início. Um dos pontos contestados à época, por parte da bancada feminina, é que propostas sobre aborto não seriam deliberadas pelo colegiado.
Apoiada pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a comissão também foi vista como uma forma de esvaziar a função de outras estruturas ligadas às causas femininas dentro da Casa, como a Procuradoria da Mulher e a Secretaria da Mulher da Câmara.
Mesmo após o plenário decidir adiar a votação do projeto de resolução que criou o colegiado, Cunha manobrou e pautou o texto novamente. Nesse dia, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) chegou a ocupar a cadeira da presidência da Câmara, em protesto.
Logo no início, o comando ficou com a deputada Gorete Pereira (PR-CE). Ao defender a criação da comissão, a parlamentar afirmou, à época, que “as mulheres são frágeis no corpo e também na alma, então tem de ter um olhar diferenciado para elas”.
Em 2018, das 41 reuniões marcadas, 7 foram canceladas e 19 foram deliberativas. Outros encontros foram destinados a eventos como seminários sobre guarda compartilhada, mulheres negras, feminicídio, câncer de mama, futebol feminino e participação política.
Estatuto do Nascituro
Considerado prioridade para a futura ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, o Estatuto do Nascituro define que o feto é um sujeito de direito e por isso tem direito à vida, de modo a proibir o aborto sob quaisquer circunstâncias.
Hoje a interrupção da gravidez é permitida no Brasil em caso de risco de vida da mãe, gestação causada por estupro e quando o feto é anencéfalo. As duas primeiras previsões estão no Código Penal e a última foi decidida pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
De acordo com o PL 478/2007, o Estado fica proibido de privar o nascituro de direitos, independente de “deficiência física ou mental ou da probabilidade de sobrevida”, assim como “causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”.
O texto prevê que, no caso de gravidez resultado de violência sexual, a gestante receberá acompanhamento psicológico e direito prioritário à adoção, caso queira. Já ao feto seria assegurada pensão alimentícia equivalente a um salário mínimo, até que complete 18 anos. Se o genitor não for identificado, caberá ao Estado o pagamento.
A proposta aguardava para ser votada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), onde recebeu parecer favorável do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) em junho de 2017, mas teve sua tramitação prolongada após requerimento do deputado Glauber Braga (PSol-RJ) para que o texto fosse redistribuído e chegasse à Comissão da Mulher.
“Não tinha nem por que passar na Comissão da Mulher porque já tinha parecer de mérito na Comissão de Seguridade Social e Família, que também responde pela pessoa da mulher”, criticou Garcia. Se for aprovado no colegiado sobre temas femininos, o texto precisa voltar para a CCJ antes de ir para o plenário da casa.
Gravidez após estupro
O relator, que deve manter o posto em 2019 caso a Comissão da Mulher permaneça e ele continue membro, não pretende alterar o texto, apesar da controvérsia. “Já houve várias modificações. Foram construções feitas para que o texto tivesse viabilidade e fosse aprovado”, afirmou Garcia.
Para ele, o termo “bolsa estupro” tem sido usado para “carimbar” o projeto. “[A pensão] em hipótese alguma vai permitir a geração de vínculos com a criança. A criança vai estar protegida e resguardada. Mas é um direito que a mãe e a criança passam a ter, de receber esse auxílio”, respondeu.
Na interpretação do deputado, a proposta não inviabiliza o aborto legal. “Não vamos impedir o aborto nos casos de estupro e anencefalia, mas vamos trazer segurança jurídica tanto para o nascituro quanto para a mulher que queria dar continuidade a essa gestação”, afirmou.
Não vamos impedir o aborto nos casos de estupro e anencefalia, mas vamos trazer segurança jurídica tanto para o nascituro quanto para a mulher que queria dar continuidade a essa gestação
Diego Garcia, relator do Estatuto do Nascituro
Ao mesmo tempo em que nega que o PL irá ampliar a criminalização da interrupção da gravidez, o parlamentar admite que hoje a mulher que engravidou devido a uma agressão sexual já pode manter a gestação, se quiser, assim como o direito à pensão é assegurado após o nascimento do feto.
Questionado então sobre qual seria o objetivo do texto, Garcia diz que é criar uma norma específica. “Estamos dando mais força ao que já existe hoje tendo uma norma específica sobre o tema”, afirmou.
O parlamentar disse que ainda não há uma conversa marcada com a futura ministra Damares, mas vê um caminho livre para aprovar o texto em 2019, independente de quem ganhar a presidência da Câmara.
“Não vejo nenhum candidato que se oporia a pautar esse projeto tendo a vontade popular, e esse é um projeto que tem muita gente interessada na aprovação, até para enfrentar essa judicialização que acabou ocorrendo por conta da não deliberação desses projetos aqui dentro do Congresso”, afirmou em referência a decisões do STF sobre interrupção da gravidez.
Em novembro de 2017, uma comissão especial da Câmara aprovou o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição 181, que estabelece que a vida começa na concepção. Na época, a bancada conservadora também negou que o texto fosse inviabilizar o aborto legal.
A movimentação foi uma resposta à decisão da Primeira Turma do Supremo que, em novembro de 2016, definiu que o aborto não deveria ser considerado crime no primeiro trimestre da gravidez, ao julgar um caso específico.
No tribunal, o tema é conteúdo também da ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 442. A relatora, ministra Rosa Weber, realizou audiências públicas sobre o assunto em agosto e não há previsão de quando irá apresentar seu relatório.
Marcella Fernandes