(Correio Braziliense, 12/03/2015) “O empoderamento da mulher e sua participação, em base de igualdade, em todos os campos sociais, incluindo o processo decisório e o acesso ao poder, são fundamentais para a realização da igualdade, do desenvolvimento e da paz”. Passados 20 anos, o preceito da declaração final da IV Conferência Mundial Sobre a mulher, realizada em Pequim em 1995, é atual e deve nortear o debate sobre a reforma política em pauta no Congresso Nacional.
A delegação brasileira apresenta-se ao lado de mais de uma centena de mulheres representantes de 45 países, reunidas entre 10 e 20 de março em Nova York, na Comissão sobre a Situação da mulher, da ONU Mulheres, para avaliar a aplicação da Plataforma de Ação, aprovada há 20 anos em Pequim. A fala do Brasil no encontro não é das mais otimistas no que se refere à presença feminina no Congresso, mas provocará reflexão do Congresso sobre o momento decisivo para o real aumento do número de mulheres nos espaços de poder político.
Chegou a hora de retirar o Brasil da situação vexatória da 124ª posição no ranking de 188 países com menor participação feminina no parlamento, segundo dados da União Interparlamentar. São apenas 51 deputadas (9,94%) entre os 513 parlamentares na Câmara dos Deputados e, no Senado, no total de 81 cadeiras, 13 (16%) são mulheres.
Em escala decrescente, o Brasil está atrás de quase toda a América Latina, à frente apenas do Haiti. Na região, os países com maior presença feminina são Bolívia (53,1%), Cuba (48,9%), Nicarágua (42,4%), Equador (41,6%), México (37,4%) e Argentina (36,6%). Grande parte deles adotou a política de cotas. O exemplo bem-sucedido é o da Argentina. Em 2004, foi aprovada reforma que introduziu o artigo 37 na Constituição, prevendo que “a igualdade real de oportunidade entre homens e mulheres para o acesso aos cargos eletivos e partidários se garantirá por ações positivas na regulação dos partidos políticos e do regime eleitoral”.
A legislação daquele país determina que deva constar pelo menos uma mulher para cada dois homens na sequência estabelecida pela lista fechada de cada partido, sob pena de indeferimento do registro da lista. Com o objetivo de alcançar a igualdade política entre os sexos, a França aprovou a Lei nº 2000-493 (Lei de Paridade), segundo a qual metade dos candidatos constantes das listas partidárias deve ser de um mesmo sexo, com alternâncias de posições entre homens e mulheres.
Cerca de 40 Estados adotam a modalidade de cotas, entre os quais Alemanha, Áustria, Espanha, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia. No Brasil, o sistema eleitoral diz apenas que os partidos devem reservar 30% das vagas para candidaturas de gênero distinto e a punição tem sido extremamente branda para as siglas que não cumprem a cota, ou burlam a previsão legal, apresentando candidaturas só de fachada.
A bancada feminina no Congresso Nacional pretende mudar radicalmente essa realidade. As 64 parlamentares decidiram propor na reforma política que ao menos 30% das cadeiras no Legislativo sejam reservadas para gêneros diferentes. Debateremos a proposta no parlamento e com a sociedade em todo o país, como o fizemos na década de 1990, momento em que a conquista da cota foi o primeiro passo.
Afinal, enquanto as mulheres, que são a maioria do eleitorado brasileiro, continuarem sub-representadas nos três níveis do Poder Legislativo, o sistema democrático revelará seu lado frágil e perderá a oportunidade de se aprimorar no caminho da verdadeira e libertária emancipação da sociedade. É de Simone de Beauvoir a ideia segundo a qual “querer-se livre é também querer livres os outros”.
Acesse o PDF: A atualidade de Pequim+20 e a reforma política, por Vanessa Grazziotin (Correio Braziliense, 12/03/2015)