A jornalista Mara Régia, que está à frente do programa Viva Maria há 35 anos, fala sobre a luta das mulheres e suas expectativas para a garantia de direitos.
(Marina Pita/Agência Patrícia Galvão, 16/09/2016)
Pioneiro no rádio brasileiro na luta pelo direito da mulher, o programa Viva Maria comemorou na última quarta-feira (14) os 35 anos no ar. Comandado pela jornalista Mara Régia, o programa deu origem ao Dia Continental da Imagem da Mulher na Comunicação e fez com que muitas mulheres passassem a conhecer seus direitos e a terem orgulho do nome Maria.
A Agência Patrícia Galvão participou das celebrações de aniversário do programa e aproveitou para entrevistar Mara Régia, a jornalista que está à frente do programa desde sua estreia e que atualmente compõe o quadro de profissionais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), sendo uma das profissionais mais respeitadas da empresa pública.
Agência Patrícia Galvão: Você está no ar com o Viva Maria há 35 anos. Como é estar na ar por tanto tempo?
Mara Régia: Eu acho que diante do cenário político que vivemos hoje, tem uma sensação de déjà-vu, como se a gente estivesse dando os primeiros passos, quando o programa ainda era de megafone na mão. Naquela época a gente tomava a rodoviária para dizer, durante o período pré-Constituinte, que as mulheres acreditassem porque nosso direito vem, porque, se não tem nosso direito, o Brasil perde também.
Agência Patrícia Galvão: Como era a luta dos movimentos de mulheres naquela época?
Mara Régia: Foram muitas as mobilizações não só no período pré-Constituinte, mas, acima de tudo, pelos equipamentos de segurança. Brasília à época, nos anos 1980, era uma cidade traumatizada por crimes que envolveram mulheres e crianças. Tivemos o caso da menina Araceli, além disso, tivemos Ana Lídia, um crime que ficou famoso, em que uma estudante da UNB foi assinada pelo então namorado Marcelo Bauer. Então, tudo isso foi muito traumatizante e devemos a esse sentimento de indignação das mulheres as vezes que fomos para as ruas. Até na missa de sétimo dia dessa nossa amiga que infelizmente partiu, a Tais Mendonça, nós cobramos a criação da delegacia especializada de atendimento à mulher.
O Viva Maria foi uma caixa de ressonância para que todas as vozes pudessem clamar por justiça.
Agência Patrícia Galvão: Qual era a diferença de fazer o Viva Maria naquela época?
Mara Régia: Por força de um tempo completamente dilatado, que hoje é muito raro, a gente ficava três horas no ar, era a volta ao mundo em mais de 120 minutos e a gente colocava os movimentos no microfone. O movimento de mulheres negras que vinha, por exemplo, discutir a música do Luiz Caldas, que lançou Fricote, com a letra “nega do cabelo duro”. A gente fazia uma espécie de fórum, ouvindo o Luiz Caldas e ouvindo o movimento, ele falando lá da Bahia “eu sou negro, nunca faria uma música contra a minha raça” e elas opinavam. Fazíamos uma eleição para decidir se iríamos tocar aquela música. O mesmo com Lindomar Castilho, que à época chamávamos de Lindomar Gatilho, já que ele matou Eliane de Grammont e ele tinha umas músicas, como “Minha mãe, minha heroína” e aí chegava o dia das mães e o que a gente vai fazer? Não vamos tocar a música porque assassino não tem vez aqui nesse programa. E rapidamente as mulheres entenderam isso – a ponto de, nas muitas mobilizações da Rodoviária, a gente ter a oportunidade de ouvir mulheres dizendo que antes desse programa tinham vergonha do nome Maria e, pelo programa, passaram a ter orgulho.
Agência Patrícia Galvão: O que mudou desde àquela época?
Mara Régia: Aqui tínhamos um auditório que serviu por muitos anos à TV Nacional, a gente tinha um auditório gigantesco onde a gente se reunia à noite para tirar nossas estratégias de comunicação, para colocarmos as mulheres nas ruas. E, nos momentos cruciais da Constituinte, levar a mulherada que estava em Brasília para chegar lá no Congresso, entregar a carta das mulheres lá. Passou muita estrada. Mas, à época, a gente tinha o sonho de que, o que conquistamos, é nosso. Hoje sabemos que nada está dado, nada é definitivo, a gente avança e retrocede, avança e retrocede em uma dimensão absurda. Temos que festejar, porque temos a Lei Maria da Penha, embora a ameaça de mudança esteja aí. Então, eu acho que não só na questão da violência, ainda estamos engatinhando.
Agência Patrícia Galvão: Em sua opinião, quais vitórias do movimento de mulheres, ao longo destes 35 anos, vale destacar?
Mara Régia: Então, acho que a gente tem tido vitórias, mas a maior delas é a nossa juventude, que através das redes sociais tem se mobilizado. Essa força da juventude, com esse equipamento tão fantástico que são as redes sociais, me dão uma esperança única, de que a gente vai se articular cada vez melhor.
Agência Patrícia Galvão: E qual um grande desafio?
Mara Régia: O que falta mesmo é a gente fazer nossas leis e não deixar isso como tarefa dos homens. Enquanto assim for, com a disparidade de representatividade política que ainda temos vai continuar sendo difícil.
Agência Patrícia Galvão: Como é fazer parte desse processo de emancipação das mulheres e ver agora alguns retrocessos?
Mara Régia: Eu estou ansiosa. Estou sofrendo de impaciência histórica. Esses canais, como o rádio, são uma mídia fácil, basta uns discos, um microfone e agora estamos na web, podemos fazer e acontecer. E acho que tudo isso me anima a alma e me impacienta. Quando alguém me diz, pelos mais 35 anos de Viva Maria, eu não quero. A gente precisa conquistar nossos direitos antes.