Após ampla discussão entre os participantes da Conferência Livre Nacional de Saúde da População Negra, ocorrida em 13 de maio, foram definidos quatro eixos prioritários sobre o tema. Abaixo, no Relatório final, você confere as diretrizes originadas desses eixos, e as diferentes propostas para alcançar esses objetivos. Serão estas as demandas serão levadas à 17a Conferência Nacional de Saúde.
Relatório Final – Conferência Livre Nacional de Saúde da População Negra
EIXO I – O Brasil que temos. O Brasil que queremos
Diretriz: Efetivação da implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, considerando os atravessamentos do racismo estrutural visando a construção do Estado-Nação antirracista ao enfrentar políticas públicas neoliberais, tais como abertura do SUS a exploração pelo capital estrangeiro [cf. Art. 142 da Lei 13.097 (19/01/2015) que altera a Lei 8080 (19/09/1990)]
- Garantir a Educação Antirracista na formação inicial e continuada dos profissionais, trabalhadores e gestores da Saúde, envolvendo a Educação Permanente como Estratégia para a Implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, cumprindo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) conforme Resolução 569 (08/12/2017) do Conselho Nacional de Saúde.
- Articular pesquisa e atuação em territórios quilombolas, urbanos e rurais integrando universidades, espaços de formação, coletivos, organizações sociais, ocupações de moradia, que atendam às necessidades e demandas da saúde da população negra e fomentem ações de educação em saúde.
- Garantir participação efetiva e contribuição de movimentos sociais da população negra, religiões de matriz africana, e comunidades tradicionais em todos os processos de controle social da gestão, avaliação, e inovação do SUS em todos os três níveis da federação, contribuindo para que toda a gestão do SUS seja realizada pelo setor público.
- Incluir nas Práticas Integrativas e Complementares do SUS, os saberes e fazeres de promoção da saúde e cuidados das comunidades tradicionais de matrizes africanas e povos originários, reconhecendo os diferentes matizes de conhecimento, à luz do pluriversalismo, da espiritualidade, da integridade e equidade.
- Viabilizar a implementação da PNSIPN em todos os entes e níveis da Federação por meio de recursos financeiros, formativos, e humanos e de ações coordenadas específicas, garantindo repasse financeiro prioritário considerando o racismo como determinação do processo saúde doença e o combate às iniquidades sócio raciais.
EIXO II – O papel do controle social e dos movimentos sociais para salvar vidas
Diretriz: Criar condições para a ampliar a representatividade da população negra nos espaços de participação e controle social de políticas públicas, em alinhamento com o Sistema de Promoção de Igualdade Racial, desenvolvendo estratégias de informação e comunicação para pessoas chaves, com garantia de recursos financeiros, capacitação e educação permanente, criação dos comitês técnicos de saúde, acompanhados da estrutura necessária para o seu pleno funcionamento e implementação da PNSIPN, a fim de enfrentar o racismo e a exclusão desta população.
- Assegurar a participação social de representantes de Organizações da sociedade civil, profissionais, ativista, e usuários representantes da população negra nos espaços de controle social no SUS, através da flexibilização de dias e horários das atividades; aportes financeiros necessários; assim como, a revisão dos canais de participação social de forma a garantir as vozes marginalizadas. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de ações de educação permanente e popular em saúde e direitos voltadas para a especificidade das questões étnico-raciais.
- Ampliar os mecanismos de acesso e efetiva participação da sociedade, em processos de consultas públicas, conferências e conselhos. Divulgar e utilizar todas as Redes e Ferramentas de Comunicação Digital (Virtual), assegurando medidas de acessibilidade e práticas comunicacionais inclusivas, reconhecendo a diversidade da população brasileira. Reconhecer, valorizar, estimular e incorporar tecnologias do cuidado, das demais variadas produções de conhecimento da Cultura e Educação Popular em Saúde com foco na população negra, para fomentar sua participação nas políticas de saúde.
- Disseminação de informações regionais, distritais municipais e estaduais racializados (recorte dos dados pelo campo raça/cor) em diferentes canais de comunicação (para população, serviços de saúde, gestores, e espaços de cuidado no território). Bem como informar a população sobre os espaços de controle social.
- Garantir ferramentas de participação da população negra nos processos consultivos e deliberativos de políticas públicas. Desta forma, busca-se garantir cotas de participação de pessoas negras em conselhos de todas as instâncias de saúde, bem como garantir orçamento para assessoria externa e capacitação de conselheires na perspectiva da educação permanente. Ao mesmo tempo, considera-se fundamental a participação de representantes de movimentos antirracistas locais para composição destes conselhos. Obrigatoriedade de cláusula em contratos com empresas privadas terceirizadas por prefeituras municipais que garantam a união da atenção primária com universidades, garantindo uma educação antirracista em saúde, valorizando, principalmente, a interseccionalidade de raça gênero e classe, com ênfase em saúde de mulheres negras.
- Criar uma autoridade nacional de saúde da população negra (a exemplo da autoridade de mudança climática) para representar, regular, monitorar e implementar as ações relativas à política, criando um espaço de participação da população negra. Isso pode se desdobrar em ações para criarautoridades regionais para garantir que a política chegue aos usuários e a população brasileira em toda sua capilaridade, propiciando a criação imediata dos comitês técnicos de saúde da população negra nos municípios com recursos financeiros e demais estruturas.
Eixo III – Garantir direitos e defender o SUS, a vida e a democracia
Diretriz: Garantir modelo integral público, gratuito, com financiamento adequado, de atenção à saúde da população negra, que atenda às necessidades de idosos, idosas, mulheres, homens, adolescentes, crianças, LGBTQI+, pessoas com deficiência, comunidades e povos tradicionais e população de rua por meio de ações intra e intersetoriais para promoção, prevenção, diagnóstico assistência/cuidado, reabilitação, vigilância, monitoramento, avaliação e qualificação, considerando sobretudo questões geográficas e territoriais.
- Garantia de financiamento nos Planos Plurianuais nas três esferas de gestão para que as políticas públicas setoriais e intersetoriais voltadas para a saúde da população negra possam ser adequadamente implementadas, divulgadas, com ampliação do acesso às ações considerando as necessidades de saúde desta população.
- Efetivar a garantia do acesso regionalizado e territorializado das populações quilombolas e outras comunidades tradicionais, inclusive onde houver fronteiras territoriais, independente de seu município de residência.
- Garantir que o quesito raça-cor seja marcador racial como indicador de implantação, implementação, monitoramento, avaliação e de qualidade das políticas públicas para a população negra, em todos osciclos de vida
- Revogar o Previne Brasil e a ADAPS, e garantir orçamento e financiamento adequados para o acessouniversal na APS, na média e alta complexidade.
- Implementação da obrigatoriedade do ensino sobre SPN nas diretrizes curriculares e matrizes, nasgraduações epós-graduações na área da saúde, e educação permanente para todos os cursos sobre o preenchimento do quesito raça/cor e as políticas voltadas para a saúde da população negra, com garantia de financiamento de programas de educação permanente para todos os profissionais de saúde, feito por lideranças dos movimentos sociais, com abordagens intersetoriais e equitativas, como forma de garantir as orientações da PNSIPN.
Eixo IV – Amanhã vai ser outro dia para todas as pessoas
Diretriz: Implementar dispositivos concretos de indução da PNSIPN com ações macropolíticas (financiamento, regulação, monitoramento e avaliação) e micropolíticas (educação/formação, comunicação e mobilização), contemplando a pluralidade da população negra brasileira e reconhecendo suas dimensões de gênero, sexualidades, deficiências e de geração.
- Educação permanente em saúde (EPS) compreendendo a formação para o trabalho em saúde, com abordagem antirracista; o acolhimento amplo às usuárias/os negres, bem como às trabalhadoras/esnegres; capacitação para adequada coleta do quesito raça/cor e demais dados sociodemográficos.
- Fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, como porta de entrada aos serviços, com fomento àintersetorialidade com equipes de saúde da família multiprofissionais, à exemplo do NASF, capacitadaspara acolher e combater situações de racismo e outras formas de discriminação.
- Incentivo à produção de conhecimento sobre a saúde da população negra, geração de dadosepidemiológicos desagregados por raça/cor, criação de um Observatório sobre saúde da população negra,indígena e quilombola, ressaltando a sua importância nos processos de saúde/adoecimento dessas populações.
- Implementação de ações afirmativas, repasse e financiamento que garantam a colocação da pessoa negranas três instâncias de gestão do SUS.
- Reconhecimento dos terreiros como espaços sagrados de promoção e cuidado em saúde, seus praticantes e demais povos tradicionais, como detentores de saberes e práticas terapêuticas não hegemônicas,revogando o artigo nº 284, do Código Penal, que criminaliza as práticas das tradições de matriz africana.