(Agência Patrícia Galvão, 22/09/2015) Diante das pressões pela reforma ministerial e da notícia de que a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e a Secretaria Geral da Presidência podem ser fundidas em um Ministério da Cidadania, a Agência Patrícia Galvão ouviu diversas feministas. Para a maioria delas a perspectiva de fusão dessas pastas é um retrocesso, que levará ao fim de organismos simbólica e politicamente históricos para a formulação e implementação de políticas públicas demandadas pelas mulheres brasileiras.
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A socióloga Eva Blay destacou que “no Brasil, vivemos ainda hoje um patriarcado extremamente violento. E, na Câmara e no Senado, vemos um enorme avanço de políticas absolutamente conservadoras contra tudo que nós mulheres conquistamos no mundo todo. Independentemente de posicionamento político partidário, a Dilma nesse campo fez um enorme avanço. Por isso, acho lamentável que as forças retrógradas tenham tanto poder a ponto de fazer com que voltemos para trás no que nossa voz conseguiu por meio da SPM. Sou absolutamente contrária à redução desta Secretaria, que tem representado junto à ONU e todos os organismos internacionais um espaço fantástico, e tem servido de modelo para os países africanos e também da América Latina. Por isso, será um enorme retrocesso se ela for reduzida”. Professora titular sênior da FFLCH/USP, Eva foi senadora da República pelo PSDB, partido ao qual segue filiada.
Redução do poder político das mulheres
Para Maria Amélia de Almeida Teles, a possibilidade “é um absurdo, porque conquistamos a Secretaria de Política para as Mulheres e a Secretaria da Igualdade Racial por meio de uma grande luta, de um movimento histórico pelo reconhecimento das nossas necessidades e demandas, tanto das populações não brancas quanto da feminina. Nós somos a maioria da população desse país. Vamos ficar sem representação dentro do governo? Isso não é possível. Não tem cabimento. Essa medida só aprofunda a crise e não a resolve. Enfrentar a crise significa reconhecer as necessidades da população, conforme sua inserção na sociedade. Nós precisamos é de mais mulheres no governo. Se tirarmos duas ministras, estamos reduzindo nosso poder político”. Integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e da União de Mulheres do Município de São Paulo, Amelinha é uma das coordenadoras do Programa de Promotoras Legais Populares, que forma mulheres para ação em defesa dos direitos humanos e difusão da Lei Maria da Penha.
É fundamental manter secretarias no primeiro escalão
Também socióloga e coordenadora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Guacira César de Oliveira aponta que a perda de um organismo específico para articular demandas de mulheres e o combate às discriminações raciais e étnicas “é medida completamente descompromissada com a luta das mulheres e nossas conquistas”. Ela ressalta que “a desigualdade das mulheres é um dos problemas estruturais do Brasil, por isso a gente tem um sistema político com uma das menores representações de mulheres da América Latina. A desigualdade racial também é um elemento absolutamente central para a democracia brasileira. E esses organismos com status ministerial foram conquistas dos movimentos sociais em relação aos quais não estamos de maneira nenhuma dispostas a abrir mão. Num contexto de uma ofensiva conservadora, religiosa, fundamentalista, neopatriarcal contra os direitos das mulheres, não ter um organismo de políticas para as mulheres e a igualdade racial no primeiro escalão do governo é muito ruim”.
A própria presidenta Dilma Rousseff, que desde o primeiro mandato enfrenta pressões para acabar com as pastas voltadas à formulação de políticas específicas para as maiorias populacionais em situação de desigualdade, já manifestou que a SPM-PR é “fundamental”. Foi assim que Dilma se manifestou durante a 3ª Conferência de Políticas para as Mulheres, em 2011. Na última sexta-feira, a presidenta voltou a divulgar uma mensagem em vídeo na internet reafirmando que o governo “seguirá combatendo o racismo, a homofobia e a violência contra as mulheres”.
Tiro no pé
Mas para a médica Ana Flávia D’Oliveira, professora da Faculdade de Medicina da USP, a fusão de secretarias é “um tiro no pé” que afetará o enfrentamento à intolerância e à violência. “Vejamos o papel que a SPM tem na formulação e implementação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres. Com certeza a pauta [das diversas secretarias] é comum e eu defendo uma ação articulada e transversal, mas tem as especificidades das mulheres, negros, das crianças e adolescentes, da diversidade sexual. Os organismos são muito importantes para efetivar políticas transversais, e já são subfinanciados e têm pouco poder econômico e político para conseguir efetivar essas políticas. Juntar tudo isso é reduzir a força de políticas que efetivamente tenham eficácia. E as políticas transversais de gênero e igualdade racial são importantes para o desenvolvimento econômico. Então, também nesse sentido, num momento de ajuste fiscal, é um tiro no pé, pois quem vai pagar a conta do ajuste é quem está na periferia do sistema e vai ser onerado por uma crise que não foram essas populações que provocaram”.
Mulheres negras serão as mais afetadas
Liderança da Articulação de Organizações de Mulheres Negras do Brasil (AMNB), Maria Dolores Almeida aponta que “se essa notícia se confirmar será um retrocesso muito grande para os direitos humanos no Brasil, principalmente olhando da perspectiva da população negra e das mulheres. Porque quando você junta essas políticas quem sai perdendo são as mulheres e as mulheres negras, especialmente nesse momento de avanço conservador. A gente sabe que tem estados e municípios que já não implementam as políticas que conquistamos. Nós mulheres negras seremos as mais afetadas de todas as formas. Conquistas como o Ligue 180 e a Casa da Mulher Brasileira vão escorrer por entre nossos dedos. E sinto muito que isso aconteça no governo de uma mulher, embora saibamos do compromisso da presidenta Dilma e das pressões que ela vem sofrendo já há muito tempo”.
Ônus político
Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, concorda e avalia que “a presidenta Dilma, primeira mulher a governar o Brasil, não pode arcar com o ônus de extinguir as pastas que formulam e implementam políticas para as mulheres, a igualdade racial e os direitos humanos. No momento em que estamos lutando para aprovar uma cota de 10% de representatividade para as mulheres no Congresso Nacional, acabar com essas secretarias é um retrocesso histórico. A presidenta Dilma tem demonstrado firmeza em suas convicções e coerência em seus atos. Tenho expectativa de que ela continue tendo o entendimento da importância das secretarias de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos no presente e no futuro”, afirma.
Secretarias representam democratização do Estado
A coordenadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, Maria Betânia Ávila ressaltou que a mídia já “reformou o ministério por diversas vezes, mas até agora não houve confirmação dessas informações, por exemplo, ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher” (CNDM). A socióloga afirmou ainda que “a SPM e a Seppir são frutos de lutas históricas, fundamentais para a democracia política e social. São mecanismos importantes na democratização do Estado, na implementação de políticas públicas voltadas para a igualdade, os direitos das mulheres e das populações negras. Por isso, as duas secretarias devem ser preservadas”. Betânia integra o CNDM.